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Foto: Casa de América / Flickr

Até 13 anos de prisão: Revolução Cidadã articula ação contra Noboa por invasão à embaixada

“Esperamos que o presidente seja o responsável direto e que o povo equatoriano não tenha que arcar com as consequências desse ato”, declarou o secretário executivo do RC, Andrés Arauz
Orlando Pérez
La Jornada
Quito

Tradução:

Beatriz Cannabrava

As consequências do assalto armado à embaixada mexicana em Quito estão se configurando em duas dimensões: no judiciário e no político, mas também há advertências no plano comercial externo. Nenhum governo havia enfrentado um cenário assim, nem sequer nos conflitos bélicos do século passado, ou menos ainda no presente, após as apostas soberanas que Rafael Correa (2007-2017) fez em seu governo.

Por um lado, o movimento Revolução Cidadã, na voz de seu secretário executivo, Andrés Arauz, manifestou a decisão de levar o presidente Daniel Noboa a julgamento político.

Ao ser feita a consulta a respeito, o também candidato presidencial assinalou que há motivos para isso e que estão contemplados na Constituição, para o qual são necessárias as duas terceiras partes dos votos da Assembleia: mais de 90 dos 137 legisladores.

Ao mesmo tempo, ao referir-se ao que implica para o Equador possíveis sanções do exterior, ele explicou: “Esperamos que, quando as ações legais contra o Governo do Equador se iniciarem, os fatos sejam singularizados para que o presidente Noboa seja o responsável direto, e que o povo equatoriano não tenha que arcar com as consequências desse ato de arbitrariedade e flagrante violação do direito internacional e do direito humanitário”.

Arauz disse ao La Jornada que ele anunciou um pedido de julgamento político contra o presidente Noboa pelo sequestro do ex-vice-presidente Jorge Glas depois do assalto à embaixada do México na capital do país andino. E, é claro, disse que a análise para a sustentação do julgamento também terá como co-responsáveis e autores diretos a chanceler Gabriela Sommerfeld e a ministra de Governo, Mónica Palencia.

De fato, Palencia é de origem mexicana e se naturalizou equatoriana no mesmo dia da posse de Noboa, em 23 de novembro passado, em um trâmite expedito, que durou menos de uma semana, quando normalmente leva vários meses. Ela é atualmente a ministra da Polícia e ocupa a outra pasta do Estado, a de Governo, que se encarrega das relações políticas. Desde 4 de abril não deu uma só entrevista nem fez pronunciamentos públicos sobre o ocorrido na sede diplomática de seu país de origem.

Inclusive, a chanceler Sommerfeld fez seu mestrado em Administração no Instituto Tecnológico de Estudos Superiores de Monterrey, no ano de 2018.

Neste sentido, o ex-procurador-geral do Equador, Galo Chiriboga, que também faz parte da Associação Latino-americana de Juristas, considera que as duas ministras poderiam ser julgadas no México porque o delito (de sequestro e/ou de detenção ilegal) “foi cometido em solo mexicano”. E se for assim, até poderia ser solicitada a extradição caso uma pena condenatória se concretizasse, assinalou Chiriboga.

Do mesmo modo, o advogado e analista político Mauro Andino disse ao autor desta nota que o próprio Código Penal equatoriano prevê sanções muito drásticas para aqueles que ingressam ilegalmente em uma legação diplomática de outro país, sobretudo quando, explicou, há um reconhecimento dos autores da ordem, de uma execução violenta, que também poderia envolver os comandos da Polícia e do Exército.

“Não podia ficar em pé pela surra que haviam me dado”

Jorge Glas teve nesta quarta-feira (10) a primeira oportunidade de se conectar com seus advogados e familiares próximos. Via Zoom, durante quase 40 minutos (o que permite uma conexão não paga), desde uma cela da prisão de segurança máxima, denominada La Roca, escutou-se seu testemunho sobre como foi sequestrado em 5 de abril pelas forças militares e policiais, após a ordem do presidente Daniel Noboa.

Naquele dia, ele foi retirado do quarto da embaixada mexicana, resistiu e foi golpeado, praticamente torturado. Em duas ocasiões tentaram algemá-lo, mas a resistência de Glas, que tem cerca de 1,80 metro de altura, provocou a reação virulenta dos gendarmes, que o espancaram com chutes e socos em suas pernas e braços. Só assim conseguiram dobrá-lo e algemá-lo.

Quando consideraram que estava imobilizado, com a intenção de filmá-lo como se estivesse em boas condições, quiseram ler seus direitos. Glas desmaiou, caiu e lhe pediram que se levantasse, mas não pôde “por causa da surra que haviam lhe dado”, conforme uma gravação que circulou nas redes sociais através da conta de sua advogada, Sonia Vera.

“O asilo não me deu a liberdade, mas me deu a dignidade de ser um perseguido político”, acrescentou Glas.

A advogada, em conversa com o La Jornada, manifestou que o viu muito mal, muito machucado, com uma condição física muito deteriorada e com os efeitos ainda da recente intoxicação intestinal que sofreu por ingestão de medicamentos.

Em sua conta no X, o ex-presidente Rafael Correa corroborou esse fato:

“Por fim, seus filhos e seus advogados puderam se conectar com Jorge Glas via Zoom. Ele foi envergonhado e torturado. Atualmente, está incomunicável e sequer tem acesso à luz solar. Confirmamos que a emergência médica foi uma tentativa de suicídio. Ele não comeu nada e está em greve de fome. Responsabilizamos Daniel Noboa pela integridade física e emocional de Jorge. Lembro a Noboa que claramente cometeu o delito tipificado no art. 125 do Código Penal”.

Nesse artigo, é assinalado que a pessoa que, com ocasião e em desenvolvimento de conflito armado, priva de liberdade, detém ilegalmente, deporta, translada, demora ou retarda a repatriação de uma pessoa protegida, será sancionada com pena privativa de liberdade de 10 a 13 anos.

Os informes oficiais nunca assinalaram essa situação. Disseram que seu mau estado de saúde era resultado de sua recusa em comer. De fato, algumas versões indicaram que, quando ingressou no hospital Militar de Guayaquil, já estava em estado de coma. Quando saiu dessa condição, foi transferido para o hospital Naval da mesma cidade.

A advogada Vera confirmou que sua situação de saúde é muito delicada e que sua determinação de “não claudicar” é firme, mas tampouco irá levar a uma medida extrema.

O testemunho de Glas pôde ser ouvido novamente nesta quinta-feira (11), na audiência de Habeas Corpus, que normalmente se realiza com a presença física do afetado. Com base nesse relato, um juiz pode anular a prisão à qual ele está agora submetido, se considerar que não havia causas nem motivos, muito menos os requisitos mínimos de respeito aos seus direitos humanos, enfatiza a advogada Vera.

Além disso, acrescenta, se o juiz determinar que seus direitos humanos foram violados e o liberar, dada sua condição de asilado político pelo governo mexicano, Glas poderá ser favorecido com a transferência para esse país e se beneficiar de todos os direitos dessa condição, além de seu direito de iniciar ações legais contra quem o vitimou.

De fato, na quarta-feora (10), foi reafirmado um dado pouco conhecido: Glas também possui a nacionalidade alemã e, portanto, desde que esteve anteriormente detido, as autoridades de Berlim acompanharam de perto seu caso. Inclusive, agora, quando o pessoal diplomático do México se despediu após a invasão da sede em Quito, os representantes da Alemanha os acompanharam no aeroporto Mariscal Sucre.

“Estamos acompanhando de perto o caso do Sr. Glas e tentando estabelecer contato direto com as autoridades equatorianas”, declarou um porta-voz em resposta a uma pergunta do jornal alemão Spiegel. Entre as tarefas das missões alemãs no estrangeiro está também o cuidado dos cidadãos alemães encarcerados.

Diante de tudo isso, tanto as mais altas autoridades do governo de Noboa como os porta-vozes da direita equatoriana insistem que Glas é um criminoso comum e deve permanecer na prisão. Pelo menos foi isso que a ministra de Governo, Mónica Placencia, e a chanceler, Gabriela Sonmerfeld, afirmaram durante o seu comparecimento à Comissão de Assuntos Internacionais da Assembleia Nacional. Para elas, o asilo concedido pelo México não tem validade, pois esse país cometeu uma grave falta diplomática: intrometer-se nos assuntos de outro Estado.

Retorno a La Roca

Aconteceu nesta ter-afeira (9) a transferência de Glas à prisão de alta segurança denominada La Roca, na cidade de Guayaquil, de onde é originário.

Através de um comunicado, o Serviço Nacional de Atendimento Integral a Pessoas Adultas Privadas da Liberdade e Adolescentes Infratores (SNAI) informou que o ex-vice-presidente saiu do Hospital Naval, onde esteve internado por ingerir remédios que lhe provocaram uma intoxicação.

O SNAI disse que durante a última terça, Glas permaneceu em observação médica e, uma vez que seu estado de saúde estava dentro dos parâmetros aceitáveis, recebeu alta. E a mesma entidade assegurou que “zelará pela integridade física de Glas”, que foi transferido para La Roca sob a custódia de cerca de 15 veículos da força policial, dois carros de assalto, um corpo de motociclistas e pessoal da Agência de Trânsito e Mobilidade (ATM).

Um de seus colaboradores mais próximos e ex-vice-presidente do movimento Revolução Cidadã disse ao Jornada que nem os familiares, nem os advogados, tiveram acesso a ele por mais de 80 horas. No entanto, afirmou que a única informação disponível era que ele estava estável.

Pesa sobre Glas pesa uma ordem de prisão preventiva relacionada ao denominado “Caso Reconstrução de Manabí”. O ex-vice-presidente é acusado de não ter utilizado os fundos públicos conforme determinado pelo decreto de 2016. No entanto, sua defesa apela para uma norma básica: um mandatário não é o executor dos projetos nem dos trabalhos de reconstrução, mas sim seus ministros. De fato, neste caso, os fundos foram usados em obras que complementam a reconstrução e o caso foi aberto após sete anos do terremoto na zona costeira do Equador, em abril de 2016.

Noboa vai a Miami e interrompe seu proselitismo político por três dias

Com uma forte campanha nas redes sociais, meios de comunicação e em paredes e postes de quase todo o país, o presidente equatoriano Daniel Noboa faz uma pausa em seu proselitismo para permanecer em Miami (sua cidade natal), a partir desta quarta-feira (10) até sábado, (13). Na terça, fontes do chamado Palácio de Carondelet, sede do governo central, indicaram que se trata de uma visita privada e que não há agenda pública de suas atividades pessoais.

O presidente estará ausente por três dias, em meio à crise diplomática entre Equador e México pela incursão policial de 6 de abril na embaixada desse país em Quito. Com isso, indicam outras fontes, algumas atividades previstas no intenso proselitismo de Noboa nas últimas duas semanas foram adiadas, incluindo a inauguração de obras, encontros com comunidades camponesas e indígenas, bem como a distribuição de casas e “kits” de alimentos em áreas recentemente afetadas por deslizamentos, devido ao inverno.

Na quarta-feira, por exemplo, ele estava na Amazônia. Ali, ele mencionou as declarações do ex-presidente Rafael Correa, que sugeriu que a comunidade internacional poderia sancionar o Equador pela incursão armada em Quito.

Acompanhado de líderes indígenas, ele disse: “Alguns criminosos condenados, outros que logo serão condenados, estão falando e atacando o governo. Os mais ousados pedem sanções para seu próprio país. A única coisa evidente é que a burrice está aumentando nessa gente”. E acrescentou que esses mesmos políticos criticam o processo de consulta popular “porque sabem que vão perder”. “Podem vociferar e fazer todo o escândalo que quiserem, mas no final do dia, o povo equatoriano e amazônico votarão pelo Sim”, enfatizou o mandatário, pedindo novamente apoio para o referendo previsto para 21 de abril.

A proposta de Correa surgiu em 9 de abril, quando, acompanhado pelo eurodeputado da organização política Esquerda Unida, Manu Pineda, mencionou algumas ‘sanções’ da comunidade internacional contra o Equador. Por exemplo, a retirada de embaixadores de países da União Europeia e “declarações (oficiais) muito mais fortes”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Orlando Pérez Correspondente do La Jornada em Quito.

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