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A desconstrução completa do Estado brasileiro ou que falta nos faz um Brizola

Político pensava no país como projeto inserido num processo de libertação e cunhou termo “perdas internacionais”, sobre o qual este artigo se debruça
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A expressão “perdas internacionais” foi cunhada pelo político gaúcho Leonel Brizola para definir o processo espoliativo ao qual está sujeita a nação brasileira. É o que os economistas sérios denominam “transferência de valor”.

O que Brizola, que era engenheiro e via no trabalhismo de Getúlio Vargas e João Goulart um caminho para o socialismo, considerava é que não há salvação para ao Brasil no caminho da submissão aos interesses do imperialismo dos Estados Unidos. 

Fundado no pensamento de Vargas, Goulart, Celso Furtado, Santiago Dantas, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, Brizola pensava o país como um projeto inserido num processo de libertação. Estadista, sonhava com um projeto de país e tinha o pensamento estratégico para realizá-lo.

Vale a pena ler, de Victor Leonardo Araújo, artigo sobre o pensamento de Brizola a respeito das perdas internacionais e sobre desenvolvimento.

O Brasil seguia — até o golpe de 1964 — um caminho de desenvolvimento dos mais acelerados em todo o planeta, com o Estado orientando, financiando e integrando o projeto de desenvolvimento, através das estatais como carros-chefes para o desenvolvimento da indústria nacional. A agroindústria também funcionava como fonte de recursos para o desenvolvimento e muitos agricultores eram também industriais.

Havia exemplos no mundo de que era possível capitalizar, investir e produzir com os próprios recursos. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi um centro de irradiação desse pensamento.

Mentes colonizadas e intelectuais desonestos, oportunistas, visando interesse individual, impuseram a ideia de que, não havendo poupança interna, nos caberia buscar a poupança externa para o desenvolvimento. Buscar onde? Em países que souberam trilhar o desenvolvimento sem dependência e se transformaram em potência imperial. 

Essa é a tese da Teoria da Dependência, que ascendeu Fernando Henrique Cardoso à hierarquia de príncipe dos sociólogos e foi desenvolvida junto com Enzo Faletto, financiados ambos pelos Estados Unidos. FHC viajou pelo mundo para defender essa tese que foi demolida e ridicularizada pelos autênticos teóricos da dependência: Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra, da Universidade de Brasília. 

Reconhecidos mundialmente, esses teóricos viam na dependência histórica, herdada do colonialismo, aperfeiçoada pelo imperialismo, a causa primária do subdesenvolvimento, da pobreza extrema dos povos e Estados.

Político pensava no país como projeto inserido num processo de libertação e cunhou termo “perdas internacionais”, sobre o qual este artigo se debruça

PDT
Leonel Brizola

Vieram as transnacionais

Com as transnacionais veio a captura do Estado e o domínio dos centros de decisão. O investimento e os riscos dessas empresas foram mínimos. 

As primeiras que se instalaram foram financiadas pelo Estado, através do Banco do Brasil ou Bancos de Desenvolvimento locais (Banespa, Banerj, etc), e com a venda de ações por meio de campanha intensiva, tanto nos centros urbanos, como rural. Assim, se instalaram Volkswagen, Mercedes, General Motors, Ford, etc.

Para as linhas de montagem, trouxeram as máquinas que saíram de uso em suas matrizes. Veja que estão trazendo como investimento bens já pagos e que deram lucro. Nos anos 1970, para cada dólar investido no marco da Aliança para o Progresso — idealizada pelo presidente estadunidense John F. Kennedy em 1961 para enfrentar o comunismo —  produziu um retorno de dez dólares para os Estados Unidos.

Depois vieram as outras. Hoje há mais de vinte montadoras e o mecanismo se repete, salvo raras exceções. Toda indústria dinâmica, aquela que produz retorno mais rápido do capital, está em mãos estrangeiras.

Qualquer produto hoje produzido no Brasil por uma empresa estrangeira representa não uma, mas várias sangrias:

•   remuneração de acionistas;

•   pagamento de royalties (marcas e patentes);

•   transferência de tecnologia;

•   remessa de lucro;

•   pagamento de assistência técnica;

•   pagamento de auditoria;

•   pagamento de juros e do principal de empréstimo feito pela matriz;

•   exportação por valor menor e importação por valor maior (sub e super faturamento) e

•   despesas de câmbio.

Essas são as maneiras oficiais de remessa de dinheiro para as matrizes. Há que agregar que “não incide Imposto de Renda sobre lucro e dividendos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos por pessoa jurídica a seus sócios ou acionistas”. É o que diz a lei. 

Sobre os juros há uma taxa de 15%, mas eles têm outras formas para enganar o fisco. Também é fácil imaginar o quanto eles fazem para enganar os trouxas. 

Vieram as maquilas na zona franca

A ideia original na criação da Zona Franca de Manaus (ZFM) era criar um polo de desenvolvimento alternativo na ocupação da Amazônia, absorvendo mão de obra e produzindo divisas para o país. Quem produz na ZFM não paga imposto e pode exportar os produtos a preço competitivo no mercado internacional. A ideia não é nada original e é utilizada mundo afora para competir no comércio internacional.

Não havia vantagem nenhuma nisso. Os funcionários ganhavam salário vil, produziam em série sem sequer saber o que estavam produzindo. Tecnologia, linha de montagem, tudo vindo de fora, nenhuma transferência de tecnologia, nada.

No Brasil, onde nem as regras do capitalismo funcionam, produtos da ZFM são vendidos no mercado interno. Em abril (2018), o STF estendeu a isenção de impostos para as empresas sediadas no território nacional comprarem na Zona Franca.

O governo está bem próximo de paralisar 

“O problema é fiscal!”, vociferam os Chicago’s Boys, economistas liberais formados nos Estados Unidos. Em 2018, a renúncia fiscal representou 4,3% do PIB, algo como R$ 292,8 bilhões.

Para equilibrar as contas, Paulo Guedes cortou R$ 30 bilhões do Orçamento da União. Justamente no 1o de maio remanejou R$ 3,6 bilhões, afetando 13 órgãos da Administração. Com medo de uma nova greve dos caminhoneiros liberou R$ 2 bilhões para Infraestrutura e, para compensar, cortou R$ 7,4 bilhões da Educação.

Quem é que precisa de educação?

Para o Ministério da Educação, o corte foi de R$ 24 bilhões destinados à educação infantil e básica; o Pronatec perdeu R$ 100,45 milhões e as universidades federais, R$ 2,2 bilhões.

São várias as Universidades Federais que não têm fôlego para chegar ao fim deste ano. Algumas, como a Fluminense, UFF, aguentarão até julho, outras como a Capixaba UFES, até setembro.

Respondendo à pergunta acima, quem quer acabar com a educação pública, privatizar tudo é o próprio Paulo Guedes. Por isso, colocou um agente financeiro, Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, no comando do Ministério da Educação (MEC). Como se não bastasse, Maria Cristina Bolivar Drumond Guedes, irmã de Paulo Guedes, é a presidente da entidade que representa as escolas privadas no país e que estão empenhadas no ensino à distância.

Desconstrução do Estado

O economista Adriano Benayon, em seu Globalização vs Desenvolvimento, aponta as perdas internacionais como sendo consequências desse processo de capitalismo dependente. A remuneração do passivo externo e a dependência tecnológica, somados à estrutura produtiva subdesenvolvida e à destruição sistemática da boa escola.

Entenda:

João Goulart, em 1962, promulgou a Lei 4.131/62 de Remessa de Lucros, que Vargas tinha tentado infrutiferamente. O presidente foi deposto em 1964. A lei continua em vigor, porém, estraçalhada, e, quem é que cumpre a lei neste país?

A desconstrução do Estado ganhou força com a eleição de Fernando Collor de Mello, cuja campanha, feita pela rede Globo, dizia que o “caçador de marajás” acabaria com a corrupção e reduziria o tamanho do Estado. Essa foi a primeira grande farsa eleitoral, fundada na mentira, hoje chamada de fake news. Na sequência veio o primeiro golpe judicial-parlamentar-militar a derrubar um presidente.

Mas foi Collor que começou com essa história de que o Estado atrapalha e precisa ser reduzido ao mínimo. Depois, veio o Fernando Henrique e fez o resto. Os doze anos de fernandato foram anos de desgraça para o povo e desmontagem não só do Estado, más de todo o parque produtivo nacional. 

Quem tem um pouco mais de idade se lembrará da propaganda na televisão contra o tamanho do Estado utilizando um enorme elefante em pequenos espaços. Subliminarmente há a mensagem “um elefante incomoda muita gente…”

Para se ter uma ideia da sangria através da remessa de lucro, entre janeiro e julho de 2017, foram remetidos US$ 10,833 bilhões, 14% a mais do que no mesmo período de 2017. Somente em julho, foram US$ 4,5 bilhões. 

Em agosto, a conta de juros foi de US$ 511 milhões e a de lucros US$ 696 milhões e a dívida externa fechou em US$ 306,059 bilhões.

Também cresceu 46% o montante de remessas para pagamento de juros e amortizações dos empréstimos feitos pelas matrizes das empresas transnacionais: US$ 12,1 bilhões. O dólar então estava entre R$ 3,10 e R$ 3,30.

Em 2011, as remessas foram de US$ 25,1 bilhões. De janeiro a novembro de 2017, as remessas cresceram 34% em relação ao ano anterior, chegando a US$ 13,8 bilhões. 

Nesse período não houve investimento, só remessas, realizadas meio a meio pelos setores de serviços e indústria.

Como principais destinos desse dinheiro estão:

•  31% para os Estados Unidos;

•  20% para Holanda;

•  10% para Luxemburgo ;

•   8,3% para Espanha e

•   5,4% para França.

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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