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Sahel africano: entre a instabilidade política e os desafios de segurança

Há mais de dez anos região está mergulhada em uma crise multidimensional que parece estar mais perto de piorar do que de terminar
Mohamed Issouf Ag Mohamed
Diálogos do Sul Global
Aracaju

Tradução:

A região do Sahel, na África, está enfrentando uma série de crises: desertificação causada por catástrofes climáticas; rebeliões, principalmente em Mali e Níger, que estão recusando há 60 anos as fronteiras criadas quando a França chegou à região, em 1915; o aumento da militância terrorista após a invasão da Líbia pela Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) em 2011; e a expansão de redes de contrabando de pessoas, armas e drogas pelo deserto.

Há mais de dez anos, portanto, essa parte do continente africano está mergulhada em uma crise multidimensional que parece estar mais perto de piorar do que de terminar. Isso é particularmente evidente no aumento dos massacres e das mortes de civis, que praticamente explodiram nos últimos três anos.

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Dito isso, a situação de conflito também entrou em uma nova fase há quase quatro anos, com a chegada de militares golpistas no Mali em 2020 e 2021, e em 2022 em Burkina Faso. Com essas mudanças, estamos realmente testemunhando um aumento nos massacres e deslocamentos populacionais provocados por grupos armados não estatais e, às vezes, agentes do Estado.

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Deve-se observar, entretanto, que antes dessas transições militares, havia um vasto mecanismo de estabilização regional que reunia os Estados do Sahel e seus parceiros internacionais, apesar de suas imperfeições. Hoje, a região se encontra em uma situação em que as respostas à crise parecem ser deficientes e pode-se dizer que os Estados da região estão tentando recuperar a iniciativa de alguma forma, embora timidamente.


O golpe no Níger e a instabilidade regional

Além dos instáveis Mali e Burkina Faso, há o Níger, onde os militares também depuseram o presidente, em 26 de julho de 2023. Esse fato representou um enorme retrocesso para a democracia na região, mas também uma nova fase para o futuro da coalizão militar que realiza operações contra terroristas na região Sahelo-Saariana. 

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Sobre esse ponto, é interessante observar que os contextos em que ocorreram os golpes de Estado em Mali e Burkina Faso são muito diferentes dos do Níger. A particularidade do contexto do Níger é que, ao contrário de Mali e Burkina Faso, onde os militares vieram para acabar com as manifestações populares, no Níger não havia problemas sociopolíticos, nenhuma crise institucional e nenhuma manifestação contra o governo até a chegada surpresa dos militares, por exemplo.

O Níger é um país-chave quando se trata de questões relacionadas à crise no Sahel, tanto devido à sua localização geográfica quanto pela concentração de bases militares ocidentais em seu solo. Em questões geoestratégicas e de segurança, o Estado nigerino tem se mantido até agora como um obstáculo estratégico na luta contra os grupos terroristas.

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A crise sociopolítica neste país pode ser o fim da esperança para a luta contra o terrorismo no Sahel, dada a incerteza que paira sobre o futuro das parcerias internacionais. Isso ocorre porque os autores do golpe de Estado têm uma agenda antiocidental e pró-Rússia: a bandeira russa é a mais visível nas mãos dos manifestantes pró-putschistas do que a do Níger, como ocorreu em Mali e Burkina Faso.

O rompimento emergente entre o exército do Níger e seus parceiros internacionais pode virar a maré a favor dos grupos jihadistas Estado Islâmico no Sahel (ISIS) e Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM), que estão ativos na região, perpetrando ataques contra civis e forças de defesa e segurança nacionais. 

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A queda de governos eleitos de forma democrática em diversos países do Sahel, como Mali, Chade, Burkina Faso e Níger, tem causado grande instabilidade sociopolítica e aumentado o risco e a ameaça à segurança nas fronteiras, o que requer uma maior vigilância.

Outro aspecto interessante que merece a atenção dos pesquisadores sobre a África Ocidental é a retórica maciça nas mídias sociais e em muitos grupos de jovens do Sahel e da África Ocidental  de que um “militar é ideal e melhor do que qualquer civil” como presidente da república, para liderar a luta contra os insurgentes jihadistas, livrar o país de “políticos corruptos” e melhorar o funcionamento do país. Isto parece estar incentivando cada vez mais a tomada do poder pelas forças armadas, por meio da força.

Há mais de dez anos região está mergulhada em uma crise multidimensional que parece estar mais perto de piorar do que de terminar

Foto: Steve Lewis/Comando dos EUA na África
Um soldado do Reino Unido treina forças nigerianas na região do Sahel

Nesse sentido, outra observação fundamental é que, ao contrário dos tradicionais golpes de Estado que os países conheceram no passado, na década de 1990, por exemplo, os militares que tomaram o poder desde 2020 na África Sahelo-Saariana desenvolveram incríveis habilidades de comunicação em todas as frentes para atingir seus objetivos. E a exploração da ignorância das massas pode ser vista de longe. 

Lembrando que todos os militares que deram golpe foram guardiães do mesmo sistema durante mais de 20 anos, ou seja, o sistema não mudou ainda, somente mudaram algumas pessoas nos cargos do primeiro escalão dos governos e as mesmas famílias nesses países continuam sendo as mais servidas pela gestão militar.

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Outro elemento importante a destacar é que as autoridades militares no Sahel devem estar cientes de que a solução para a questão da segurança não será exclusivamente militar, pois a crise é multidimensional. Exemplos do passado demonstram isso, como a Argélia na década de 1990, onde os militares distribuíram armas à população para ajudá-los a erradicar o terrorismo, um erro que mergulhou o país em uma guerra civil que durou dez anos. 

A Argélia reencontrou a paz justamente quando os militares chamaram Abdelaziz Bouteflika, um civil que negociou com os terroristas que concordaram em se “arrepender”, colaborando com a inteligência nacional, integrando-se à sociedade e abandonando a guerra, no entanto, ajudando na luta contra os que rejeitaram a oferta. Os que recusaram a colaborar são os mesmos que agora estão atuando no Sahel, promovendo sequestro de ocidentais e personalidades importantes em troca de enormes montantes de dinheiro a fim de financiar sua sobrevivência.

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Tal experiência argelina, que levou a uma guerra civil, é exatamente o que está acontecendo  em Burkina Faso, onde o regime militar está recrutando “voluntários para a defesa da pátria” (conhecidos como VDPs): civis armados para combater os terroristas. E a crise securitária atual na região africana do Sahel tem suas origens na guerra civil argelina dos anos 1990, quando os grupos salafistas (fundamentalistas muçulmanos), principalmente o Grupo Salafista para Paz e Combate (GSPC), que surgiu do GIA, se retiraram para o sul. Desde então, o número de grupos armados se multiplicou. O atual conflito no Sahel está saindo do controle e infelizmente está causando um impacto prejudicial na população local.


Retirada da MINUSMA no Mali e avanço terrorista

Outro evento que pode provocar mudanças na região é a retirada da missão da Organização das Nações Unidas (ONU), a MINUSMA, deixando o terreno livre para os terroristas, de um lado, e para os mercenários do grupo Wagner, de outro, que também foram acusados de abusos por investigadores em direitos humanos da ONU. 

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De fato, foi o relatório sobre essas violações de direitos fundamentais e assassinatos, cometidos pelo grupo Wagner e pelas forças armadas de Mali, que levou o governo malinês a pedir a retirada dos capacetes azuis. Aproximadamente mais 500 pessoas do mesmo vilarejo (Mourah, no centro do país) foram assassinadas entre 27 e 31 de março de 2022, conforme o relatório. 

Alioune Tine, relator independente da ONU para direitos humanos, também defende que “violações foram cometidas pelas forças de segurança malinesas, acompanhadas por militares estrangeiros (Wagner)”. Apesar de suas deficiências, a missão da ONU fez uma contribuição significativa para reduzir as tensões entre comunidades, promover a educação e resolver problemas humanitários em áreas onde o Estado sempre esteve ausente.

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Como resultado, o Mali é menos afetado por essas circunstâncias do que seu vizinho do sudeste, Burkina Faso, onde grupos armados terroristas estão oprimindo a população civil na cidade do Djibo, no norte do país, sob um bloqueio que já dura quase dois anos. No entanto, a saída dos Capacetes Azuis do norte e centro do Mali pode levar os terroristas a avançar e cercar as principais cidades, como no caso de Timbuktu, onde eles já estão bloqueando os arredores da cidade há várias semanas, proibindo a entrada e a saída de pessoas e seus bens, conforme relatado por várias fontes locais. Por enquanto, os moradores de Timbuktu continuam vulneráveis à escassez de alimentos e medicamentos, porque as rodovias foram bloqueadas pelos terroristas da JNIM, uma subsidiária da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) no Mali. 

Além da cidade de Timbuktu, as cidades de Goundam, Ber e muitas outras estão sob bloqueio, sem esquecer o eixo Sevaré-Gao, na principal estrada nacional que liga o Sul ao Norte, que também está sob bloqueio a partir da pequena cidade de Boni, na região de Douentza, desde o final de agosto de 2023. 

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Além disso, 64 pessoas, incluindo 49 civis e 15 soldados, conforme a informação provisória do governo, foram mortas no começo de setembro em dois ataques extremistas a um barco de transporte fluvial que levava passageiros civis e militares no norte do país. Mas segundo fontes locais o número é muito mais alto, infelizmente. Todos esses eventos podem ser vistos como consequências da suspensão das patrulhas da MINUSMA, devido à sua retirada.

Além do bloqueio das principais cidades do norte do Mali, milhares de famílias se refugiaram do outro lado da fronteira, na Mauritânia e na Argélia, fugindo de possíveis combates entre a Coordenação dos Movimentos do Azawad e as forças armadas do Mali, apoiadas pelos mercenários russos da empresa Wagner. 

Isso pode ser visto como outra consequência do fim da missão da ONU, ou seja, o futuro do cessar-fogo assinado em 2015 e, acima de tudo, do acordo de Argel, que pode ser considerado caducado, de acordo com vários especialistas em paz e gerenciamento de conflitos. 

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Com todos esses elementos atuais mencionados, infelizmente podemos dizer que o Sahel continua sendo, no momento, uma das regiões do mundo mais afetadas pela crise humanitária, pelo fracasso da democracia e do Estado de Direito, pelas violações dos direitos humanos fundamentais e por muitos outros desafios.

Por fim, os Estados centralizadores do Sahel provavelmente estão atingindo seus limites. A insegurança provavelmente se deve ao fato de as pessoas não perceberem a presença do Estado há muito tempo. Em outras palavras, os habitantes dessas áreas, onde chacinas são recorrentes, foram abandonados à própria sorte. 

Os países africanos demandam reformas, principalmente na faixa saelo-saariana (Mali, Argélia, Mauritânia, Chade, Líbia, Níger e Burkina Faso), e as políticas públicas terão de ser reorganizadas. De qualquer forma, o Estado central deve dialogar com seus cidadãos e ouvir principalmente os jovens, que parecem estar ociosos, perdidos, sem perspectivas, diante da miséria e do desespero, razão pela qual estão se jogando nos braços de extremistas terroristas que os mobilizam contra seus próprios Estados.

Mohamed Issouf Ag Mohamed | Aluno de Relações Internacionais na Universidade Federal de Sergipe e membro-pesquisador do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da UFS (CEAI-UFS).


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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