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ToggleNo final de setembro passado, o integrante da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Dan Crenshaw, deu a conhecer que, durante sua reunião com o presidente do Equador, Guillermo Lasso, foi assinado um acordo para enviar elementos do Exército para a nação sul-americana.
A informação foi confirmada em 3 de outubro pelo ministro equatoriano de Relações Exteriores e Mobilidade Humana, Gustavo Manrique, que destacou que as Forças Armadas estadunidenses estarão em seu país para combater o tráfico ilícito de combustível, o tráfico de pessoas, a pesca ilegal e o narcotráfico.
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“Não virão instalar suas tropas, e sim para períodos de curta duração; fazem as operações e se retiram (…). As autoridades equatorianas embarcam nos navios estrangeiros para não perder soberania e para que sejam nossas autoridades que tomem as decisões transcendentais que seja preciso na operação”, afirmou o chanceler.
No entanto, esta nova estratégia conjunta de segurança tem outros propósitos, pelo menos para a Casa Branca, observa López Alvarado, acadêmico da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
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“Há interesse dos Estados Unidos em incursionar de novo na América Latina porque está vendo que, em algumas partes do sul do continente, estão lhes fechando as portas. Por isso, a chegada dos militares dos Estados Unidos ao Equador obedece a uma conjuntura político-eleitoral (…) e, o maior risco, é que [as eleições presidenciais equatorianas] sejam influenciadas pelos interesses de Washington”, explica o especialista.
Para que os planos estadunidenses funcionem, era necessário que a candidata do Movimento Revolução Cidadã (esquerda), Luisa González, obtivesse o segundo lugar na disputa, o que justamente aconteceu neste domingo (15). Luisa é próxima ao ex-mandatário equatoriano de esquerda, Rafael Correa.
“A chegada [dos soldados] ao Equador obedece a criar de novo um enclave que possa permitir sua projeção na região, mas para isso, teria que garantir o triunfo do candidato Daniel Noboa [aliança Ação Democrática Nacional, centro-direita], que se opõe à política correísta”, acrescenta López Alvarado.
Foto: U.S. Navy
Os EUA não mostraram resultados eficientes ao enviar tropas a nações latino-americanas; pelo contrário, alguns problemas recrudesceram
Não é a primeira vez
Esta é a segunda ocasião em que o Equador tem em seu território as forças estadunidenses. O primeiro acordo deste tipo foi assinado em 1999, no mandato de Jamil Mahuad (1998-2000). Naquela época, estabeleceu-se que os elementos ficariam na base da Força Aérea de Manta e que se dedicariam ao combate ao tráfico de drogas.
No entanto, isto foi muito criticado durante a década em que os soldados de Washington estiveram em terra equatoriana, já que se alegaram diversas violações dos direitos humanos e se disse que era uma zona que funcionava como “trampolim” para combater os grupos guerrilheiros na Colômbia, já que faz fronteira com esta nação.
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Durante sua campanha à Presidência, o então candidato Rafael Correa declarou que não renovaria o acordo, promessa que cumpriu dois anos depois de assumir o cargo. Para que isto não voltasse a ocorrer, durante seu mandato foi aprovada uma reforma da Constituição equatoriana onde se proíbe a presença de bases estrangeiras no país.
Segundo o diário equatoriano El Universo, depois da saída das tropas estadunidenses, a população percebeu uma diminuição em delitos como homicídios dolosos. Mas, depois das administrações de Correa (2007-2017), a segurança no Equador começou a diminuir e um dos pontos mais complicados cresceu com o mandato de Guillermo Lasso, que começou em 2021, percebendo-se um clima de instabilidade, especialmente durante as campanhas eleitorais deste ano, quando foi assassinado o candidato presidencial do Movimento Constrói, Fernando Villavicencio.
“Não se pode perder de vista que este período presidencial presenciou até um magnicídio e que presenciamos uma disputa eleitoral muito completa e cheia de variantes, especialmente na especulação sobre a possível intervenção do correísmo nas novas forças políticas”, afirmou em uma entrevista para Sputnik a professora em diplomacia na Universidade de Norwich, Arlene Ramírez Uresti.
O que ocorreu abre a porta para que Lasso tome esta medida como uma maneira de mostrar um clima de estabilidade dentro e fora da nação latino-americana, com o fim de, por um lado, posicionar o Equador como um país aberto à cooperação internacional e, por outro, buscar atalhos que possam ajudá-lo ou a integrantes do Governo atual ante possíveis acusações ou procedimentos legais contra eles, acrescenta a especialista.
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“A forma mais tradicional de [Washington] tutelar a região é por meio de intervenções desta grandeza [com tropas] (…). Caminhando-se para a reta final do mandato de Lasso, este fato pode assegurar que, eventualmente, os Estados Unidos sejam mais amáveis nos possíveis processos ou acusações por várias razões que o presidente do Equador poderia enfrentar”, comenta Arlene Ramírez Uresti.
Outras intervenções e maus resultados
Os especialistas em temas internacionais concordam em que os Estados Unidos não mostraram resultados eficientes ao enviar tropas a nações latino-americanas. Pelo contrário: alguns problemas recrudesceram em certos países, asseguram.
“O tema é muito complexo porque os Estados Unidos, em nome de [o que eles consideram] estabilizar e resgatar os processos democráticos, cometeram muitos desacertos (…). [Tanto na América Latina como em outras regiões do mundo], vimos que, em todos os casos, em vez de favorecer o desenvolvimento democrático e a eliminação de grupos criminosos ou ameaças internas, a única coisa que fazem é fortalecer as divisões no país (…). A médio prazo, revertem a forma de fazer política e de gerar consensos nos Estados em que intervêm”, garante Ramírez Uresti.
Como exemplos, a especialista relembra as intervenções de Washington no Oriente Médio e as que se deram na América Latina entre as décadas de 1960 e 1970.
Não obstante, ainda insistem em manter-se vigentes pelo menos na zona central e sul do continente americano e, agora, buscam fazê-lo por meio das eleições equatorianas.
“[Queriam] uma estratégia para colocar na Presidência do Equador um candidato que favoreça as políticas regionais de Washington para, posteriormente, começar a estender suas redes. Isto põe em risco a situação eleitoral do Peru, da Colômbia quando termine o mandato de Gustavo Petro, mas também pode afetar a Argentina e a Bolívia, ainda mais agora que Evo Morales deseja voltar a concorrer (…). É preciso entender que o interesse dos Estados Unidos não é o bem-estar equatoriano; prova disso, é que a estratégia militar estadunidense do rio Bravo para o sul tem sido errática, ineficiente, inoperante e lamentável”, afirma López Alvarado.
Para concluir, a especialista em assuntos globais considera que a situação do Equador não melhorará com a chegada das tropas estadunidenses, já que são necessários outros ajustes em nível interno.
“O problema no Equador e na América Latina vai muito além. Talvez a redefinição dos esquemas políticos, sociais e econômicos seja a resposta, isto para que estejam verdadeiramente à altura das necessidades da população latino-americana contemporânea”, finaliza.
Angélica Ferrer | Correspondente da Sputnik no México
Tradução: Ana Corbisier
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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