Estados Unidos. Estas são algumas das notícias recentes de um país que volta a ser grande, outra vez:
- Construíram um campo de concentração para enjaular imigrantes no meio de um pântano na Flórida, onde as condições, segundo legisladores que foram visitar, são espantosamente ruins de propósito. Também estão deportando imigrantes para terceiros países em ações que especialistas em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) qualificam como “desaparecimentos forçados”.
- Como parte de uma lei chamada de “grande e bela”, entre 11 e 16 milhões de pessoas pobres perderão seu seguro de saúde, e milhões de crianças com “insuficiência alimentar” deixarão de receber assistência social para comer – tudo isso em troca de reduções de impostos para os mais ricos.
- Segundo uma análise da doutora Brooke Nichols, da Universidade de Boston, os cortes nos programas internacionais de assistência à saúde da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internaciona (Usaid, na sigla em inglês) nos primeiros quatro meses deste governo já custaram mais de 300 mil vidas ao redor do mundo. Em uma investigação de especialistas internacionais publicada na revista The Lancet, calcula-se que mais de 14 milhões de pessoas poderão morrer devido aos cortes programados da entidade – incluindo 4,5 milhões de crianças.
- Os ex-chefes do FBI e da CIA agora estão sob investigação federal porque haviam conduzido apurações sobre possíveis vínculos das campanhas eleitorais de Donald Trump com a Rússia. Já procuradores federais e outros agentes do FBI foram afastados por participarem de investigações federais contra o mandatário por manipulação eleitoral e tentativa de golpe de Estado, entre outros atos.
- Após o triunfo do socialista democrático Zohran Mamdani na eleição primária do Partido Democrata para prefeito de Nova York, o presidente fez a seguinte declaração, caso esse “comunista” vença as eleições gerais em novembro: “Temos tremendo poder na Casa Branca para governar onde for necessário”. Ele também ameaçou intervir em Los Angeles, Chicago e até na capital, “se for necessário”.
- Ao continuar seu ataque contra as universidades, a Casa Branca intensificou a pressão sobre a mais antiga e rica do país, Harvard, afirmando que poderá tentar anular sua acreditação como instituição acadêmica caso não ceda à exigência de maior intervenção governamental em seus assuntos internos.
- A Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) não respondeu a quase dois terços das ligações feitas para suas linhas de ajuda durante as enchentes no Texas – a agência já havia demitido centenas de funcionários encarregados dessas tarefas, segundo informou o New York Times.
E mais: no aniversário do atentado contra o então candidato Trump, o presidente divulgou neste domingo uma mensagem afirmando: “Permanece minha firme convicção de que só Deus me salvou naquele dia para um propósito justo: restaurar a grandeza de nossa República e resgatar nossa Nação daqueles que buscam sua ruína”. Afirmou ainda que, um ano depois, o país vive uma “nova era dourada”.
Algumas palavras sábias do passado para entender o mosaico de notícias recentes:
As comemorações do 4 de julho
Os Estados Unidos, enquanto República, nasceram há 249 anos com a Declaração da Independência, emitida em 4 de julho de 1776. Na comemoração deste ano, como sempre, houve queima de fogos, discursos oficiais vazios, desfiles e a famosa competição de quem come mais hot-dogs (o campeão venceu com 70 e meio em 10 minutos), tudo decorado com as cores da pátria, músicas patrióticas e infinitas bandeiras. Mas foi notável, desta vez, como se ouviam conversas, debates públicos e mensagens nas redes sociais dizendo que não havia muito o que celebrar neste ano, num país onde o regime está ameaçando o que antes se considerava direitos inalienáveis e liberdades civis estadunidenses.
O 4 de julho sempre foi um dia complicado para uma nação de imigrantes. Em parte, isso se deve ao fato de que, como repetem alguns líderes indígenas, os primeiros imigrantes “ilegais” ou “indocumentados” no país foram os ingleses e também europeus que chegaram sem autorização. Neste ano, várias entidades cancelaram seus festejos oficiais por temor a batidas da migração contra suas comunidades. A Declaração de Independência não menciona a palavra “imigrantes”, e apenas afirma que “todos os homens são criados iguais, dotados de certos direitos inalienáveis, entre eles a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Para assegurar esses direitos, os governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”.
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No entanto, esse “todos os homens” estava limitado apenas aos imigrantes brancos. Muitos dos autores desse documento eram proprietários de escravos africanos — entre eles Thomas Jefferson — com os quais não compartilhavam tais direitos igualitários, e menos ainda com os povos indígenas. Talvez o discurso mais extraordinário sobre isso tenha sido o do abolicionista e intelectual público Frederick Douglass – um ex-escravizado afro-americano – que, em um evento comemorativo do 4 de julho em 1852, declarou:
Três semanas antes deste Dia da Independência (contra uma monarquia), realizou-se uma das maiores mobilizações sociais da história desta república, no que foi denominado “Dia sem reis”, protestando contra o que os participantes acusam ser uma série de abusos de poder por parte do ocupante da Casa Branca. Já faz um ano que a Suprema Corte, em uma decisão histórica, anulou o princípio básico de que ninguém está acima da lei ao conceder imunidade absoluta ao presidente, recorda a historiadora Heather Cox Richardson.
A leitura da Declaração não fez parte das cerimônias oficiais — talvez porque contenha, por outro lado, frases potencialmente perigosas para certos políticos no poder. O documento afirma que, quando um governo se torna “destrutivo” dos fins democráticos estabelecidos por essa declaração, “é direito do povo alterá-lo ou aboli-lo, instituindo um novo governo”; e, se for “despótico”, o povo não apenas tem o direito, mas “é seu dever livrar-se de tal governo”.
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