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Washington exige que a União Europeia apoie Guaidó: ultimato termina sábado (23)

Tudo indica que parte da estratégia de Washington é detonar algum tipo de enfrentamento com o governo Maduro em meio às ações do fim de semana
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Aviões militares C-17 estadunidenses decolaram da Flórida no último sábado (16) para transportar toneladas de assistência humanitária supostamente destinada à Venezuela, mas que, explicitamente, forma parte da operação de mudança de regime no país sul-americano impulsionada abertamente por Washington, enquanto o Comando Sul prepara opções para possíveis missões na nação petroleira.

Por sua vez, o vice-presidente, Mike Pence, em uma conferência sobre segurança em Munique, exigiu que a União Europeia declare, como bloco, reconhecer como o único presidente legítimo da Venezuela o autoproclamado presidente encarregado Juan Guaidó, ratificado em seu posto pelo regime de Donald Trump. O bloco europeu, no entanto, rechaçou apoio a qualquer escalada militar no país caribenho. 

Tudo indica que parte da estratégia coordenada por Washington é detonar algum tipo de enfrentamento com o governo de Nicolás Maduro no próximo dia 23 de fevereiro, quando Guaidó anunciou que será a data limite para a introdução da assistência à Venezuela a partir da cidade fronteiriça de Cúcuta, na Colômbia, onde estão sendo armazenadas as remessas dos Estados Unidos.

A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), representantes dos departamentos de Estado e de Defensa, assim como ONGs estadunidenses afirmaram que estão se preparando para transferir o carregamento nesse dia, em coordenação com Guaidó.

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Ao mesmo tempo, o multimilionário britânico Richard Branson, dono do grupo empresarial Virgin, está organizando – a pedido de Guaidó – um show, com músicos internacionais e regionais em Cúcuta no dia 22 de fevereiro, que será transmitido ao vivo mundialmente e que busca arrecadar 100 milhões de dólares para a suposta assistência humanitária. 

No entanto, nos Estados Unidos quase não é mencionada a notável ausência de algumas das principais entidades internacionais nesse tipo de esforço como, por exemplo, as agências de apoio humanitário da Organização das Nações Unidas (ONU), a Cruz Vermelha Internacional e outras. 

A ação humanitária necessita ser independente de objetivos políticos, militares ou outros, afirmou à mídia na semana passada Stephane Dujarric, porta-voz da ONU, e expressou que a solução deveria ser uma negociação política entre as partes. “O importante é que a assistência humanitária seja despolitizada e que as necessidades das pessoas deveriam ser a prioridade em termos de quando e como é usada essa assistência”, concluiu Dujarric

Tudo indica que parte da estratégia de Washington é detonar algum tipo de enfrentamento com o governo Maduro em meio às ações do fim de semana

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Washington está contemplando incluir em sua intervenção política a participação militar para derrocar o governo de Maduro.

No entanto, Washington insiste que só está respondendo à solicitação do presidente encarregado. Robert Palladino, porta-voz do Departamento de Estado, declarou que “esta missão humanitária ressalta o compromisso firme e a disposição dos Estados Unidos de responder à crise política, econômica e humanitária na Venezuela, e advertiu que essa assistência deve ter permissão para ingressar à Venezuela e chegar aos necessitados. 

No entanto, o governo de Trump não oculta seu objetivo de usar a crise humanitária e o envio dessa assistência para seu propósito de mudança de regime, tal como foi denunciado pelo próprio governo venezuelano.

O enviado especial de Trump para Venezuela, Elliot Abrams – penalmente condenado por mentir ao Congresso com relação ao escândalo Irã-contras, defensor de regimes repressores e esquadrões da morte na América Central, e um dos promotores do intento de golpe falido contra Hugo Chávez em 2002–, declarou que “nossa esperança é que (os militares venezuelanos) possam convencer a Maduro, ou simplesmente desobedeçam ordens para evitar a fome do povo da Venezuela”.

Tudo isso nutre a especulação sobre se Washington está contemplando incluir em sua intervenção política a participação militar para derrocar o governo de Maduro. Ainda que funcionários do governo de Trump se recusem a confirmar se estão em curso preparativos para uma ação militar estadunidense, uma e outra vez se recusam a descartar essa possibilidade. O próprio Trump tem repetido, cada vez que é perguntado sobre o possível uso da força militar, que todas as opções estão sobre a mesa.

De fato, o almirante Craig Faller, comandante do Comando Sul das forças armadas estadunidenses, afirmou em entrevistas recentes reportadas pelo New York Times, que há uma gama de opções que estão na mesa e que “estamos preparados para proteger vidas estadunidenses e proteger a instalação diplomática na Venezuela”.

O periódico informou que oficiais estadunidenses indicam que o Comando Sul elaborou planos para uma série de missões potenciais na Venezuela, entre elas, além das mencionados pelo almirante Faller, também participar na entrega da assistência humanitária. 

O almirante acusou a presença de mais de mil assessores militares e de inteligência cubanos trabalhando com o governo russo que têm ajudado a manter a lealdade entre a cúpula militar venezuelana.

Assinalou que a razão pela qual os altos oficiais venezuelanos ainda não mudaram de lado é que Maduro comprou sua lealdade ao colocá-los na lista ilícita do narcotráfico, lavagem de dinheiro e todo tipo de negócio na indústria petroleira. 

Ainda que legisladores democratas, como Eliot Engel, o presidente do Comitê de Assuntos Exteriores da câmara baixa, têm insistido no fato de que o presidente não pode usar a opção militar sem a aprovação do Congresso, republicanos, inclusive o presidente do Comitê de Serviços Armados, James Inhofe, advertiram que os Estados Unidos terá que intervir militarmente caso, por exemplo, a Rússia coloque armas ou instale uma base militar na Venezuela, já que isso seria uma ameaça aos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, embora possa existir diferenças sobre os métodos – sobretudo o uso não autorizado de força militar – há um consenso nos dois partidos e na cúpula política e midiática dos Estados Unidos sobre uma mudança de regime na Venezuela. Os dirigentes do Partido Democrático – inclusive Nancy Pelosi, presidente da câmara baixa, além do deputado Engel – apoiaram a posição de Trump de denunciar e exigir o fim do regime de Maduro, e apenas alguns legisladores dissidentes se atreveram a questionar a narrativa oficial. 

Trump, Pence, Abrams e o secretário de Estado, Mike Pompeo, da mesma forma que o assessor de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, têm repetido que o único resultado aceitável é a saída de Maduro e seu governo. O encarregado para o hemisfério ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, o cubano estadunidense Mauricio Claver-Carone, afirmou há alguns dias: “a pergunta já não é se Maduro aceita (o fim de seu regime) ou não, é sobre quanto tempo vai demorar para aceitar”.

Enquanto isso, o representante de Guaidó em Washington, Carlos Vecchio, revelou que está trabalhando muito próximo com o pessoal de Trump, e seu chefe estará presente como convidado em um discurso do mandatário no sul da Flórida, região onde estão concentradas as forças anti chavistas e anticastristas no país.

Por primeira vez, em tempos recentes, uma operação estadunidense de mudança de regime está sendo realizada aberta e explicitamente. Alguns observadores assinalam que, desta vez, em lugar de estar por trás de um intento de golpe de Estado, Washington está à frente, anunciando-o com antecedência. 

*Publicado no La Jornada. Direitos Reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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