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Ditaduras e ditadores: Jair Bolsonaro e os círculos do inferno de Dante Alighieri

Em meio ao estupor generalizado, o Presidente brasileiro de hoje, Jair Bolsonaro, resolveu “reivindicar” o golpe militar fascista de março de 1964 em seu país
Gustavo Espinoza M.
Lima

Tradução:

Como quase todos sabem, na “Divina Comédia” Dante Alighieri nos transporta aos Círculos do Inferno. Situa neles todos o que atentaram contra as leis da natureza e fizeram danos à espécie humana. Situa-os em nove círculos, de acordo com suas condutas, e os localiza sob os espectros de horror que têm impactado a todas as gerações, entre o renascimento italiano e nosso tempo.

Na obra, no sétimo círculo, ele situa aqueles que são culpados por haver posto malícia em suas ações. Assim denomina os violentos, em cujo primeiro nível situa os homicidas, os criminosos, os tiranos, os violadores e os bandidos. Eles haveriam de viver – diz – submersos para sempre em um rio de sangue fervente – o Flegetonte -, que simboliza o que eles derramaram em sua estadia na terra. Os Centauros – que representam a violência bestial – serão seus eternos custódios, acrescenta o poeta.

Se aplicássemos de maneira concreta esta alegoria, e a ligássemos à vida de nosso continente, perfeitamente poderíamos encontrar neste segmento do inferno aqueles que exerceram violência genocida contra nossos povos. Ali se poderia divisar sem maior dificuldade os tiranos da América, desde Gerardo Machado até Anastasio Somoza, passando certamente por Estrada Cabrera, Pérez Jiménez, Rojas Pinilla, Fulgencio Batista, Rafael Stroessner, e os militares brasileiros que, liderados pelo general Humberto Castelo Branco em março de 64 consumaram um golpe brutal contra o Brasil e seu povo.

Mas também, sem dúvida, as ditaduras mais brutais que jamais tenham conhecidos nossos povos: François Duvalier, o haitiano, e seu filho; Augusto Pinochet, o militar fascista que derrubou o governo popular de Salvador Allende, e o assassinou no Palácio de La Moneda; Jorge Rafael Videla, o caudilho do “Processo” Argentino, responsável pelo desaparecimento e morte de 30.000 pessoas entre homens, mulheres e crianças; José María Bordaberry e Jerónimo Alvarez, os ditadores uruguaios que durante onze anos, a partir de junho de 74, mantiveram seu povo em grilhões; os militares salvadorenses que assassinaram Monsenhor Romero; e até Alberto Fujimori, o dos 70 mil desaparecidos nos anos da violência no Peru.

Em meio ao estupor generalizado, o Presidente brasileiro de hoje, Jair Bolsonaro, resolveu “reivindicar” o golpe militar fascista de março de 1964 em seu país

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Bolsonaro e os seus tentam condenar os povos do nosso continente a retornar aos círculos do inferno

Todos, sem dúvida, viveriam per secula seculorum nos abismos do inferno e dele não sairiam sequer para respirar. Suas ações, os desqualificaram definitivamente ante os olhos dos povos, não só da América Latina, mas de todos os continentes. Ali, então, navegando nas águas ferventes do Flegetonte, haveriam de se encontrar com seus pares, Adolfo Hitler e Benito Mussolini, além dos outros fascistas que, em diferentes países, consumaram práticas similares: Francisco Franco, Georgi Antonescu,  Miklos Horthy, Oliveira Salazar e a sinistra dupla búlgara, Alexander Tsankov e Iván Valkov, os genocidas do ano 23.

Também, certamente, os ditadores gregos como Giorgios Papadopoulos e Konstantin Karamanlis; os coronéis turcos liderados por Kenan Evren e até o mesmíssimo Mohammend Suharto, o Indonésio do milhão de comunistas assassinados.

E acontece que, em meio ao estupor generalizado, o Presidente brasileiro de hoje, Jair Bolsonaro, resolveu “reivindicar” o golpe militar fascista de março de 1964 em seu país, e dispôs que em todos os quartéis e unidades militares, se recorde essa “gesta gloriosa”, que custara a vida a milhares de homens e mulheres na pátria de Castro Alves.

Provavelmente, o Cantor dos Escravos terá se estremecido em sua tumba, do mesmo modo que o patriota Tiradentes, preclaras figuras da luta independente e republicana do povo brasileiro. Mas o fascista, hoje triunfante, se sente no “dever” de exaltar tudo aquilo que antecedeu à sua prática genocida. O general Olímpio Mourão Filho então, deve haver celebrado, feliz, a infâmia. 

Pareceria assomar em nosso continente uma campanha sinistra executada por suspeitos “troles” que apelam ao “retorno” dos regimes fascistas: “militares valentes e honrados como Augusto Pinochet e Jorge Rafael Videla, devem pôr fim a tantas ditaduras comunistas e terroristas”, dizem; ao mesmo tempo que, portando fotos de ambos asseguram sombrios: “Como fazem falta militares como eles””.

Pessoas como Nelson de Jesús Hurtado Vanegas Martínez –provavelmente um nome fictício – Jaisus Crisza – Outro pseudônimo? – e alguns mais promovem e alentam a violência contra Cuba, Nicarágua e Venezuela e contra tudo o que lhes pareça “vermelho”, “extremista” ou “radical”. Insistem na “necessidade imperiosa” de intervir militarmente na Pátria de Bolívar e derrubar pela força Nicolás Maduro. Demandam a “intervenção militar enérgica” dos Estados Unidos; e assinalam que só com a força das armas amas “será possível vencer o comunismo no continente”.

Com enfermiço entusiasmo, asseguram que Estados Unidos “está chamado a salvar a democracia no mundo”; e que “os vermelhos” buscam “acabar com a ordem e com a liberdade”. Poderiam parecer simples palhaçadas, mas não são. Trata-se mais bem de “mensagens” que buscam estimular a sonda mais obscura do atraso político e da ignorância, causando impacto nos núcleos mais primitivos da sociedade. O que se busca é criar neles uma “resistência” a qualquer mudança para manter perpetuamente o esquema de dominação brutal a que chegou o neoliberalismo como expressão máxima da opressão capitalista em nosso tempo. 

Pareceria então que, em nosso tempo, Bolsonaro e os seus tentam condenar os povos do nosso continente a retornar aos círculos do inferno para que nunca mais se imponha o senso comum e para que a história retroceda até os anos mais infames.

Dante Alighieri, por certo, -nem seu companheiro de rota, Virgílio- aceitaria jamais tamanha felonia.

*Colaborador de Diálogos do Sul desde Lima, Peru

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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