Washington continua com a ilusão de que tem a autoridade moral para definir o que está bem ou mal no mundo, o que viola ou não o direito internacional. Faz grandes pronunciamentos, aplica sanções e ameaça com força militar os governos que não cumprem com a sua decisão sobre o que são as normas e as leis mundiais.
O presidente estadunidense e sua equipe denunciaram o ataque do Irã contra Israel deste fim de semana como violação à lei internacional. Biden regressou com grande urgência à Casa Branca no sábado (13) e emitiu uma foto dele e de sua equipe em um “quarto de situação”, sob uma coreografia teatral bélica já tão ensaiada e conhecida.
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Embora tudo tenha sido decorado com a retórica moral, não se pode descartar que muito disso tenha de fundo algo mais prático para um presidente que busca sua reeleição em novembro, e que está empatando ou perdendo nas pesquisas. Com isto, de repente, tornou-se o “comandante-chefe”, encabeçando as forças do bem no mundo.
Também ajudou a mudar a narrativa sobre a cumplicidade com o genocídio cometido por Israel, e em seu lugar, com a ajuda de quase todos os principais meios de comunicação, Gaza foi deslocada das primeiras páginas para ser substituída com “Israel sob ataque”. A retórica moral de defesa dos grandes princípios internacionais foi empregada agora contra o Irã, o inimigo do dia e adversário de tudo que é defendido por Washington.
Direito internacional e normas sagradas
Porém, como se comprovou repetidamente, os Estados Unidos decidem quando se aplica ou não o direito internacional e outras normas sagradas. Por exemplo, nunca denunciou o ataque ilegal de Israel contra o consulado do Irã na Síria, que foi a justificação de Teerã para sua resposta bélica este fim de semana.
Mais ainda, Washington tem negado que Israel esteja violando a lei internacional e humanitária em Gaza – algo quase universalmente condenado – mas continua fornecendo bombas e outras munições para continuar com o conflito. Até assombrou sua programação unilateral e falsa de que a resolução a favor de um cessar-fogo do Conselho de Segurança da ONU “não é vinculante”.
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Porém, essa parcialidade não é nada nova. Apenas nestes últimos 20 anos, a guerra lançada com propagandas oficiais contra o Iraque, as missões de assassinato por drones, os casos de tortura em Abu Ghraib e Guantânamo, os sequestros clandestinos de suspeitos por “terrorismo” ao redor do mundo – tudo isto violou o direito internacional e as normas, mas continua impune até hoje.
Os jornalistas e divulgadores que se atreveram a documentar ou divulgar estes atos e missões ilegais como Assange, Snowden, Manning, entre vários mais, têm sido presos ou exilados. Apesar de tudo isto, a retórica oficial continua sem mudança, com os Estados Unidos insistindo que é o guardião tanto prático como moral da liberdade, da democracia e da ordem internacional.
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Chomsky resumiu a posição estadunidense sobre o direito internacional: “quando eles a fazem, é um crime; quando nós fazemos, não é”. “Gostamos da guerra… Gostamos da guerra porque somos bons nisso, e somos bons porque temos muita prática; este país só tem 200 anos e já tivemos 20 guerras maiores… E que bom que somos bons nisso; não somos bons em mais nada… Não podemos construir um autodecente… já não temos uma indústria siderúrgica, não podemos educar nossos jovens, não podemos oferecer saúde a nossos velhos, mas sim podemos bombardear até a merda teu país… Especialmente se o teu país está cheio de pessoas negras, essa é nossa nova prática: bombardear negros. Iraque, Panamá, Granada, Líbia, se tens alguns morenos em teu país, diga-lhes que estejam em alerta ou os vamos bombardear”.
O grande cômico George Carlin, quem também disse que “lutar pela paz é como trepar pela virgindade”. Ao que parece, a cúpula política estadunidense não se deu conta, ou não quer se dar conta, que para grande parte do mundo, e inclusive para muitos estadunidenses, sua autoridade, se alguma vez existiu, se tornou imoral.
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