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Foto: Gage Skidmore / Flickr

“Camaleão” Harris: democrata molda posicionamentos conforme ambições políticas?

Ainda segue um mistério quais são as próprias posições políticas de Kamala Harris, mas fato é que tem apoiado com firmeza Israel e o envio de armas à Ucrânia
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Kamala Harris, filha de um economista marxista e de uma cientista pesquisadora de câncer, ambos imigrantes, que se conheceram em um protesto contra a guerra do Vietnã e a favor dos direitos civis, agora está prestes a ser coroada como a candidata presidencial do Partido Democrata e possivelmente a primeira mulher negra presidente do país mais poderoso do mundo.

Kamala Devi Harris foi criada no norte da Califórnia entre intelectuais e ativistas progressistas dos anos 60 e depois em Montreal, Canadá, antes de iniciar sua carreira como advogada, por onde entrou no âmbito da política. Seu pai, nascido na Jamaica, Donald Harris, é acadêmico marxista e o primeiro professor negro a obter titularidade acadêmica na Universidade de Stanford, especialista em desenvolvimento (foi assessor do Banco Interamericano de Desenvolvimento por um tempo). Ele se divorciou de sua mãe quando Kamala era criança e ela não teve uma relação próxima com ele desde então.

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Sua mãe, Shyamala Gopalan, originária da Índia, é uma reconhecida especialista em pesquisa de câncer de mama, que sempre participou do ativismo político, levando Kamala e sua irmã a manifestações desde meninas, e ensinando-lhes a necessidade de trabalhar para mudar o mundo. “Ela nos dizia: ‘bem, o que vão fazer a respeito?’”, recordou Harris.

Harris tem mostrado ser flexível e pragmática em sua carreira política. Começou como advogada apoiando vítimas de assalto sexual, mas já quando foi eleita procuradora da cidade de São Francisco, outros advogados lembram que ela se opôs a esforços progressistas para liberar presos que foram condenados erroneamente e apoiou a polícia contra esforços para impor maiores medidas de responsabilização em casos de má conduta.

“Kamala Harris não foi uma promotora progressista’… esteve frequentemente do lado errado da história quando serviu como procuradora-geral da Califórnia”, escreveu a professora de leis da Universidade de São Francisco, Lara Bazelon. Seu histórico profissional sobre migração inclui expressar apoio às medidas de cidade santuário de São Francisco, mas, ao mesmo tempo, apoiar medidas para relatar todo imigrante indocumentado que fosse preso ao serviço de imigração federal, ainda se o preso nunca fosse condenado.

Ao mesmo tempo, quando foi eleita senadora federal, introduziu projetos de lei para proteger imigrantes indocumentados e exigir maior prestação de contas da polícia local.

Essas mudanças em suas posições levam alguns a acusá-la de “camaleão”, enquanto outros sugerem que ela é hábil em moldar suas posições políticas conforme suas ambições políticas. Antes de ser vice-presidente, apoiou a chamada descriminalização da fronteira dos Estados Unidos com o México e ampliar serviços de saúde para imigrantes indocumentados.

No início de seu governo, o presidente Joe Biden encarregou Harris de liderar os esforços de seu governo para abordar as causas da migração para este país, mas ela falhou em estabelecer políticas que supostamente ofereceriam oportunidades na América Central e no sul do México para que as pessoas não tivesse necessidade de migrar.

No último sábado (27), a administradora de campanha de Harris, Julia Chavez Rodriguez (neta de Cesar Chavez) foi questionada pela CBS News se sua chefe manteria a proibição parcial sobre o direito internacional ao asilo implementada por Biden. Ela respondeu que “as políticas que… estão tendo um impacto real em garantir que temos segurança e ordem em nossa fronteira continuarão”.

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Além de seu papel para abordar as “causas raízes” da migração, Harris disse pouco sobre política para a América Latina. De fato, um documento sobre sua experiência em política externa divulgado na semana passada por seu assessor de segurança nacional, Phil Gordon (que provavelmente seria o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca se Harris vencer), não inclui a palavra México, assim como não menciona Cuba, Venezuela, Brasil ou quase nenhum outro país do hemisfério além da América Central e uma menção muito breve ao Caribe.

Ao mesmo tempo, como vice-presidenta, ela ecoa a linha oficial sobre o papel dos Estados Unidos no mundo. “A segurança global e a prosperidade global dependem da liderança dos Estados Unidos da América. E uma América forte continua sendo indispensável para o mundo”, declarou em um discurso na Academia Militar dos Estados Unidos em West Point em 2023.

Ela tem sido firme em seu apoio à política de Biden de armar a Ucrânia, desafiar a China e apoiar Israel. Mas foi muito mais enfática sobre as mortes de dezenas de milhares de palestinos e, em contraste com o apoio incondicional de Israel por parte de seu chefe, reiterou a necessidade de um cessar-fogo imediato. Em sua reunião com o líder israelense, Benjamin Netanyahu, na semana passada, após não comparecer ao Congresso para ouvir a mensagem do convidado, sublinhou sua preocupação com as mortes de civis e declarou: “não ficarei em silêncio” sobre isso.

Harris ressuscita campanha

Em torno de sua campanha recém-lançada, ela tem utilizado seu papel potencialmente histórico para mobilizar diversas bases do partido que estavam desencantadas com a candidatura de seu chefe.

Em múltiplas chamadas massivas, começando com uma de mais de duas horas onde participaram 200 mil mulheres negras formadas por sua universidade, Howard, a outras por Zoom com 50 mil homens afro-americanos, com 400 mil mulheres, dezenas de milhares de latinos e continuando com outros setores do Partido Democrata, ela demonstrou a necessidade de mobilizar suas bases. “Ela vai ganhar porque está entusiasmando a todos”, comentou um reverendo afro-americano, que se desiludiu com Biden por sua política em relação a Gaza.

No domingo (28), a campanha de Harris anunciou que quebrou todos os recordes anteriores de arrecadação de fundos ao obter mais de 200 milhões para a campanha em apenas sete dias, dois terços dos quais vieram de novos simpatizantes.

Embora não haja dúvida do talento de Harris como oradora pública e boa interrogadora – por sua experiência como advogada e procuradora –, ainda é um mistério quais são suas próprias posições políticas.

Astead Herndon, jornalista do New York Times que tem reportado sobre Harris durante quatro anos, tentou escrever um perfil dela no ano passado, mas ficou frustrado porque a vice-presidente evitou responder quase todas as perguntas sobre seu próprio pensamento político. “Em termos de seu próprio perfil político, ela tem sido um vazio de espaço negativo, um recipiente para que tanto simpatizantes quanto detratores preencham como quiserem, já que ela se recusa a fazê-lo por si mesma”, concluiu.

Harris e sua campanha terão que pensar em como preencher esse recipiente de maneira mais clara e eficaz ao começar a disputa contra Trump.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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