Surpreendente editorial do Estado de SP de 12/11/23 admite que “o Estado é cindido em dois: um para uma minoria de privilegiados, outro para uma maioria de marginalizados. As elites do poder público e iniciativa privada gozam de todas as garantias, liberdades e benesses que o dinheiro pode comprar e o poder pode conferir. No outro extremo, há uma massa de degredados para os quais a Constituição é letra-morta”.
Incrível, porta-voz das elites mais retrogradas e submisso aos interesses dos Estados Unidos, por fim admite aquilo que nos denominamos guerra civil permanente do Estado contra a Nação. É um sinal de alerta, consciente de que se não reverter, ou pelo menos iniciar o enfrentamento ao problema da exclusão social, poderá não haver país nenhum num futuro próximo.
Isso vale tanto para a exclusão social como para a exclusão ecológica, ou seja, a preservação dos biomas, sem o que a própria vida está ameaçada.
As Instituições estão funcionando? Pergunta o editorialista do jornal.
Depende, é a resposta, pois de fato há uma resposta diferente para cada seguimento da sociedade. Quem tem dinheiro compra tudo, compra até mesmo a consciência de amplos setores que compõem essa classe media analfabeta funcional, base social para o fascismo, que arrasta consigo o que conhecemos como povão.
A Justiça e o Sistema Prisional é onde se dá de maneira mais marcante essa diferença anotada pelo editorialista. Há uma Justiça diferente para os poderosos, magnânima, e outra para a “ralé”, onde os não brancos e mesmo os brancos pobres estão presos em cárceres imundos e sem julgamento. O branco poderoso tem habeas corpus, tem prisão domiciliar.
São 120 milhões, um país inteiro, marginalizados, sem os direitos básicos como emprego, serviços de saúde e educação, sem saneamento básico, à espera de uma moradia digna. Metade da população, 116 milhões, com insuficiência alimentar, e 30 milhões com fome. Os esforços do governo dirigidos a aplacar a fome demoram para surtir efeito.
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“A pobreza permeia nossas cidades como um rio que cresce cada vez mais, até transbordar”, diz o papa Francisco, arauto de um mundo novo em que se respeita a natureza e se combate a pobreza.
Só tem um caminho para erradicar a pobreza: Desenvolvimento.
Esse caminho passa por livrar-se da ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro. Ciente disso, o papa chamou as inteligências para em todo o mundo refletir e propor uma saída respeitando as características de cada país.
O sítio do Vaticano informa que a Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara – ABEFC, no dia 02 de outubro, data comemorativa do 2º Encontro Virtual Global da Economia de Francisco e Clara sobre o “Encontro de Assis”, divulgou os ’10 Princípios da Economia de Francisco e Clara’, que tem como objetivo ser subsídio condutor na caminhada de construção da Economia de Francisco e Clara.
Este processo foi construído com a participação de representações de todas as regiões do Brasil.
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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
População em situação de rua no Largo do Machado, no Rio de Janeiro
Os 10 princípios
Princípio 1 – Cremos na Ecologia Integral
Cremos em uma ecologia integral, que reconheça as relações humanas, sociais, ambientais, políticas e econômicas, que esteja respaldada nos valores franciscanos e clarianos, que garantam a vida em sua dignidade, e que não seja nociva aos demais seres. Que parta do fundamento de que tudo aquilo que existe e vive deve ser respeitado.Princípio 2 – Cremos no Desenvolvimento Integral
Cremos que só é possível pensar em desenvolvimento aliado ao cuidado da criação, com a participação dos empobrecidos nos processos de construção das políticas sociais e econômicas. Cremos, assim, no desenvolvimento humano integral como princípio fundamental das mudanças estruturais necessárias, o qual pressupõe a soberania dos povos e a luta nos territórios, e sugere uma economia solidária, fraterna, ecológica e democrática (Fratelli Tutti, 169).Princípio 3 – Cremos em alternativas anticapitalistas
Cremos no Bem Viver porque o capitalismo é um sistema econômico cujas leis próprias geram exclusão e desigualdade (Evangelii Gaudium, 53), pelo que se faz um sistema insuportável, e que precisa ser superado, juntamente do colonialismo e do patriarcado. Cremos que um suposto “capitalismo inclusivo” é contraditório com a opção pelo respeito à criação e por uma ecologia integral e não é a resposta para a crise que vivemos. Cremos, portanto, que o bem viver é a filosofia prática que nos faz caminhar na direção da nova economia construída sob o paradigma da igualdade, da sustentabilidade e da cidadania.Princípio 4 – Cremos nos Bens Comuns
Cremos nos Bens Comuns porque o neoliberalismo, versão contemporânea do capitalismo, acentuou as características de uma economia que mata, com a idolatria ao capital e ao mercado; cremos se tratar de um pensamento limitado, que recorre à mágica teoria do “gotejamento” como única via para resolver os problemas sociais, a qual, por sua vez, não funciona, pois o mercado não regula tudo (Fratelli tutti, 168); pelo contrário, torna a política refém de uma economia tecnocrática (Laudato si, 189), e prejudica o necessário papel do Estado na garantia dos direitos sociais inalienáveis, pois privatiza direitos e estatiza prejuízos.Princípio 5 – Cremos que ‘Tudo está interligado’
Cremos que a superação da crise se dá por caminhos onde tudo está interligado, inclusive as soluções diante da crise socioambiental que possuem implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas, políticas e que afetam principalmente os empobrecidos (Laudato si, 25), os povos originários e tradicionais.Princípio 6 – Cremos na potência das periferias vivas
Cremos que o caminho de reconstrução de novas economias passe pelas “sementes de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão” (Papa Francisco). Cremos que é nas periferias que germinam as experiências revolucionárias que brotam das lutas emancipatórias dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos povos originários, das articulações populares, e de tantos outros afins.Princípio 7 – Cremos na economia a serviço da vida
Cremos na urgente necessidade de realçar a economia, colocando no centro das relações sociais a vida em sua diversidade e dignidade, na construção de uma nova sociedade mais igualitária, onde mulheres, crianças e adolescentes, negras e negros, povos originários, comunidades LGBTQIA+ e todos os demais grupos oprimidos tenham seus corpos respeitados e direitos garantidos, pautando-se pelos valores da sororidade/fraternidade universal, diversidade do sagrado, justiça social, paz e sustentabilidade.Princípio 8 – Cremos nas Comunidades como Saída
Cremos que a territorialidade, entendida como o espaço de vivência concreta no cotidiano, tem um papel crucial na construção de novas práticas econômicas. Cremos que é desde o chão da existência real e da práxis que se forja o ser político-social, potencializando os saberes e fazeres por meio do protagonismo dos atores locais, sendo parte da ação necessária à mudança macro-territorial. Cremos que a decolonização começa por uma reparação histórica, e deve se constituir na luta pelos direitos territoriais sagrados dos povos originários e quilombolas. Cremos na práxis de libertação que valorize efetivamente a pluralidade cultural contra toda a desterritorialização dos periféricos, dos camponeses, migrantes e outros marginalizados.Princípio 9 – Cremos na Educação Integral
Cremos numa educação pública, gratuita, inclusiva, inovadora, libertadora, ambiental e artística, que atenda às necessidades da sociedade, e que possibilite a aprendizagem de pessoas reflexivas e críticas. Cremos na educação popular como síntese da cultura do encontro. Cremos que o ensino, a pesquisa e a extensão devem estar sempre direcionadas às novas economias, e que a educação básica deve estar integrada na mesma perspectiva.Princípio 10 – Cremos na solidariedade e no clamor dos povos
Cremos numa economia sustentável, democrática e fraterna, que rompa com as desigualdades sociais, proporcione a emancipação humana e garanta o direito à terra, ao teto e ao trabalho, construindo mecanismos de geração de renda que fortaleçam a cooperação, a associação e a autogestão. Cremos numa economia pautada na justiça social, que reconheça as diversidades, e que crie redes entre os movimentos sociais a partir dos princípios da economia solidária e agroecológica.
Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
• Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
• No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora
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