A Corte Internacional de Justiça (CIJ) inicia nesta quinta-feira (10) sua consideração da acusação formal apresentada pela África do Sul – e agora endossada por dezenas de países e centenas de organizações – de que Israel está cometendo genocídio em Gaza, e responder à solicitação de que o Tribunal e a Organização das Nações Unidas (ONU) emitam “um apelo a Israel para frear de imediato toda ação militar que constitua ou contribua para violações da Convenção sobre Genocídio”.
Ao explicar as razões pelas quais impulsionou este caso, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa declarou nesta quarta-feira que “nossa oposição à matança contínua do povo de Gaza nos levou como país a acudir ante a CIJ. Como um povo que provou as frutas azedas do despojo, discriminação, racismo e violência patrocinada pelo Estado, estamos claros que estamos do lado correto da história”.
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Governos ao redor do mundo, incluindo Bolívia, Brasil e Colômbia, endossaram a acusação formal da África do Sul, enquanto Israel a recusa com o apoio dos Estados Unidos, cujo secretário de Estado, Antony Blinken, a qualificou de “sem mérito” e “uma distração”. Vários dos países com os quais Blinken esteve reunido, incluindo Qatar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Turquia, Jordânia e a Autoridade Palestina, apoiaram o caso apresentado pela África do Sul.
O caso também é apoiado por um membro do Knesset (parlamento) israelense, Ofer Cassif – cujos colegas agora estão tentando expulsá-lo do parlamento. “Meu dever constitucional é com a sociedade israelense e seus residentes, não com um governo cujos membros e seu aliados estão chamando por uma limpeza étnica e até o genocídio real”, declarou.
Em sua acusação formal à CIJ, um documento de 84 páginas, o governo sul-africano afirma que “a África do Sul repetida e urgentemente expressou suas preocupações e condenações a respeito dos atos e omissões de Israel que formam as bases desta aplicação. África do Sul e outros Estados partes da Convenção sobre Genocídio, em particular, deixaram claro que as ações em Gaza constituem genocídio contra o povo palestino”.
Foto: DC/Flickr
Governo da África do Sul denuncia que "declarações e direções genocidas estão sendo implementadas contra o povo palestino"
Mortos, desaparecidos e deslocados
A acusação sul-africana apresentado à Corte assinala que mais de 21 mil pessoas foram mortas até dezembro, mais de 55 mil foram feridos, e que 85% da população foi deslocada. Acusa que Israel matou palestinos em grande número, incluindo milhares de crianças, causando danos físicos e mentais sérios, e que realizou expulsões massivas como privações de acesso a suficiente alimento e água, como também falta de acesso a alojamento.
A acusação de genocídio ante a CIJ requer evidência de intenção específica por parte do governo acusado. Portanto, o documento sul-africano inclui um longa lista de declarações feitas pelo primeiro-ministro Benjamín Netanyahu e integrantes de seu gabinete, bem como oficiais militares que demonstram intenção específica, incluindo, por exemplo, uma referência do primeiro-ministro a um texto bíblico que diz: “não perdoes a ninguém, mas mate igual a homens e mulheres, crianças e os que mamam, bois e ovelhas, camelos e asnos”; ou a de um ministro que se referiu aos cidadãos de Gaza como “animais humanas”, além das repetidas chamadas de vários outros integrantes do gabinete para expulsar todos os palestinos de Gaza.
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O governo sul-africano argumenta que “estas declarações dos tomadores de decisões e oficiais militares israelenses indicam por si só uma clara intenção de destruir os palestinos em Gaza como grupo “tal qual”. Também constituem “incitação clara, direta e pública ao genocídio, o qual procedeu sem freio e cem castigo”. Agrega que a “inferência clara dos atos do exército de Israel sobre o terreno, incluindo o vasto número de civis mortos e feridos, e a escala de deslocamento, destruição e devastação levada a cabo em Gaza – e que essas declarações e direções genocidas estão sendo implementadas contra o povo palestino”.
Possivelmente em resposta a estas acusações e o início do procedimento ante a CIJ, o procurador-geral de Israel advertiu a legisladores israelenses que seria uma violação à lei emitir declarações de incitação para causar danos contra civis em Gaza. No entanto, o rotativo Haaretz reportou nesta quarta-feira (10) que pelo menos um legislador repetiu apelos a “não mostrar nenhuma piedade” e “queimar” Gaza.
Casos apresentados ante a CIJ frequentemente tardam anos em concluir. Dada a urgência da situação e a crescente taxa de morte – o governo sul-africano está instando à Corte emitir medidas provisórias imediatas que afirmem que “o Estados de Israel deveria suspender de imediato suas operações militares dentro e contra Gaza”.
Por sua vez, o governo israelense condenou o caso apresentado pela África do Sul. “Amanhã, o Estado de Israel se apresentará ante a Corte Internacional de Justiça para descartar o libelo de sangue absurdo, com Pretória oferecendo escudo político e legal ao Regime Violador de Hamas”, declarou o porta-voz governamental Eylon Levy. O termo “libelo de sangue” é uma acusação de antissemitismo e se refere às falsas acusações durante o Holocausto, de que os judeus estavam usando sangue de crianças em seus rituais, para justificar a matança de judeus.
Contra o sionismo, contra o antissemitismo, pela humanidade
O governo de Israel está enviando um juiz israelense aposentado, sobrevivente do holocausto, para encabeçar sua equipe legal frente a CIJ. A equipe legal da África do Sul incluiu advogados proeminentes, entre eles um que foi um ex-relator especial sobre direitos humanos da ONU nos territórios palestinos ocupados.
A cada governo serão outorgadas três horas para apresentar seus argumentos no caso ante o painel de 17 juízes convocados pela CIJ. A CIJ, o organismo judicial supremo do sistema da ONU estabelecido em 1945, depois de escutar aos advogados das suas partes, se reunirá em privado para chegar a uma conclusão e emitir sua sentença. Mas a corte tem um poder muito limitado, além de publicar seu veredito.
Mas esse veredito poderia intensificar a pressão internacional sobre Israel como sobre os Estados Unidos para um cessar-fogo, e poderia isolar ainda mais esses dois governos na comunidade internacional, como também implicar o governo estadunidense como cúmplice em violações graves da lei internacional.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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