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Reformas da Previdência e Tributária não trarão recuperação econômica e pleno emprego

De Bolsonaro e Guedes pode-se esperar tudo, menos um plano de desenvolvimento que promova a recuperação econômica e o pleno emprego
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A imprensa falou muito no começo deste mês sobre os tais 100 dias do governo Bolsonaro. Mas não é este aspecto da administração dos bolsomilitaristas que se deve apreciar para uma melhor compreensão da conjuntura.

Mostramos em artigos anteriores que o governo de Michel Temer já havia entregado quase todas as riquezas do país e que Bolsonaro, seu sucessor, só fez a encenação. Roubando a cena, Jair recebeu os aplausos por conceder a base aeroespacial de Alcântara com reservas de direitos para os Estados Unidos. O mesmo aconteceu com a história do apoio do presidente estadunidense Donald Trump para o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Como prova de que Bolsonaro é continuidade de Temer, basta ver que Paulo Guedes é a sucessão do que foi iniciado por Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda (2016-2018) do governo Temer, embora acrescente maior entreguismo ao que fora feito pelo antecessor ao pretender liberar até as reservas de urânio para o inimigo.

A melhora dos indicadores que a equipe econômica busca é monetária e fiscal, junto com uma maior abertura para melhorar os lucros financeiros. Tudo o que este governo faz é na direção da consolidação da ditadura do capital financeiro e do pensamento único, agregando agora o componente teológico — neopentecostal sionista.

Um exemplo.

Mais de vinte Estados da União estão praticamente quebrados, endividados até o pescoço. Para receber ajuda da União ou mesmo da banca (pública e privada) terão que se sujeitar à cartilha do neoliberalismo, ou seja, terão que abrir mão das empresas públicas. Isso significa privatizar setores estratégicos como fornecimento de água, rede de coleta de esgoto, energia elétrica e sua distribuição, gás de rua.

E se já não houver mais o que privatizar? Que se privatizem as escolas, os postos de saúde. Se duvidarem, até o ar que respiramos terá que ser administrado por uma transnacional.

De Bolsonaro e Guedes pode-se esperar tudo, menos um plano de desenvolvimento que promova a recuperação econômica e o pleno emprego

Ilustração: tt Catalão
E se já não houver mais o que privatizar? Que se privatizem as escolas, os postos de saúde.

Ainda a Previdência

Eles dizem que a Previdência está quebrada. Não é o caso do INSS e das aposentadorias e pensões por tempo de contribuição.

O governo deixa de cobrar bilhões de reais que grandes empresas, como a Rede Globo, estão devendo. E para mostrar que são bonzinhos — com os grandes empresários — anunciam que deixarão de descontar o INSS das empresas. Atualmente, o INSS recolhe 8% do trabalhador e 8% da empresa. O do trabalhador é descontado na folha e muitas vezes a empresa não repassa, prefere aplicar o dinheiro no mercado financeiro.

Na realidade, o que o governo Bolsonaro quer é privatizar a Previdência: dar para as financeiras a gestão da sua aposentadoria. No Chile e em outros 30 países, o resultado não foi favorável ao trabalhador. Sobre o Chile, Diálogos do Sul já publicou diversas matérias e análises que liquidam de vez com o argumento de que lá deu bons resultados.

Outro alvo

O Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, Marcos Cintra, fiel escudeiro de Paulo Guedes, está elaborando uma proposta de reforma tributária que segue ao pé da letra a cartilha neoliberal e não é nada criativa, já que apenas copia o que manda a OCDE. Veja como é simples entender:

O Consenso de Washington — como ficaram conhecidas as medidas neoliberais impostas pelo FMI aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento — impôs o pensamento único econômico. As práticas ditadas por Washington foram fundadas no neoliberalismo das escolas de Chicago ou da Von Mises, uma mais “moderada” outra “radical”, mas ambas que queriam o fim do Estado.

O decálogo do Consenso de Washington virou os Dez Mandamentos da OCDE, organização criada pelos ricos em contraponto à multilateral Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização das Nações Unidas (ONU), que se fundamenta em estudos de soluções do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento  (UNCTAD), organizações multilaterais que nas últimas décadas perderam muito de sua autonomia. Fóruns propositivos aos quais pouca gente dá ouvidos, exatamente por propiciarem desenvolvimento e serem contrários ao pensamento único.

Uma dessas propostas cogitadas por Cintra é a criação de um imposto único. Esta até que poderia ser uma coisa boa, uma solução para simplificar a vida de todo o mundo. Além do Imposto de Renda, a União tem cinco impostos: Pis, Cofins, IPI, IOF (parcela) e CSLL. E ainda há os impostos estaduais e municipais.

Economistas desenvolvimentistas aprovam uma reforma tributária com nada mais que três impostos: à renda, ao consumo ou ao valor agregado e poderia haver uma taxa sobre movimentação financeira para alimentar um fundo que financiasse o desenvolvimento. No consumo, impostos mais altos a bens supérfluos e taxa zero aos produtos essenciais, como os da cesta básica.

O problema está na intenção da dupla Marcos Cintra e Paulo Guedes e na ideologia que os orienta. Deles tudo se pode esperar, menos um plano de desenvolvimento que leve o país ao pleno emprego. Eles prosseguirão, como anunciam sobejamente, o processo de desnacionalização da produção, venda dos ativos da União e desindustrialização.

A tal reforma tributária terá o objetivo de maiores regalias às transnacionais, assim como a precarização do trabalho com a anulação definitiva da CLT e dos sindicatos.

Mais desmandos

Recentemente, também assistimos ao fim definitivo do FMI como instituição multinacional, que estatutariamente deveria ser governada por uma junta de representantes dos Estados associados ao fundo.

A ideia inicial era ter um fundo, com recursos aportados pelos países, para socorrer em emergências e oferecer créditos a juros privilegiados. Mas com o evoluir da hegemonia do capital financeiro, o FMI se transformou num instrumento não só do mesmo capital financeiro como, principalmente, da hegemonia dos Estados Unidos.

Agora o fundo ultrapassou o limite da razoabilidade. Resolveu, assim porque quis, bloquear as reservas da Venezuela. Cada país é dono da cota que lhe corresponde no fundo e pode fazer dela o que bem entender. Com contas bancárias bloqueadas pelos Estados Unidos e precisando de divisas para comprar bens de primeira necessidade, a Venezuela sacou recentemente um bilhão de dólares. Agora quis sacar mais US$ 400 milhões que estão sob a guarda do fundo e não conseguiu.

 

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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