Foi notícia no Panamá esta semana que o papa Francisco aceitou a renúncia do cardeal José Luis Lacunza de seu cargo como bispo da Diocese de David, ao aproximar-se de seus 80 anos. Em seu lugar, foi designado o padre Luis Enrique Saldaña, que era ministro provincial da província Franciscana Nossa Senhora de Guadalupe, na América Central e Panamá.
A nova nomeação teve lugar em uma complexa circunstância política e pastoral. Quanto ao político, porque em um mês e meio terão lugar eleições presidenciais, legislativas e municipais, carregadas, ao mesmo tempo, de certezas e incertezas. Estas, porque as listas que se enfrentam estão integradas no fundamental por políticos da velha guarda. Aquelas, porque o país está imerso em uma difícil situação econômica, frente às quais se destaca a possibilidade de renda e de empregos oferecidos pela mineração de cobre e ouro na região Centro-ocidental do Istmo, suspensas depois da declaração de inconstitucionalidade do contrato que a amparava.
Quanto ao pastoral, porque os franciscanos demonstraram um franco compromisso com o amplo movimento social de resistência a este contrato minerário. Essa solidariedade correspondeu à que tinham manifestado já em 2009, quando em seu compromisso com a “promoção do cuidado com a natureza”, e no contexto do apelo “a instaurar uma sociedade de justiça, de libertação e de paz em Cristo ressuscitado”, expuseram seu repúdio ao contrato assinado entre a empresa Petaquilla Minerals e o Estado, em 1997, que após sucessivas cessões de direitos, deu lugar à mina hoje em questão. A esse respeito, dizia aquele comunicado,
Não se pode falar em desenvolvimento sustentável excluindo a ética na economia e no progresso dos povos, por isso «O sinal mais profundo e grave das implicações morais, inerentes à questão ecológica, é a desrespeito pela vida, como se vê em muitos comportamentos contaminantes. Os interesses econômicos se antepõem ao bem de cada pessoa, e até ao de populações inteiras. Nestes casos, a contaminação e a destruição do ambiente são fruto de uma visão reducional e antinatural que configura às vezes um verdadeiro e próprio desprezo pelo homem» (João Paulo II, Pastores gregis, 70).
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Foto: Vatican Media
O cardeal José Luis Lacunza Maestrojuán, bispo de David, no Panamá
Em 2023, já no contexto criado pelas encíclicas Laudato Si’ (2015), Fratelli Tutti (2020) e Laudate Deum (2023), a Rede Eclesial Ecológica Mesoamericana – criada em 2019, e à qual Panamá aderiu em 2020 – pôde afirmar que
Desde diversos territórios sacrificados pelo impacto da mineração na América Latina e no Caribe, abraçamos nossos irmãos e irmãs do Panamá que resistem dia a dia às empresas mineradoras que se propuseram a destruir para sempre um dos territórios mais biodiversificados do planeta. Nossa admiração e solidariedade pela resistência pacífica do povo panamenho.
Esta manifestação solidária invocava, particularmente, a necessidade de colocar-se “do lado das vítimas da injustiça ambiental e climática, esforçando-se por dar fim à guerra sem sentido contra nossa Casa Comum, que é uma terrível guerra mundial,” expressa pelo papa Francisco em 30 de agosto de 2023. A esse respeito, expressava o agradecimento e admiração de seus integrantes às organizações juvenis, de mulheres, de estudantes, professores, trabalhadores, grupos culturais e comunidades religiosas que exigem de suas autoridades legislativas que não aprovem o contrato com a “Minera Panamá”, por afetar diretamente a qualidade de vida da natureza e de toda a sociedade humana.
Neste terreno, a hierarquia católica panamenha expressou-se com sua habitual prudência. Assim, o semanário Panorama Católico indicou que, se por um lado a “atividade minerária” fazia parte de “um projeto econômico ligado à globalização”, por outro fazia parte também de “um projeto político, social, cultural cujos impactos alcançam múltiplos níveis da vida das pessoas e das comunidades que põem em perigo sua comunidade.”
Desta perspectiva, embora o contrato em disputa estabelecesse “vantagens de entre 12% e 16% sobre o lucro bruto, assim como melhorias significativas em matéria trabalhista e ambiental para o Estado”, também implicava “na arrasadora extração de cobre e minerais repudiada por ecologistas, ambientalistas, e pelos mais afetados, camponeses e povos situados nos arredores da mina.” Nesse sentido, lembrava que “Também a Igreja se expressou a respeito manifestando sua preocupação com a exploração minerária em diversas regiões do país.”
O fato, em todo caso, é que a Corte Suprema de Justiça finalmente declarou inconstitucional o contrato entre o Estado e a mineradora canadense. O que deixa aberta a possibilidade de negociar um novo contrato estritamente constitucional. Esta vem sendo a posição adotada, de maneira aberta ou encoberta, por sete dos oito candidatos que disputarão a presidência da República no próximo 5 de maio. Todos eles veem em um novo contrato com a empresa mineradora a possibilidade de obter recursos relevantes para encarar problemas que vão desde financiar o serviço da enorme dívida externa do país até atender os problemas da seguridade social, passando pelo subsídio oculto à evasão fiscal que alguns denunciam.
O fundamental da oposição à atividade minerária se baseia na denúncia dos danos irreversíveis que ocasiona ao entorno natural, e os custos ambientais que resultam disso. No entanto, o ambientalismo dominante no Panamá é (ainda) de caráter ecologista de corte, ao mesmo tempo, cientificista e conservador. Com isso, ainda estamos no processo de compreender em toda a riqueza de suas implicações que “aquilo que entendemos como natureza é um espelho iniludível que a cultura mantém ante seu meio ambiente, e no qual ela mesma se reflete.”
A tarefa pendente de abrir a porta entre as ciências do natural e as do social contribui para explicar que nosso ambientalismo não tenha tido ainda capacidade para propor uma política social e econômica capaz de disputar a hegemonia neoliberal ainda imperante no Panamá. É provável que o obstáculo esteja, aqui, na necessidade de compreender – e exercer – que, sendo o ambiente o produto das formas históricas de interação entre os humanos e seu entorno natural mediante processos de trabalho socialmente organizados, se desejamos um ambiente distinto teremos que criar sociedades diferentes.
No que se refere a nossa cultura ambiental, isto se faz sentir no fato de que disciplinas como a ecologia política, a história ambiental e a economia ecológica, de tão amplo desenvolvimento em nossa América, não tenham (ainda) uma presença significativa no ambiental como objeto de política no Istmo. Esta carência foi compensada no momento com o judicialismo característico de nossa cultura política em alguns casos, enquanto o nosso conservacionismo tendeu a aproximar-se de movimentos ecológicos do Norte do Atlântico que politicamente são fronteiriços ao anarquismo.
Falta muito para chegar a entender que, assim como a educação ambiental é a educação, e a história ambiental a história, a política ambiental deve chegar a ser a política fundamental para encarar o maior problema de nosso tempo, sendo o da sustentabilidade do desenvolvimento de nossa própria espécie. Entre nós, isto é agravado pelo fato de que nossa cultura política, forjada a golpes de martelo sobre a bigorna da intervenção militar norte-americana de 1989, ainda carece do sentido de transição indispensável para compreender e encarar todo processo de transformação social. E mais, se se trata de uma transformação socioambiental.
Estamos, de fato, imersos em uma transição civilizatória na qual a sustentabilidade de nosso próprio desenvolvimento como espécie demanda já buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, e sim uma única e complexa crise socioambiental. As trilhas para a solução requerem uma aproximação integral para combater a pobreza, para devolver a dignidade aos excluídos e simultaneamente cuidar da natureza.
Guilherme Castro | Colaborador da Diálogos do Sul direto de Alto Boquete, Panamá.
Tradução: Ana Corbisier.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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