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Foto: Peter Haden / Flickr (modificado)

18% do povo da Guatemala vive nos EUA: a proposta de Arévalo contra dependência de remessas

Caso as deportações aumentem e as remessas diminuam com Trump, a Guatemala pode enfrentar uma tragédia social e econômica
Julie López
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Com cerca de 3,2 milhões de guatemaltecos residentes nos Estados Unidos, o que equivale a 18% de sua população atual de 17,8 milhões, e que no ano passado contribuíram com 21 bilhões de dólares em remessas para a economia deste país, a promessa do próximo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de realizar deportações em massa, coloca esta nação centro-americana entre a espada e a parede.

Os Estados Unidos já estão criando as condições para este cenário. No ano passado, a Guatemala recebeu 64.640 deportados, segundo o Instituto Guatemalteco de Migração (IGM). Em 2023, foram 60.032 por via aérea a partir do México e dos Estados Unidos, e outros 19.665 por via terrestre, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), uma média de nove por hora.

Neste contexto, a procuradora-geral da Guatemala, Consuelo Porras, e Thomas Homan, responsável pela migração e fronteiras para a administração entrante de Trump, tiveram uma reunião virtual em 6 de janeiro, onde discutiram como colaborar e reduzir o uso do território guatemalteco como ponto de origem e trânsito para a migração irregular.

Desde que o Departamento de Estado cancelou o visto de Porras em 2021 e a incluiu na lista Engel (lista de indivíduos de Guatemala, El Salvador e Honduras que, segundo Washington, cometeram atos de corrupção ou participaram de ações para minar a democracia em seus países), a procuradora tem se dedicado a solicitar a captura de “coiotes” a pedido de Washington para extraditá-los e julgá-los nos Estados Unidos. Busca, assim, a revalidação de seu visto para poder entrar no território estadunidense.

Dependência “externa”

A Guatemala exporta significativamente menos do que importa, e os recursos provenientes do exterior em termos de mercadorias, investimentos diretos no país, turismo e empréstimos nunca seriam suficientes para cobrir a demanda por divisas, afirma o analista Ricardo Barrientos. Se não fosse pelos dólares das remessas que permitem pagar as importações, como o combustível, o desequilíbrio comercial teria colocado o país no vermelho, como mostrou um relatório do Banco da Guatemala (Banguat) de agosto de 2024.

“A estabilidade econômica não depende do turismo nem das exportações, mas dos guatemaltecos que expulsamos do país com um chute no traseiro”, alerta Barrientos ao La Jornada. “A descrição das exportações da Guatemala, além de bens e serviços, deveria incluir seres humanos”, acrescenta o diretor do Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais (Icefi).

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Nos Estados Unidos, há 3,2 milhões de guatemaltecos que geram 92% das remessas familiares. Menos de 1% vem do México e da Espanha, e pelo menos 7,2% de outros países, segundo a OIM.

A avalanche de dólares enviada sustenta o setor externo da economia guatemalteca, estima o Icefi. Mantém estável a taxa de câmbio (em média 7,5 quetzais por cada dólar dos EUA) e influencia os preços dos produtos importados. Ironicamente, a pobreza levou a maioria desses migrantes a deixar o país.

Motivações da migração

Embora o principal motivo para a migração seja econômico, os guatemaltecos também estão fugindo da discriminação e da violência criminal e de gênero, relata ao La Jornada Francisco Juárez, oficial do Programa em Guatemala do American Friends Service Committee (AFSC). A organização se dedica a combater a desigualdade e os efeitos da violência e a analisar as causas da migração.

Juárez menciona como, durante o conflito armado interno (1960-1996), um milhão de guatemaltecos se exilaram devido à perseguição política. Pelos mesmos motivos, nos governos de Jimmy Morales (2016-2020) e Alejandro Giammattei (2020-2024), pelo menos 50 juízes, promotores, advogados, defensores dos direitos humanos e jornalistas se exilaram nos Estados Unidos e outros países.

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Pelo menos 90% dos guatemaltecos emigraram para melhorar a renda e as condições de vida e enviar remessas. 3% o fizeram para reunificação familiar, e outras razões representam menos de 1%, segundo pesquisa da OIM de 2022.

Segundo o Ministério da Economia (Mineco) e um relatório do Icefi de 2024, o mercado de trabalho na Guatemala não consegue absorver os 12,5 milhões de pessoas em idade de trabalhar, com seis em cada dez empregados no setor informal.

A origem e o destino dos migrantes

70% das remessas que chegam à Guatemala vêm de Califórnia, Nova York, Flórida e Texas, segundo a OIM. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Índice de Atividade Migratória da Guatemala (IAMG) revelam que essas remessas são enviadas por migrantes que saíram dos departamentos de Huehuetenango, San Marcos (fronteira com o México), Quetzaltenango, Chiquimula e Jutiapa (estes dois últimos na fronteira com Honduras e El Salvador).

O Instituto Nacional de Estatística relata que, entre essas comunidades, Huehuetenango tem o terceiro maior índice de pobreza, com 81,2%. Entre os 50 municípios com maior IAMG em todo o país, 17 estão nesse departamento. Outros cinco são de Quiché – o segundo mais pobre (86,4%) e o terceiro que recebeu mais remessas em 2022 -, San Marcos – com 54% de pobreza – e o departamento da Guatemala, com 21%. Chiquimula também está entre os mais pobres (com 60%), especialmente na região indígena chortí.

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Quase um terço de toda a população beneficiada pelas remessas trabalha no setor agrícola, e um quarto em comércio, restaurantes e hotéis. Por isso, seis em cada dez dólares recebidos são destinados a gastos com consumo, e apenas três vão para investimento e poupança, informa a OIM.

Quatro em cada dez migrantes guatemaltecos no exterior são operários, artesãos e mecânicos. Outros dois trabalham em serviços e vendas, dois mais são trabalhadores não qualificados, e um é agricultor. Os profissionais, cientistas e acadêmicos representam apenas 0,6%, conforme dados da OIM e do Banguat.

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A Guatemala manteve-se como o segundo país latino-americano, depois do México, que mais recebe remessas. Em 2024, recebeu 21 bilhões de dólares, o equivalente a 19% de seu Produto Interno Bruto (PIB). No México, 59,52 bilhões de dólares em remessas representaram 3,4% do PIB durante os primeiros 11 meses do ano passado.

Objetivo costa acima

Em fevereiro de 2024, o presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo (2024-2028), reconheceu o papel das remessas. “Estão impulsionando a economia, não necessariamente como deveriam em termos de desenvolvimento, mas é uma das questões que precisamos começar a abordar”, afirmou.

A esse respeito, a porta-voz do Mineco, Carla Fión, afirmou que o ministério possui uma estratégia para gerar mais divisas, que inclui o aumento das exportações e do turismo, além de um plano 2024-2027 para “atrair investimento estrangeiro direto”. Esse plano contempla “atividades produtivas que gerem emprego sustentável para os guatemaltecos”.

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Arévalo também declarou, em 2024, que o país precisa “criar condições econômicas para combater as causas que obrigam os jovens a migrar para os Estados Unidos” e “investir na infraestrutura” para melhorar as regiões abandonadas. Contudo, ele alertou que, para isso, será necessário o apoio de “países parceiros”.

Enquanto isso, um relatório de competitividade global de 2018 aponta que o crime, a corrupção, a burocracia, a infraestrutura inadequada e a instabilidade política desestimulam o investimento externo. Informações publicadas pelo Icefi no ano passado destacam que essa situação mudou pouco.

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Além disso, há uma grande disparidade entre a quantidade de dólares enviados pelos migrantes e os gerados por outras fontes. Em 2023, houve 1,552 bilhões de dólares em investimento estrangeiro direto, 13,035 bilhões de dólares provenientes de exportações e 1,076 bilhão de dólares do turismo, contra 19,804 bilhões de dólares em remessas. Nesse ano, as remessas triplicaram os gastos sociais do governo e foram 30 vezes maiores que o investimento público, segundo dados do Banguat e do Ministério de Finanças analisados pelo Icefi.

Agora, o temor é que, com Trump, as deportações aumentem e as remessas diminuam. Ainda que a pobreza (56% no nível nacional) continue gerando migração, a previsão – segundo Barrientos – é de uma tragédia social e econômica.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Julie López

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