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O chanceler russo, Serguei Lavrov (Foto: Ministério das Relações Exteriores da Rússia)

Otan coordena diretamente ataques de alta precisão contra civis russos, denuncia Lavrov

Lavrov fez declaração momentos antes de Putin comentar o possível uso pela Ucrânia de armas de longo alcance contra a Rússia, com permissão da Otan
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Na última quinta-feira (12), em Moscou, o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou que o Kremlin está convencido de que Washington e Londres — Otan — há tempos deram permissão a Kiev para usar seus mísseis de longo alcance para atacar a Rússia e agora apenas buscam a maneira “mais bonita e elegante” de torná-lo público.

O chefe da diplomacia local falou diante de embaixadores e diplomatas de cerca de 80 países, oferecendo na sede da Academia Diplomática uma espécie de briefing com a visão das autoridades russas sobre o que está se passando “na guerra que o Ocidente desatou contra a Rússia”, incluindo um vídeo de cinco minutos com os “horrores cometidos pelos ucranianos contra a população civil” no Donbas (Donetsk e Lugansk) e Kursk.

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“Não temos dúvida de que há tempos foi tomada a decisão de levantar as restrições ao uso de armamento de longo alcance para atacar o território russo”, sublinhou Lavrov, e qualificou de “encenação” a visita que os responsáveis pela política externa dos EUA, Antony Blinken, e britânica, David Lammy, realizaram a Kiev na última quarta-feira (11). Acrescentou: “Agora apenas buscam a maneira, digamos, mais bonita e elegante, menos indecorosa de torná-lo público”.

Ele também acusou os Estados Unidos e seus aliados de fornecerem ao exército ucraniano dados de seus satélites de inteligência e assinalou que “os especialistas militares da Otan coordenam literalmente de forma manual os ataques com armas de alta precisão contra alvos estritamente civis”.

Segundo Lavrov, a Rússia não se opõe a uma solução política para a “crise ucraniana”, mas não vê da parte da Ucrânia “nenhuma disposição para praticar uma diplomacia honesta”.

A declaração de Putin sobre a Otan

A declaração do chanceler veio horas antes da advertência do presidente russo, Vladimir Putin, sobre o tema: “se o Ocidente autorizar a Ucrânia a empregar seu armamento de longo alcance contra o território da Rússia, isso significará que os países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), os Estados Unidos e seus aliados europeus, estarão participando de forma direta na guerra da Ucrânia”.

Em resposta a uma pergunta da televisão pública russa ao término de um foro cultural em São Petersburgo, o titular do Kremlin ressaltou: “Seria a participação direta deles e isso, evidentemente, significaria uma mudança drástica na própria essência, na natureza do conflito”.

Para Putin, “(…) isso significaria que a OTAN, os Estados Unidos e seus aliados estão em guerra com a Rússia. E se for assim, nós vamos adotar as decisões apropriadas, a partir das ameaças que surgirem contra nós”.

Rússia e Ucrânia trocam prisioneiros

No sábado (14), a Rússia e a Ucrânia trocaram prisioneiros de guerra sob a fórmula 103 x 103, na terceira troca desde o início da incursão ucraniana na região russa de Kursk, onde ambos os lados relataram ataques e contra-ataques, com os combates mais intensos sendo registrados nas proximidades de Glushkovo e Korenevo.

Os Emirados Árabes Unidos desempenharam um papel de mediação determinante para concretizar o intercâmbio, que se soma à liberação, um dia antes, de 49 militares de cada uma das partes. Desde o final de agosto, quando foram libertos 115 russos e o mesmo número de ucranianos, não havia troca de prisioneiros.

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Moscou indicou que regressaram militares capturados na região de Kursk, e Kiev precisou, por meio de seu comissário dos direitos humanos, Dmytro Lubinets, que “muitos dos que estavam em cativeiro desde os primeiros dias da guerra” voltaram.

Resposta russa a ataque massivo da Ucrânia

Na madrugada de quinta-feira (12), a Rússia respondeu ao ataque massivo de drones da Ucrânia, realizado na terça-feira, lançando 69 mísseis, tanto balísticos quanto de cruzeiro, e aparatos aéreos não tripulados contra seis regiões do país vizinho, de acordo com as forças aéreas ucranianas.

O ministério ucraniano de Energia, por sua vez, precisou que a Rússia atacou infraestruturas energéticas das regiões de Chernigiv, Dnipropetrovsk, Donetsk, Kharkiv, Kherson e Sumy. Várias subestações elétricas e linhas de alta tensão sofreram danos e houve cortes no fornecimento de eletricidade em numerosas localidades.

Tanto o presidente Volodymyr Zelensky quanto a Procuradoria-Geral da Ucrânia divulgaram em suas redes sociais imagens do que chamaram de bombardeio russo contra uma coluna de caminhões da Cruz Vermelha Internacional que levava ajuda humanitária. A artilharia russa, afirmam, atingiu os caminhões na localidade de Veroliubovka, perto da linha de frente dos combates, quando os trabalhadores da Cruz Vermelha se preparavam para descarregar um veículo que levava briquetes de combustível para aquecer as casas. Três pessoas teriam morrido e outras várias ficado feridas.

De um tempo para cá, a Ucrânia dá a entender em suas comunicações que não possui sistemas de defesa antiaérea, e na quinta-feira não foi exceção: ao relato detalhado, com fotografias do ataque contra os caminhões da Cruz Vermelha, soma-se que o comando militar revelou que não conseguiu derrubar cerca de 20 drones, e Zelensky divulgou imagens dos danos causados por um míssil russo a um cargueiro que transportava cereais em “águas territoriais da Romênia (membro da Otan)” no mar Negro.

Novas incursões ucranianas em território russo

O Ministério Russo da Defesa assegurou que, ao longo da sexta-feira (13), rejeitou cinco tentativas das tropas ucranianas de cruzar a fronteira russa. Já canais pró-Kremlin sustentam que unidades de reforço da Ucrânia haviam cruzado dois dias antes e, segundo o Deep State, a principal fonte extraoficial da Ucrânia sobre o que se passa no front de combate, “ocuparam Vetreno, Durovka e parcialmente Zhuravli”.

A unidade de drones ucraniana Jorne Group afirma que ingressaram em território russo a partir de um novo ponto da fronteira e puderam avançar “quilômetros dentro da Rússia”. Como evidência, publicaram no Telegram um vídeo que mostra as tropas ucranianas supostamente nas proximidades da localidade de Veseloye.

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O canal Dos Maiores, que apoia a operação militar especial, reconheceu ainda no sábado (13) que “o inimigo está se fortificando em Veseloye”, enquanto Rybar, próximo à inteligência militar russa, informou que os ucranianos utilizam a localidade de Novy Put “como ponto intermediário onde suas unidades de assalto se preparam para entrar em combate em Veseloye”.

A intensidade dos combates, conforme o canal Notas de um Veterano, “é comparável à dos combates dos primeiros dias da incursão ucraniana em Kursk”.

A informação oficial de Moscou foi a seguinte: “continuou a contraofensiva do nosso exército, que derrotou as tropas ucranianas em áreas próximas às localidades de Liubimovka, Daryno, Nikolayevo-Daryno e Pokrovsky”. Esses pequenos povoados se encontram a leste da linha convencional da sua contraofensiva.

Vadim Misnyk, porta-voz do grupo táctico-operativo Siver, do exército ucraniano, afirmou também no sábado: “a Rússia tinha cerca de 11 mil efetivos quando começou a operação Bagration (código da incursão ucraniana), e segundo diversas estimativas, transferiu de outras frentes entre 30 e 45 mil soldados que tentam frear nossa ofensiva”.

Já o departamento castrense russo reportou na última quinta-feira a libertação de dez localidades: Apanasovka, Viajovo, Vishnievska, Viktorovka, Vnezapnoye, Gordeyevka, Krasnooktiabrskoye, Obujovka, Snagost e Oktiabr-10.

Há especialistas que discordam dessa informação, devido, por exemplo, ao fato de que Gordeyevka está na mesma fronteira, o que significaria que o exército russo logrou em dois dias avançar 23 km ao sul de Korenevo. Até o momento não há vídeos ou fotografias que o confirmem.

O Instituto para o Estudo da Guerra, organização estadunidense conhecida pela sigla em inglês ISW, divulga todos os dias mapas das áreas onde se registram combates com base em imagens por geolocalização. O grupo assinalou que até agora só encontrou evidências da presença russa em Snagost e Krasnooktiabrskoye. Porém, em outras frentes, o ISW detectou “avanços paulatinos” das tropas russas no leste de Toretsk e ao sudeste de Pokrovsk, assim como ao sudoeste de Chasiv Yar.

O comando militar da Ucrânia, em seu boletim de guerra vespertino, informou que no sábado suas unidades repeliram 27 vezes os ataques russos na zona de Kurajove.

Na quinta-feira (12), o Ministério Russo da Defesa afirmou: “durante as últimas 48 horas, como resultado da contraofensiva de nossas unidades, foi possível liberar dez localidades”. Assim, o órgão deu a entender que as tropas de reforço que chegaram a Kursk atacaram as posições que o exército ucraniano mantinha em uma espécie de língua no distrito de Glushkovo dentro do território que ocupa desde 6 de agosto nessa região russa.

Por outro lado, vários blogueiros pró-Kremlin divulgaram mensagens de preocupação no sentido de que uma ou duas brigadas da reserva ucraniana cruzaram a fronteira e estão atacando na retaguarda dos soldados russos em Glushkovo. Se isso for verdade, opinam especialistas, os que estariam em risco de acabar cercados seriam os russos.

40 dias da invasão ucraniana em Kursk

Mais de um mês depois de levar a guerra ao território internacionalmente reconhecido como parte da Rússia, as tropas da Ucrânia que controlam uma área de 1.300 km² e cerca de 100 localidades da região de Kursk, concordam os analistas, não conseguiram expulsar os militares russos entrincheirados em Glushkovo e Korenovo.

Isso, em sua opinião, complica o plano do comando militar ucraniano de fechar o cerco das tropas russas posicionadas ao longo de 70 km da fronteira com a região ucraniana de Sumy, limitadas ao norte pelo curso do rio Seim e suas três pontes destruídas.

Ao mesmo tempo, a instalação provisória de pontes de pontão possibilitou a chegada de reforços russos com unidades de fuzileiros navais da Frota do Pacífico e paraquedistas. Nesse contexto, blogueiros russos pró-Kremlin publicaram nas redes sociais um vídeo que mostra uma coluna de oito veículos blindados, entre tanques e carros, avançando de Korenevo, até recentemente sob controle ucraniano, por uma estrada em direção à localidade de Snagost.

O projeto Deep State, porta-voz extraoficial dos militares ucranianos, reconheceu na quarta-feira (11) que, “de fato, a situação no flanco esquerdo de nosso contingente em Kursk piorou. O exército russo começou a atacar ali, após passar veículos blindados do outro lado do rio Seim”.

Isso animou o canal Rybar, próximo à inteligência militar russa, a proclamar que “os contra-ataques russos já começaram no distrito de Korenevo, em Kursk”, o que, na opinião do analista militar Yan Matveyev, “é lógico, pois visa desbloquear o distrito de Glushkovo e, ao mesmo tempo, está bastante longe do centro de fornecimento logístico das tropas ucranianas em Kursk, que passa pela estrada que atravessa Sudzha, e está mais protegido”.

O especialista militar da BBC de Londres, Ilia Abyshev, considera que se as unidades russas conseguirem chegar às localidades de Liubimovka e Novoivanovka, o grosso das tropas ucranianas na zona de Korenevo ficaria em uma situação vulnerável.

Para Aleksandr Musiyenko, diretor do Centro de Pesquisas Militares e Jurídicas de Kiev, o comando militar ucraniano sabia que, mais cedo ou mais tarde, ainda mais com a “Rússia tendo que mover cerca de 35 mil soldados de outras partes do front”, teria que enfrentar contra-ataques russos e, por isso, “se preocupou em reforçar os flancos e garantir a logística da operação”.

Por outro lado, a entrevista que o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Serguei Shoigu, concedeu na terça-feira ao Rossiya-24, o canal de notícias da televisão pública russa, indignou os mais fervorosos partidários da operação militar especial, que não pouparam adjetivos em seus comentários nas redes sociais.

Shoigu, que com suas declarações quis sair da espécie de ostracismo em que se encontrava desde que deixou o cargo de Ministro da Defesa e cujos colaboradores mais próximos estão em prisão preventiva por acusações de corrupção, em relação à incursão ucraniana em Kursk, afirmou que “até que os tiremos (os ucranianos) de nosso território, não vamos negociar nada com eles”.

O canal de Telegram Ação Direta Z lembrou-lhe: “Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk já constam em nossa Constituição como novas regiões, mas esse alto funcionário até agora não as considera parte integrante da Rússia”, e outros blogueiros, como o autor de Império, que está muito irritado, fizeram eco ao dizer que, “aparentemente, Shoigu não tomou conhecimento das emendas à Carta Magna”.

Shoigu revelou que, antes de invadir o território russo, Kiev propôs a Moscou, através de Ancara, “assumir o compromisso recíproco de não atacar a infraestrutura energética, as plantas atômicas e a frota mercante no mar Negro, uma iniciativa que nosso presidente (Vladimir Putin) aceitou”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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