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Muito além da Caravana hondurenha: o genocídio migrante com o qual a mídia não se importa

A verdade é que a ninguém lhe importa se vivem ou se morrem, se desaparecem, nem o que será deles se conseguem chegar a esta terra tão desejada
Ilka Oliva Corado
DS
Território dos EUA

Tradução:

É curioso como funciona a dupla moral do ser humano, dúzias de jornalistas se amontoam para fotografar aqueles que sem esperança alguma abandonam Honduras, para buscar teto e comida nos Estados Unidos, empreendendo as famosas caravanas de uma perene crise humanitária.

Povos que são objeto das mais turvas inspirações políticas de próprios e estranhos, pois são utilizados para que muitos digam por lá que vão invadir e muitos aqui digam que vão embora por preguiçosos. Ou ao contrário, que aqui alguns digam que são criminosos que buscam cruzar a fronteira e outros digam por lá que vão embora porque são delinquentes que fogem da lei.

Nunca falta o oportunismo daqueles que se fazem chamar de jornalistas, grudam nas caravanas anotando trajetos e imiscuindo-se nas emoções dos marginados de sempre, para depois expô-las em revistas e jornais e receber as vanglórias do mundinho medíocre que premia o ruim por ruim. A verdade é que a ninguém lhe importa se vivem ou se morrem, se desaparecem, nem o que será deles se conseguem chegar a esta terra tão desejada onde lhes disseram que podem ter o desenvolvimento que lhes nega seu país de origem.

A verdade é que a ninguém lhe importa se vivem ou se morrem, se desaparecem, nem o que será deles se conseguem chegar a esta terra tão desejada

Mediun
Migrantes hondurenhos

Em uma realidade paralela às caravanas de hondurenhos e salvadorenhos, estão as migrações forçadas daqueles que também migram nas mesmas condições e pelas mesmas razões, mas sem o foco do jornalismo e dos bons samaritanos que marginalizam o invisível, mas quando há luz mediática, o abrigam. É curioso a forma como funciona a dupla moral do ser humano. 

Por que importam tanto hoje as caravanas da efervescente crise humanitária hondurenha e não os mais de 70 mil migrantes desaparecidos em terra mexicana? Por que não importou em todos estes anos o genocídio migrante? Por que esses jornalistas humanistas que grudam na caravana hondurenha, não grudam da mesma maneira nas mães centro-americanas que buscam seus filhos em fossas clandestina, em cárceres, em hospitais? 

Onde estão os políticos que advogam pelos integrantes destas caravanas, também exigindo o mesmo respeito aos migrantes em trânsito que viajam como podem, sem luz mediática pelo meio, buscando chegar ao mesmo destino? Onde estão os humanistas que obtiveram prêmios graças a essas caravanas, denunciando o tráfico de pessoas que vivem na obscuridade da clandestinidade indocumentada e desaparecem para sempre?  A voz, o cérebro, a sensibilidade destes bons samaritanos onde está, quando se trata de crianças, adolescentes e mulheres vítimas de tráfico para exploração sexual?

Onde está a valentia daqueles que abraçam os integrantes dessas caravanas, para a foto de recordação, mas que fogem quando as vítimas são migrantes indígenas, explorados no trabalho forçado? Quando as feridas não são cuidadas por um paramédico de uma ambulância, quando as crianças não dormem sob um teto de um albergue oficial? Estes migrantes de sempre de Honduras, da Guatemala, de El Salvador, não importam a ninguém, porque são as peregrinações de décadas que continuarão quando o ruído das efervescentes crises humanitárias termine. Irão embora os flashes, os humanistas, os jornalistas oportunistas, os bons samaritanos e eles continuarão migrando porque a exploração sistemática é a base do neoliberalismo que impera no mundo, e não apenas no Triângulo Norte da América Central. E então, quantos migrantes desaparecidos aumentarão as estatísticas? Quantos mais serão vítimas de tráfico para a exploração laboral, sexual e tráfico de órgãos? Quem acompanhará as mães de centro-americanos em sua busca e em sua denúncia? Quantos terão coragem, embora não recebam prêmios nem glórias, para denunciar o genocídio migrante? É curioso, a dupla moral do ser humano é infinita.

*Colaboradora de Diálogos do Sul desde território estadunidense

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

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