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ToggleNesta segunda-feira (15), depois de mais de dez horas de atraso da cerimônia, Arévalo entrou no Teatro Nacional Miguel Ángel Asturias, onde se realizou a cerimônia de posse, ao som do concerto para violino e orquestra “A Primavera”, do compositor italiano Antonio Vivaldi. Durante sua campanha prometeu a chegada de uma “nova primavera”, como a que protagonizou o Governo de seu pai, Juan José Arévalo, entre 1946 e 1951.
A posse da dupla Arévalo-Herrera não é vista com a sossegada esperança de um governo melhor, e sim com a convicção generalizada de que começou uma nova era na Guatemala, sentimento que corre o risco da desilusão precoce ante a ferocidade dos derrotados do chamado Pacto de Corruptos, que buscarão obstaculizar e depor a dupla Arévalo-Herrera por vias judiciais e legislativas.
“É graças aos jovens da Guatemala, que não perderam a esperança, que hoje posso falar-lhes neste pódio”, proclamou o acadêmico e líder político, que agradeceu aos povos indígenas por defender a democracia da Guatemala.
“O povo da Guatemala demonstrou sua sabedoria, e instituições como a Corte de Constitucionalidade e o Tribunal Superior Eleitoral protegeram o desejo soberano dos guatemaltecos de viver em democracia”, disse em seu primeiro discurso o presidente.
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O novo presidente disse que demonstraram que hoje a democracia da Guatemala tem a força necessária para resistir, dizendo que, com vontade, pode-se transformar o panorama político do país. “Representa um passo firme para um futuro onde a participação cidadã e a mudança positiva prevaleçam”, afirmou Arévalo, quem instou a trabalhar em unidade.
“Este momento não só representa uma conquista pessoal, como um passo firme para um futuro onde a participação cidadã e a mudança positiva prevaleçam. Esta honra é fruto da confiança esperançosa e sincera que milhões de guatemaltecos depositaram em nosso projeto coletivo. Reflete a fé que as amplas maiorias de nosso país têm em nossa capacidade de superar desafios e avançar para um futuro mais promissor”, afirmou o novo mandatário.
Arévalo recebeu a faixa presidencial das mãos do presidente do Congresso, Samuel Pérez Álvarez, também eleito para o cargo neste domingo, devido a que o mandatário que sai, Alejandro Giammattei, ausentou-se da cerimônia argumentando que devia entregar seu posto o mais tardar antes da meia-noite do domingo e por isso enviou ao Congresso os símbolos institucionais por meio de sua secretária.
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Arévalo é apoiado por centenas de milhares de cidadãos, dispostos a encarar a violência e as intimidações
Solidariedade e defesa da democracia
O presidente agradeceu as nações irmãs “pela solidariedade” e “aqueles que nos acompanharam em defesa das instituições democráticas e da preservação do estado de Direito”. “O apoio internacional foi muito útil para sustentar a democracia. Durante os últimos meses enfrentamos complexas tensões que levaram a crer que estávamos destinados a um retrocesso autoritário”, disse.
“Nunca mais o autoritarismo, nunca mais a violência ou a arbitrariedade para manter agendas particulares. Nunca mais se dobrarão as instituições à corrupção e à impunidade”, assegurou. “Enfrentamos novos modelos autoritários, de cooptação de instituições, que buscam trair os princípios de cada uma. Esta é a luta que estamos enfrentando na Guatemala e em outros lugares da América Central e do mundo. Enfrentam-se novas e velhas batalhas de autoritarismo”, expôs.
“Orgulha-me afirmar que o povo da Guatemala está oferecendo à comunidade mundial um exemplo de convicção e resiliência democrática”, afirmou. “Abracemos nossas diferenças e reconheçamos que estas contribuem com nossa sociedade. É hora de unidade, diálogo e paz. É uma oportunidade de acabar com décadas de abandono histórico. Retomar acordos de paz, que uma classe política egoísta destruiu”, enfatizou.
“Nossa proposta de governo em uma fórmula simples: não pode haver democracia sem justiça social, e esta não pode prevalecer sem a democracia. Apesar de sua simplicidade, esta fórmula esteve notoriamente ausente na administração governamental em grande parte de nossa história”, afirmou.
E assegurou que “o Estado assumirá seu papel histórico de gerar desenvolvimento em aspectos essenciais como a eletricidade, o saneamento ambiental, a educação; e a geração destas coisas criará milhares de novos empregos em todo o território nacional”.
Para transformar Guatemala, Semilla deve abraçar luta indígena e camponesa
Arévalo e Pérez Álvarez são dois dos fundadores do Movimento Semilla (Semente), o partido nascido das manifestações contra a corrupção registradas no país centroamericano durante 2015 e que culminaram com a queda do governo de Otto Pérez Molina, atualmente na prisão.
Um longo caminho
Desde que obteve o segundo lugar no primeiro turno das eleições presidenciais, Arévalo e o Movimento Semilla foram perseguidos pelo Ministério Público e pelos magistrados do Tribunal Superior Eleitoral, com o objetivo de reverter sua vitória nas urnas.
A posse estava programada para a tarde de domingo, mas atrasou mais de 10 horas, e vários chefes de Estado, entre eles o rei da Espanha, Felipe VI, e o presidente do Chile, Gabriel Boric, deixaram o país sem poder presenciar a cerimônia.
As manobras dilatatórias do chamado pacto de corruptos no Congresso que sai provocou um atraso que desencadeou protestos nas ruas e uma declaração conjunta de chefes de Estado e altas autoridades de outros países vindos para o ato de inauguração, depois de meses de uma ofensiva judicial atribuída a sua promessa de combater os corruptos da elite político-econômica desta nação centro-americana.
Com a mão esquerda sobre a Constituição e a direita levantada, Arévalo jurou como presidente da Guatemala às 0:20 horas de hoje para o período 2024-2028, o que foi seguido por uma nutrida ovação, e na sequência Karin Larisa Herrera fez o mesmo, como vicepresidenta.
Chegaram à Guatemala mais de 60 delegações internacionais, entre elas, a da Colômbia, com o presidente Gustavo Petro; do Chile, com Gabriel Boric; da Costa Rica, com Rodrigo Chaves, e do México, encabeçada pela chanceler Alicia Bárcena, assim como representantes dos Estados Unidos, da Organização das Nações Unidas e da União Europeia.
Samuel Pérez é o novo presidente do Legislativo
Após ásperos debates, a chapa encabeçada por Samuel Pérez, do Semilla, ganhou por 92 votos a presidência do Legislativo, a que se seguiu uma cascata de impugnações dos congressistas do chamado Pacto de corruptos. O resultado foi celebrado com o grito de “Sim, é possível” no Teatro Nacional, onde já estava Arévalo pronto para a cerimônia de juramentação; milhares nas ruas festejaram igualmente.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, leu para a imprensa uma declaração conjunta de chefes de Estado, chanceleres e altos funcionários de outros governos que foram para a posse: “Fazemos um apelo ao Congresso da República para que cumpra seu mandato constitucional de entregar o poder como exige a Constituição no dia de hoje ao presidente eleito, Bernardo Arévalo, e à vicepresidenta eleita, Karin Herrera, disse Almagro.
O atraso do Congresso estimulou os protestos no exterior do recinto, para onde se dirigiram grupos de camponeses que foram à capital para acompanhar a posse e defender a democracia.
Os manifestantes, que denunciaram uma tentativa de golpe de Estado, abriram passagem a empurrões entre a barreira policial para aproximar-se do Congresso, e enfrentaram dezenas de policiais que mantinham dois cercos na traseira do Palácio Legislativo, no centro histórico da cidade da Guatemala.
Finalmente, o pacto de corruptos teve que render-se à evidência de que o novo mandatário é apoiado por centenas de milhares de cidadãos, dispostos a encarar a violência e as intimidações para defender o que há um ano parecia impensável: a chegada à presidência de um personagem e de um projeto sem vínculos com as máfias que saquearam a Guatemala, e que tem autoridade moral para empreender a luta contra a impunidade.
A tarefa não será fácil. Arévalo recebe um país devastado pelo mais dilacerante racismo, onde a maioria indígena está excluída da educação, do governo, dos meios de comunicação, dos postos de direção; relegada à agricultura de sobrevivência, ao comércio informal, a ofícios e trabalhos mal remunerados e ao serviço doméstico de mestiços e brancos.
Durante as multitudinárias manifestações contra as tentativas de subverter as eleições pôde ver-se uma clara imagem do abismo que separa o punhado de privilegiados do resto de seus compatriotas: os habitantes dos bairros mais exclusivos postaram guardas armados sobre os muros por medo de que suas casas fossem invadidas pela turba.
A meta das novas autoridades é dotar o país de uma autêntica democracia, saldar a dívida histórica com os povos indígenas e fincar as bases para o desenvolvimento econômico da nação, em um contexto de violência criminosa, fanatismo religioso, debilidade de um aparato estatal reduzido a ser braço repressor pelos governos neoliberais, um setor industrial débil e monopolista, concentração extrema da riqueza e recursos naturais devastados ou entregues ao capital financeiro.
Victoria Korn | Jornalista venezuelana, analista de temas de América Central e Caribe, associada ao Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la)
Tradução: Ana Corbisier
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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