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Mapuches a Boric: "Enquanto houver presos políticos e militarização, não haverá diálogo"

Boric "obedece aos interesses da oligarquia, ao poder dos grupos econômicos que confrontam diretamente a causa mapuche"
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

Como se especulava que aconteceria, as organizações insurgentes mapuche que operam na região da Araucanía receberam a visita do presidente Gabriel Boric, no último dia 10, com atentados incendiários e bloqueios, às quais o mandatário respondeu acusando-as de “covardes” e de cometer “atos terroristas“. 

A Resistência Mapuche Malleco (RMM) atribuiu-se o incêndio de uma capela católica e uma escola rural, enquanto encapuzados atearam fogo a um caminhão e a maquinaria florestal. 

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“Quero dizer às pessoas que estão atrás desses atentados que se acreditam que privando de educação às crianças da Araucanía rural, ou privando as pessoas de um templo onde possam praticar sua fé, ou privando-as do acesso à água (…), vão conseguir intimidar a mim ou a este governo, estão muito equivocados; são covardes e vamos persegui-los com todo o peso da lei”, disse Boric em Temuco, a 680 km ao sul de Santiago.

o presidente comentou que tais fatos lhe recordavam “quando os nazistas queimavam sinagogas ou quando em setembro de 1973 a ditadura militar queimava livros, a isso se parece essa gente”. 

Pela primeira vez, ao responder uma pergunta, aceitou que os grupos insurgentes cometeram atos de terrorismo. 

“Não quero entrar em uma polêmica semântica a respeito disso (…); creio que na região houve atos de caráter terrorista, por exemplo, o ataque ao Moinho Grollmus, isso foi terrorismo”, disse, aludindo ao tiroteio e sinistro ocorridos em agosto em Contulmo, onde um dos proprietários perdeu uma perna.

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A visita de dois dias ostenta um contundente dispositivo de segurança e certo segredo em torno às atividades presidenciais, sinais de que se quer evitar qualquer tropeço e/ou contra manifestações. O trajeto de 28 km desde o aeroporto local, ao qual aterrizou às 7h30 em um Boeing 737 da força aérea até a sede do governo regional em Temuco, foi custodiado por patrulhas militares em carros de assalto e por drones policiais. 

Foi possível ler uma faixa que dizia “Gabriel Boric não é bem-vindo no Wallmapu. As primeiras vítimas foram os mapuche (500 anos de luta), Resistência mapuche”.

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Prestação de contas

O mandatário disse que a visita foi para prestar contas do feito na zona desde que assumiu, em março de 2022, e anunciar obras em matéria social, de segurança, diálogo político e reparação. 

“O conflito entre o Estado e o povo mapuche foi abordado por diferentes governos, foram realizados esforços, mas não fomos capazes de resolver o atraso em matéria de pobreza e tampouco se pode encontrar um caminho para a paz. Ao anterior se soma uma situação de violência na qual grupos e organizações criminosas instrumentalizam legítimas causas para delinquir, causar medo, dano e inclusive morte”. 

“Estamos aqui para encontrar um caminho de diálogo e entendimento que permita uma solução à dívida do Estado do Chile com o povo mapuche. A única forma de deter a escalada de violência, na qual delinquentes instrumentalizam a legítima aspiração de justiça, reconhecimento e terra do povo mapuche para seus fins delitivos, é abordar a dívida histórica de maneira séria e com perspectiva”. 

Durante sua estadia, além das autoridades de governo, Boric se reuniu com prefeitos, dirigentes de comunidades mapuche e vítimas da violência rural. Ao mesmo tempo, anunciou medidas de reparação para aqueles que perderam seus bens pela confrontação reinante.


Sobre a visita

Horas antes do início da exigida, postergada e expectante visita de dois dias de Boric à Região da Araucanía – ou Wallmapu, território ancestral dos mapuche –, a Coordenadoria Arauco Malleco (CAM), organização político/militar de resistência indígena, apelou a “repudiar e combater esta estratégia”, afirmando que “enquanto houver presos políticos mapuche e militarização, não haverá diálogo”, de paz com o Estado.

A presença de Boric “obedece aos interesses da oligarquia, ao poder dos grupos econômicos que confrontam diretamente com a causa mapuche, uma vez que sob seu governo se agudizaram as estruturas de dominação que historicamente temos combatido”, disse a CAM em uma declaração. 

Governo do Chile enquadra organizações de povos mapuche como terroristas

Organizações empresariais, vítimas da violência e a oposição direitista demandaram durante meses que o mandatário vá à zona, algo que evitou fazer desde que assumiu em março passado.

Nessa zona ao sul do Chile, de aproximadamente 75 mil km² e cujo limite norte está a aproximadamente 600 quilômetros da capital, em torno de cinco organizações rebeldes – a CAM, com 20 anos de existência, é a mais antiga delas – realizam sabotagem e destruição principalmente de empresas florestais que exploram entre 4 e 5 milhões de hectares de pinho e eucalipto, além de atacar fazendas agrícolas, infraestrutura diversa, igrejas, escolas e tudo aquilo que considerem símbolo de dominação.


Abandono do Estado

Isso foi significando um evidente abandono da presença do Estado, dando passagem a máfias de narcotraficantes e de roubo de madeira. Sucessivos governos abordaram infrutuosamente o assunto com massiva presença policial recorrendo então ao posicionamento do exército em estradas principais e secundárias. 

Porém, longe de amainar, a violência continua. Antes da viagem de Boric, os rebeldes lançaram uma ofensiva que implicou na queima e destruição de dezenas de máquinas, caminhões e infraestrutura florestal, da mesma forma que cabanas de veraneio e bodegas agrícolas.  

“Para nós nada mudou, pelo contrário, agora o colonialismo e o capitalismo se apresentam com ares “progressistas”, reacomodando-se no Wallmapu para continuar com o saque, a criminalização, a repressão, o assassinato e o encarceramento de nossos weichafe (guerreiros), verdadeiros revolucionários que não se submetem a esta pseudo esquerda astuta e traidora do movimento mapuche autonomista”, disse a CAM. 

A organização acusou que Boric viria “extremadamente custodiado por forças especiais e militares, o que reflete sua postura a favor da militarização do Wallmapu. Assim também dá as costas a um verdadeiro diálogo com as expressões da resistência mapuche. O que pretende realmente é reunir-se com um séquito de reconvertidos e lacaios do poder, com yanaconas e oportunistas que já estão de joelhos diante da ignomínia de manter o sistema”. Ainda segundo a CAM, “com sabotagem e resistência daremos continuidade ao processo de libertação nacional mapuche”. 

Aldo Anfossi | Especial para o La Jornada, em Santiago do Chile.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.

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