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Ato no MASP contra o Projeto de Lei (PL) 1.904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. São Paulo (SP), 23/06/202 (Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil

Frei Betto | Querem abortar o aborto

Descriminalizar o aborto não significa incentivá-lo; não devemos admitir que nossos parlamentares estuprem a Constituição e violentem um direito adquirido
Frei Betto
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

A missão dos legisladores (deputados e senadores) não é impor moral à sociedade, é buscar o bem comum. Somos uma sociedade plural e laica, e não confessional. Se defendo a descriminalização da prostituição, como defendo a do aborto, não significa que aprovo a prostituição, pois a considero uma degeneração da mulher. As prostitutas, porém, têm o direito de serem protegidas por leis, como defendia Gabriela Leite, líder das meretrizes brasileiras.

Quantos antiabortistas já enviaram suas mulheres ou filhas, surpreendidas por uma gravidez indesejada, a clínicas clandestinas de aborto ou a países que admitem a interrupção da gravidez? Só terapeutas e ministros de confissões religiosas, confidentes de pessoas aflitas, podem avaliar.

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O artigo 128 do Código Penal admite o aborto “se a gravidez resulta de estupro”. O estupro é crime previsto no artigo 213 do mesmo Código. Crime hediondo, pois impõe à vítima severas sequelas físicas e emocionais.

Como exigir da mulher estuprada não repudiar o feto fruto de uma agressão física e moral? Gostaria de ver um parlamentar antiabortista exigir de sua filha, violentada por um assaltante, preservar a gravidez e acolher o filho. Quem sabe ele, munido de pruridos morais, vá à prisão solicitar ao estuprador reconhecer a criança como filho e imprimir o nome paterno nos documentos de identidade… 

Dois pesos e duas medidas

Os que vociferam contra o direito ao aborto, proclamando defender a vida, são os mesmos que defendem que “bandido bom é bandido morto”, aplaudem a letalidade das operações policiais, exaltam torturadores e advogam o comércio generalizado de armas. E silenciam frente aos pedófilos de suas Igrejas. Haja hipocrisia! É atitude farisaica a intransigente defesa da vida embrionária e a omissão frente a milhões de crianças nascidas na miséria, condenadas à fome e ao desamparo. 

A defesa da vida não pode ser confundida com a defesa do processo embrionário desde o seu início. Do ponto de vista científico é questão aberta quando, de fato, há vida humana. Como escreve o teólogo Jesús Martínez Gordo, a questão deve se basear “no reconhecimento da existência de situações-limite e conflitos de direitos em que é impossível aplicar dedutivamente as normas morais: a única coisa que resta, talvez, é aceitar o mal menor, como pode ser visto nos casos de perigo para a vida da mãe, malformação do feto e gravidez por estupro.

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Entendido dessa forma, o aborto não é mais um direito, mas sim um recurso desesperado diante do instinto de sobrevivência. Em suma, o mal menor que, em nome da solidariedade, do respeito e do acompanhamento a quem passa por situações tão dramáticas, está acima de qualquer imposição extrínseca.” Segundo Bernhard Häring, um dos mais destacados moralistas católicos, “não cabe ao Magistério da Igreja resolver o problema do momento preciso a partir do qual nos encontramos diante de um ser humano no pleno sentido do termo.”

Na tradição cristã convivem diferentes teorias, a da “animação sucessiva” defendida por meu confrade Santo Tomás de Aquino, e a da “animação simultânea”, por Santo Alberto Magno. A biologia comprova que o embrião requer tempo e espaço para desenvolver seu sistema neuroendócrino. Genes não são miniaturas de pessoas. A biologia molecular demonstra que a informação extragenética é tão importante quanto a informação genética, e a constituição da substantividade humana ocorre quando há organogênesis do embrião

Machismo e misoginia

O machismo e a misoginia predominantes no Congresso se refletem inclusive na proposta de fazer o peso da sentença condenatória cair mais forte sobre a mulher violada que sobre o criminoso tarado. 

Nosso Congresso deveria estar discutindo como introduzir a educação sexual em todos os níveis escolares, bem como o planejamento familiar.

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Descriminalizar o aborto não significa incentivá-lo. Não devemos admitir que nossos parlamentares estuprem a Constituição e violentem um direito adquirido.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Frei Betto Escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de sangue” (Rocco); e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros 74 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.

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