Chamou a atenção uma das principais propostas do candidato ao Senado pelo RS, Hamilton Mourão, a de “poder ao agro”. Não há a defesa de “poder ao povo”, como está na Constituição, e nem sequer de poder também para a indústria e o comércio, por exemplo. Assim, aparentemente é uma proposta não democrática, pois o poder não emanaria do povo, mas sim do capital. Além disso, nem sequer é uma proposta de democracia liberal, na qual o capital em geral comanda, pois privilegia um setor econômico específico.
Na realidade, no Brasil o poder já emana do agro, do latifúndio. Basta ver a proporção de sua representação entre deputados e senadores, com forte peso, muito além da representação numérica na população ou mesmo de proporção do PIB. Essa distorção representativa é típica de democracias liberais. Por isso em países como Cuba e China a democracia é exercida de forma e evitar essas distorções, ou o domínio do capital sobre a política.
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Não por acaso, o setor primário paga pouquíssimos impostos, além de receber muitos subsídios e crédito barato do BNDES e do Banco do Brasil, por exemplo, se distinguindo nesses privilégios dos demais setores. Recebendo esse tratamento diferenciado, por definição não pode se jactar de ser um setor eficiente, em termos de mercado.
Sobre a proposta do candidato, trata-se de uma distopia visando retorno ao padrão da República Velha e do Império. Essa tendência segue o que vem ocorrendo com o processo de desindustrialização das últimas quatro décadas, o que já tem aumentado o poder do agro, assim como do capital financeiro. E demonstra o baixo poder da burguesia industrial nacional.
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Aparentemente a maioria dos militares passou a defender essa estrutura econômica e social, pois garantiria os privilégios da autodenominada “família militar”, com pretensão de ser uma “casta”. Assim, não há mais a defesa de um projeto de futuro para a nação, mas de um projeto de retorno ao passado. Interessante constatar- se que esse é o pensamento atual da maioria das Forças Armadas, uma visão reacionária de país, pré-liberal.
Como radicalização do neoliberalismo, portanto, há a proposta de um “não governo”, pois o “agro” governaria plenamente, o que serve também para justificar a total incompetência demonstrada nos últimos quase quatro anos na gestão da coisa pública. Com essa incapacidade, nada melhor do que terceirizar a gestão, abdicando de representar a sociedade.
Essa estrutura econômica, de pleno domínio do “agro”, garante que menos de 1% da população seja super rica, algo entre 5 e 10% da população seja “classe média”, e provavelmente mais de 90% da população seja pobre. Esse é o país atualmente em construção e aparentemente apoiado por boa parte de nossa classe dominante. Assim, a classe média seria fortemente reduzida, passando a ser constituída fundamentalmente por profissionais liberais e por uma parcela importante da burocracia estatal privilegiada, que dá a base ideológica dessa estrutura, como do judiciário e militar, também excessivamente empoderadas nas últimas décadas.
Por isso, setores políticos com compromisso com o desenvolvimento econômico e social do país deveriam não só defender os interesses de pobres e trabalhadores, mas mais amplamente de “batalhadores” e da classe média. Essa classe média não se dá conta de que está sendo dizimada, se iludindo com a ideia de empreendedorismo e do individualismo.
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Desenvolvimento econômico e social depende de diversificação e complexificação econômica
Estudos econômicos mostram a importância da indústria para a dinamização da economia como um todo. Recentemente, com as novas tecnologias, passou-se também a debater a importância dos setores de serviços modernos. Mas não há estudos importantes que comprovem que o “agro” seja capaz de dinamizar substancialmente a economia como um todo. Esse setor pode funcionar muito bem mesmo com o restante da economia e da população indo muito mal.
O “agro” pode ser muito moderno, mas se essa “modernidade”, as tecnologias que usa, forem importadas, isso não dinamiza substancialmente a produção nacional. Como as exportações geram divisas em grande volume, os insumos e as tecnologias fundamentais podem ser importados, não sendo necessária sua produção doméstica.
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Além disso, o “agro” gera cada vez menos empregos. Indiretamente gera empregos, mas em geral de baixa qualidade. Pode estimular determinados setores e regiões, mas não o país como um todo. Assim, esse setor pode ser moderno, assim como era a produção exportadora de café do Império e da República Velha, nos padrões da época, e o país crescer a taxas muito baixas, regredindo relativamente em comparação com a média mundial e bloqueando as possibilidades de ascensão social.
O Brasil possui terras, sol, água, capacidade empresarial e de mão de obra, e há demanda internacional. Portanto, é e será um país produtor de commodities agrícolas, mas esse setor deve contribuir para o desenvolvimento do país como um todo e não se impor sobre os demais e dominar a política.
O desenvolvimento econômico e social depende de diversificação e complexificação econômica. Significa gerar dinamismo endogenamente. Um país cada vez mais dependente dos ciclos econômicos internacionais, com exportações de commodities, cujo dinamismo independe da situação de sua própria população, é um projeto de subdesenvolvimento.
E está na contramão do que se discute e realiza na economia internacional hoje, não só nos países asiáticos e na China, mas também nos países desenvolvidos europeus e nos EUA. Assim, surpreende não só que isso esteja ocorrendo no país, mas que seja inclusive proposta política de quem pretende governar o país.
Ricardo Dathein, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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