A promessa do ex-presidente Donald Trump de que abusará de seu poder e será “um ditador” apenas no primeiro dia de regresso à Casa Branca provocou gritos de protesto de seus adversários democratas, aumentou o alarme daqueles que advertem que ele representa a maior ameaça à democracia e pareceu nutrir o ânimo de suas filas eleitorais, mas, antes de tudo, gerou cada vez mais incerteza sobre se o principal candidato republicano está brincando ou não com suas ameaças de impor um regime autoritário nos Estados Unidos.
Na última terça-feira (5), Sean Hannity da Fox News perguntou a Trump se estava prometendo ao país essa noite que “nunca abusará do poder como retribuição contra outros”, e ele respondeu meio gozador, “com exceção do primeiro dia”. Quando Hannity lhe pediu para esclarecer, Trump respondeu: “Quero fechar a fronteira e quero perfurar, perfurar, perfurar [em referência ao petróleo]”.
Como Hitler e Mussolini, Trump vê opositores como “vermes” e promete retaliação se reeleito
Ao longo das últimas semanas, um elenco amplo de especialistas e comentaristas em Washington e ao redor do país esteve advertindo que se Trump conseguir se reeleger, o resultado será um regime autoritário e até fascista.
A ex-deputada e ex-integrante da liderança republicana na câmara baixa, Liz Cheney – cujo pai Dick Cheney foi vice-presidente de George W. Bush – advertiu que com Trump na cédula da eleição presidencial de 2024, os Estados Unidos seguirão como “sonâmbulos para a ditadura”. Agregou em entrevista à CBS News que “as ferramentas que estamos utilizando são ferramentas que vimos sendo usadas por autoritários, fascistas, tiranos ao redor do mundo”.
Alguns dos principais meios nacionais, entre eles o New York Times e o Washington Post, publicaram amplas reportagens sobre as maneiras em que Trump, se voltar ao poder, poderia usar a presidência para perseguir e encarcerar seus críticos tanto dentro como fora do poder, incluindo jornalistas. “As ameaças de Trump, frequentemente justificadas com mentiras, são profundamente alarmantes, afirmam historiadores e especialistas legais. Prometeu repetidamente minar partes básicas da democracia estadunidense”, advertiu David Leonhardt em seu boletim The Morning, com uma circulação de mais de 5 milhões de leitores, publicado pelo Times.
Continua após a imagem
La Voce di New York
Trump enfrenta um total de 91 acusações em quatro casos criminais diferentes
Em sua coluna no Post, o comentarista neoconservador Robert Kagan adverte: “Estados Unidos estão vivendo prestes a viver sua maior crise política e constitucional desde a Guerra Civil”.
Mas tudo indica que estas reações são bem-vindas por Trump já que lhe dão manchetes nos meios e nutrem sua imagem como um “insurgente” que está lutando contra as classes governantes para resgatar a velha grandeza de seu país. Suas mensagens públicas mais recentes a suas bases estão empapadas de retórica neofascista vingativa.
Até republicanos passam a ver risco de ditadura caso Trump seja eleito em 2024
“Demoliremos o Estado Profundo [frase com referência à cúpula governamental], expulsaremos de nosso governo os belicistas, tiraremos os globalistas, mandaremos embora os Comunistas, Marxistas e Fascistas, nos livraremos dessa classe política enferma que odeia nosso país, tiraremos dos meios às fake news, expulsaremos Joe Biden da Casa Branca… O 2024 é a batalha final”, escreveu recentemente em sua rede social Truth Social. Agrega que se seu movimento não ganhar, “já não teremos país”.
Sempre inclui a mensagem anti-imigrantes com a qual lançou sua primeira campanha presidencial, agora afirmando que os imigrantes indocumentados “estão envenenando o sangue do país”, frase manchada da clássica retórica supremacista e xenofóbica com ecos, dizem alguns historiadores, com o vocabulário de Hitler. Também ameaçou detê-los em campos de concentração.
Buscou desumanizar a qualquer um que perceba como adversário ou não leal, ao dizer que tirará os “bandidos da esquerda radical que vivem como vermes nos confins de nosso país… os quais mentem e roubam e fazem trapaça com as eleições” (Trump chama de “esquerda radical” a Biden e aos democratas).
Isto se mistura com a retórica que endossa a violência política contra opositores, e inclusive chegou ao extremo de acusar o ex-chefe de Estado Maior, o general Mark Milley – o qual serviu durante sua presidência e tem criticado Trump – de “traição”, e sugere que deveria ser executado.
Ante tudo isto, o presidente Joe Biden agora está apostando sua reeleição ao rechaço eleitoral de Trump, ou seja, regressando à sua estratégia na última eleição. “Trump já nem está ocultando a sua jogada. Está nos dizendo exatamente o que quer fazer”, declarou Biden em um ato de arrecadação de fundos para a eleição desta semana. Advertindo que Trump “está determinado a destruir a democracia”. Biden sublinhou que “se Trump não estivesse concorrendo [para a presidência], não estou seguro de que eu o estaria fazendo… Mas não podemos deixar que ganhe”.
Trump representa uma ameaça real à democracia? O debate eleitoral gira sobre isso. Vale recordar que o ex-presidente enfrenta um total de 91 acusações em quatro casos criminais diferentes, e em um par desses julgamentos está acusado precisamente de tentar descarrilar o processo democrático. Em um deles, enfrenta acusações por incitar nada menos do que é em efeito uma tentativa de golpe de Estado.
Jim Cason e David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Assista na TV Diálogos do Sul