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Dina Boluarte (Foto: Presidência do Peru / Facebook)

Peru: restrições e chantagens fecham o cerco contra Dina Boluarte; queda à vista?

Parece que, finalmente, a classe dominante no Peru se cansou de Dina Boluarte e pretende descartá-la
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Uma conhecida fábula atribuída a Esopo nos narra a história de uma raposa que, determinada a comer uvas, foi procurá-las, mas não conseguiu seu objetivo em virtude de sua pequena estatura e à localização elevada da parreira. Como uma forma de se consolar, acabou dizendo: “mas essas uvas não estão maduras…”

Algo parecido ocorreu há alguns dias com Dina Boluarte. Buscou desesperadamente ir a Nova York para exibir sua figura no Pódio da ONU e voltar para o Peru se orgulhando de “reconhecimentos recebidos” e “contatos conquistados”. A recente decisão parlamentar de lhe negar a licença constitucional a pôs em seu lugar, e ela terminou dizendo que isso “não tinha importância”.

Os protestos populares espalhados por todo o país, os vorazes incêndios declarados na Amazônia, a dramática destruição da biodiversidade e a votação no Congresso mostram hoje a precária ocupante do Palácio do Governo, e nos indicam que ela está à beira do abismo.

Se somarmos a isso os áudios recentemente divulgados que mostram a chantagem revelada contra ela por parte de seus precários aliados exigindo vagas em seu espúrio Gabinete Ministerial, teremos uma ideia mais clara do assunto. Tudo indica que os dias da mandatária no poder não serão numerosos.

Dina Boluarte: incompetente, impopular e medíocre

Talvez os últimos episódios políticos tenham servido para cimentar essa ideia. O comportamento servil de Dina Boluarte no marco dos funerais de Fujimori, a insensibilidade gritante demonstrada diante do drama das populações afetadas pelos incêndios florestais e sua indiferença ante a demanda dos cidadãos para atender as necessidades da população, só alimentaram a ideia de que estamos à frente de uma personagem elementar e medíocre, que carece de capacidade e não pode administrar um cargo. Finalmente, ela prefere se afundar na lama da corrupção porque não enxerga além de seus próprios e mesquinhos interesses.

O manejo do poder no marco dos funerais de Fujimori carece de sentido. Independentemente do que cada um pense a respeito do defunto, o mundo tem uma clara imagem do que foi esse homenzinho, que em sua época foi considerado um dos sete ditadores mais corruptos dos últimos séculos. Se revisarmos o fim de cada um, poderíamos afirmar que tiveram um final ignominioso, salvo Moahammad Haji Suharto, o ditador da Indonésia que morreu impune em 17 de maio de 2008, protegido por seu sucessor Susil Bambang Yudhoyeni, que decretou uma semana de luto em sua homenagem.

Autoritarismo, impunidade, corrupção: Boluarte conduz Peru à catástrofe

Todos os outros, caíram sem pena e sem glória e, finalmente, foram considerados por seus povos como um legado funesto de desígnios fatais. Foi assim com Ferdinand Marcos e sua esposa Imelda, nas Filipinas; com Fulgencio Batista, que morreu em Marbella em 1973; “Tachito” Somoza, abatido no Paraguai em 1980; Alfredo Stroessner, falecido no exílio no Brasil em agosto de 2006; Jorge Rafael Videla, que viu a luz pela última vez na Penitenciária de Marcos Paz em 17 de maio de 2013; ou Augusto Pinochet, sepultado em Santiago do Chile sem rituais de honra em dezembro de 2006. Todos viveram seu final acossados pelo tormento de seus crimes, sem pagar por seus latrocínios. Fujimori foi assim uma exceção.

Como será que fomos vistos do exterior ao assistir aos funerais de Estado conferidos a Alberto Fujimori, apesar de seu incomensurável histórico de crimes, roubos e outros latrocínios? Como nos verão sabendo que, paralelamente a tais homenagens, a Amazônia foi incendiada ante a desoladora indiferença do Estado? E que impressão terão ao saber que a “mandatária” não pode deixar o país porque seu próprio Congresso servil lhe negou a licença?

Morrer não inocenta Fujimori

Por ora, haverá aqueles que se assustarão ao conhecer os detalhes da nova lei florestal promovida pelo Executivo e sancionada pelo Congresso e, como resultado dela, se expandirá o mercado de terras agrícolas, concessões de mineração, petróleo e florestas, assim como a habilitação de terras urbanas e o desaparecimento de cultivos de frutas e alimentos. E, naturalmente, também verão com preocupação a queda no nível das águas dos rios da selva, o desaparecimento da flora e fauna silvestres, o abandono das pastagens e a morte de dezenas de pessoas, angustiadas pela crise e abandonadas pelas autoridades que olham para o céu e esperam a chuva.

Cansados de Dina

Parece que, finalmente, a classe dominante se cansou de Dina Boluarte e pretende descartá-la. Para isso, irá se valer do Congresso da República, mas os parlamentares — para agir — precisarão de seu próprio guarda-chuva, aquele que os proteja. Esperarão o momento. E será quando puderem “depor” contra a senhora sem que ela possa “fechar” o Legislativo. O tempo, então, se encurta.

Para nunca esquecer: 5 crimes do ditador e genocida Alberto Fujimori

Se Alberto Fujimori foi sepultado politicamente em 14 de setembro de 2000, quando os vídeos de corrupção foram revelados, fisicamente isso ocorreu 24 anos mais tarde, em 14 de setembro de 2024. Outra coincidência que não é casualidade.

Embora para a raposa as uvas estejam verdes, parece que para muitos elas já amadureceram.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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