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Manuel A. Odría ao lado de outros militares (Imagem: Wikimedia Commons)

76 anos após Golpe de Odría, povo peruano não permitirá uma nova República Militar

Ação golpista em 1948 derrubou o primeiro presidente de orientação progressista do Peru, eleito sob as bandeiras da Frente Democrática Nacional
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Ana Corbisier

Há 76 anos, em 27 de outubro de 1948, ocorreu no Peru o que poderia ser considerado o último Golpe Militar Clássico, dentro dos parâmetros então elaborados pelo governo dos Estados Unidos e executado para deter o avanço dos povos de nosso continente e suas lutas.

Foi Manuel Apolinario Odría quem levou a cabo a ação sediciosa que derrubou o governo constitucional de José Luis Bustamante y Rivero, o primeiro presidente de orientação progressista, eleito no Peru sob as bandeiras da Frente Democrática Nacional.

A esse arquétipo de ações armadas corresponderam os “pronunciamentos” de figuras como Luis M. Sánchez Cerro, Oscar R. Benavides, Anastasio Somoza ou Fulgencio Batista; mas, sem dúvida, essas ações foram “aperfeiçoadas” à luz de caudilhos renovados para a época, como Marcos Pérez Jiménez, Gustavo Rojas Pinilla, Rafael Leónidas Trujillo, Manuel Odría ou Alfredo Stroessner, que lhes sobreviveu a todos.

O Golpe de 27 de outubro de 1948 foi tão clássico que nosso poeta Martín Adán o comentou dizendo: “o país voltou à normalidade”. E é que “a normalidade” consistia em ter no governo um fardado que, incentivando o “patriotismo” da cidadania, martirizava a população e apropriava-se dos cofres públicos.

Escola das Américas

Isso se repetia com estranha semelhança em vários países do continente. Era como um manual ditado pela Escola das Américas. A mão ianque operava sem disfarces.

Isso acontecia antes de 1959, quando a América Latina era um imenso silo no qual se mantinham em depósito as matérias-primas que os consórcios imperialistas levavam embora para transformá-las em produção industrial. Depois desse ano, a Revolução Cubana mudou as regras do jogo, e a região se converteu em um campo de batalha onde os povos lutavam corajosamente para recuperar seus recursos básicos. As intervenções militares, então, passaram a ter outras características.

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A mudança estava ligada a um fenômeno inédito: a aquisição de certa consciência política em altos comandos das instituições castrenses em diversos países. Surgiu, assim, no menor rincão da América – o Uruguai – um núcleo militar avançado liderado pelo general Liber Seregni, que fundaria a Frente Ampla.

Ele propôs uma mudança no papel da instituição armada, que adquiriu matizes de combate já na Venezuela dos anos 1960 em Carúpano e Puerto Cabello, quando unidades militares bolivarianas se levantaram contra o regime cada vez mais reacionário e corrupto de Rómulo Betancourt.

Núcleo constitucionalista e anticomunismo

No Chile, no final dos anos 1960, assomou um núcleo constitucionalista, cujos expoentes mais destacados foram os generais René Schneider e Carlos Prats. No Peru, Juan Velasco Alvarado e os coronéis que o acompanharam em outubro de 1968; na Bolívia, Juan José Torres, também assassinado em Buenos Aires anos mais tarde; no Panamá, Omar Torrijos.

Em Washington, espantados, os falcões falavam dos “generais vermelhos” e idealizaram uma nova “operação militar”, desta vez munida de um componente ideológico, uma espécie de vacina anticomunista produzida por meio de um processo sinistro: a fascistização das Forças Armadas. Daí surgiram monstros grotescos: Augusto Pinochet e Jorge Rafael Videla. Mas também se somaram civis com mentalidade castrense e o mesmo perfil: Alberto Fujimori, Jair Bolsonaro e Javier Milei.

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Se Velasco e os militares progressistas de nosso continente pensaram em transformar as Forças Armadas — que até o momento desempenhavam o papel de cães de guarda da oligarquia — em ferramenta libertadora de seus povos, na verdade colocaram uma meta muito alta, que hoje parece ainda mais difícil de alcançar. Mas tampouco se trata de um sonho irrealizável.

Em todos os tempos – e ainda mais no nosso – a luta de classes atravessa todas os limites das sociedades e se expressa de várias formas. E nas instituições castrenses, assim como há oficiais de linhagem oligárquica, também há aqueles do povo, que conhecem a realidade e ambicionam transformá-la.

Elites desconfiam dos militares

Pode ocorrer – e de fato acontece – que nas instituições armadas exista uma cúpula corrupta comprometida com ações dolosas. Mas “os comandos” se renovam com frequência, e nem sempre os que ascendem mantêm as mesmas posturas.

Essa é, no fundo, a razão pela qual a classe dominante vê sempre com desconfiança os militares. Busca usá-los em seu proveito, mas procura prescindir deles quando não precisa.

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No Peru, hoje, ocorre um fenômeno peculiar: “os de cima” já não podem seguir governando como faziam antes. Inclusive sabem que, se convocarem eleições, perderão, porque agora enfrentam um povo literalmente sublevado. A mobilização recente e a greve de 23 de outubro confirmaram isso.

É possível, então, que, nessa incerteza, optem por incentivar um Golpe Militar ao estilo de Odría, que, sob o pretexto de “tranquilizar o país” e “restaurar a ordem”, simplesmente anule qualquer consulta eleitoral e busque assegurar um sistema de dominação que permita aos poderosos afirmar seu controle do Estado.

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Em outras palavras: ressuscitar o velho esquema da República Militar. É preciso dizer-lhes que estão brincando com fogo.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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