Líderes democratas e republicanos conseguiram superar suas supostas diferenças para chegar a um consenso bipartidário: fechar a fronteira com o México – apesar de, segundo especialistas, isso ser impossível e poder incrementar dramaticamente o número de imigrantes expulsos ao México.
Esse consenso está no centro do projeto de lei dos dois partidos sobre fundos de “emergência” para segurança fronteiriça e financiamento para guerras de 118 milhões de dólares elaborados por senadores. A Casa Branca fez o anúncio no último domingo (4), mas as possibilidades de que a medida seja aprovada já estava desvanecendo na segunda (5), no Senado e ainda mais na Câmara Baixa.
Ainda assim, o projeto de lei marca uma divisão para os democratas sob liderança do presidente Joe Biden, que decidiram fazer uma magna concessão sob pressão em ano eleitoral, abandonando anos de uma postura a favor da “imigração segura, ordenada e humanitária” e de vias de legalização para os que residem e trabalham no país sem documento.
As medidas mais severas e restritivas, semelhantes às promovidas tradicionalmente pelos republicanos, significam o preço que Biden está disposto a pagar para conseguir a aprovação de dezenas de bilhões para novas armas e equipamento militar para Ucrânia e Israel.
Além disso, representam uma concessão às posturas anti-imigrantes defendidas pelos republicanos, os quais conseguiram transformar o manejo da fronteira em um dos principais quesitos da eleição presidencial deste ano.
O projeto de lei inclui medidas que proibirão o ingresso nos Estados Unidos de todo indivíduo – com a exceção de menores de idade não acompanhadas e aqueles que possam provar ser vítimas de tortura – se o número de pessoas cruzando a fronteira sem documentos exceder cinco mil por dia por um período de sete dias, ou 8.500 registros em um só dia (números alcançadas repetidamente durante dezembro). “Se esse projeto fosse lei hoje, eu fecharia a fronteira agora mesmo”, declarou Biden na semana passada.
No entanto, essas medidas e declarações foram demasiadas para democratas moderados como a deputada Verônica Escobar, que representa El Paso e é nada menos que a vice-presidenta da campanha de reeleição de Biden. “Essa é a linguagem ou terminologia que eu absolutamente não usaria. Nem hoje, nem nunca”.
Em entrevista ao Político, Escobar disse que muito provavelmente votará contra essa legislação se foram inclusas essas medidas. Mas foram exatamente essas as medidas, que permitem fechar a fronteira, enfatizadas por Biden na noite de domingo ao apresentar o texto do projeto.
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Reprodução/A Casa Branca Oficial Foto de Adam Schultz
Joe Biden com agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA ao longo de um trecho da fronteira entre os EUA e o México, em 8 de janeiro de 2023
Entre outras medidas presentes na proposta legislativa, incluem-se uma para limitar radicalmente a capacidade de migrantes de solicitar asilo, fundos para contratar mais elementos da Patrulha Fronteiriça, milhares de milhões a mais para ampliar a deportação e detenção de pessoas indocumentadas neste país, mais fundos para oficiais e tribunais de asilo e fundos adicionais para a DEA em sua missão de “irromper e desmantelar cartéis mexicanos”.
Promotores do projeto de lei, negociado durante meses, como o senador democrata Chris Murphy, ressaltaram que a proposta continuará permitindo que até 1.400 pessoas por dia possam solicitar audiência para asilo por meio de um aplicativo de Internet, ampliará o número de credenciais de residência (green cards) para membros de familiares de cidadãos estadunidenses, pode legalizar alguns menores de idade indocumentados (principalmente migrantes legais da Índia) e permitirá que alguns que estão esperando decisões sobre suas solicitações de asilo possam trabalhar.
Fato é que, pela primeira vez em décadas, um presidente democrata está endossando uma reforma de imigração que não inclui medidas substanciais para legalizar os Dreamers, nem a grande maioria dos outros 11 milhões de indocumentados nos Estados Unidos.
“Ausente no projeto de lei está a proteção e um plano de legalização muito necessário para os Dreamers e outros que carecem de uma condição legal permanente e que estiveram contribuindo para nosso país durante anos”, declarou a Associação Americana de Advogados de Imigração (AILA) em uma análise do projeto de lei.
A AILA agrega que “a nova autoridade de expulsão do projeto de lei, o qual permite a deportação rápida de solicitantes de asilo ingressando entre portos de entrada, resultará em grandes acampamentos de migrantes esperando do lado mexicano da fronteira, propiciando crime e violência nessa região e fazendo a fronteira mais caótica e violenta, no lugar de mais segura e ordenada”.
Além disso, a AILA assinala que fechar a fronteira, ainda que seja por alguns dias, é impossível. “Nenhum presidente na história exitosamente ‘fechou a fronteira’ e é pouco provável que alguém possa consegui-lo”, afirmou Aaron Reichlin-Melnick, diretor de políticas da AILA.
Ele não está sozinho nessa avaliação. “Não se pode empurrar de regresso 8 mil migrantes por dia sem a aprovação dos mexicanos”, assinalou um ex-funcionário estadunidense à NBC News na semana passada, antes que fosse finalizado o projeto de lei. “O que gerarão são ondas frenéticas nas partes debilitadas da fronteira”. Agentes da Patrulha Fronteiriça também comentaram aos meios que a proposta para “fechar” a fronteira “levaria a mais alvoroço e não é uma solução”.
Porém, surpreende ainda mais que estas concessões históricas de Biden e dos democratas poderiam acabar servindo de nada, já que este projeto de lei parece ter poucas possibilidades de ser aprovado pelo Congresso. O Senado programou um primeiro voto de procedimento na quarta-feira (7) para fazer uma primeira prova de se tem suficiente apoio na câmara alta.
Enquanto isso, o presidente republicano da câmara baixa Mike Johnson declarou na segunda-feira (4): “Vi o suficiente do projeto de lei e é ainda pior do que esperávamos, e não conseguirá nem se aproximar de acabar com a catástrofe fronteiriça que o presidente criou”.
Um dos encarregados de manejar votos na câmara avisou que os republicanos provavelmente nem sequer permitirão que se realize um voto sobre a proposta.
Tudo indica que, por ora, a liderança republicana, a influência direta do provável candidato presidencial de seu partido, Donald Trump, concluiu que é politicamente melhor deixar que a “crise” na fronteira persista durante o ciclo eleitoral deste ano.
Por ora, parece que os republicanos e o ex-presidente estão triunfando nesta jogada política ao terem obrigado o presidente e os democratas a endossar medidas que rechaçaram durante décadas e que, ao final, nem serão aprovadas e, ainda se forem aplicadas, têm ainda menos probabilidade de funcionar.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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