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Foto: Presidência da Ucrânia / Flickr

Ucrânia: mercenários, Sul Global e a manipulação midiática sobre Kursk

Mídia a serviço das potências ocidentais faz de conta que as ações da Ucrânia em Kursk têm alguma chance de mudar a realidade da guerra e o êxito do exército russo
Pablo Jofré Leal
Al Mayadeen Net
Santiago del Chile

Tradução:

Ana Corbisier

Os meios de comunicação, hegemonizados pelas potências ocidentais, apresentam a situação atual no front de guerra na Europa oriental, como um cenário onde as forças de Washington, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e do regime ucraniano — testa de ferro na política de máxima pressão contra a federação russa — estão alcançando resultados que pontificam como positivos.

A realidade dista muito das pretensões dos aliados contra a Rússia. A fracassada incursão das forças de Kiev na região russa de Kursk, especificamente no distrito de Korneev, com o objetivo de desviar recursos militares do exército da federação russa em defesa desta zona (o que era o objetivo de Kiev), não alterou o contínuo progresso do exército russo e dos grupos aliados na região do Donbass. Um avanço que não só se mantém firme, como concretizou uma frente impossível de fragmentar por parte do regime de Kiev e de seus padrinhos. A Rússia já conta com o controle quase absoluto da região de Donetsk, que será efetiva com a tomada da estratégica cidade de Pokrovsk e de seus patrocinadores, principalmente Washington, junto com a França, Grã-Bretanha e Alemanha, envolvidos em cheio em uma guerra onde os grandes favorecidos são seus complexos militares industriais e as transnacionais energéticas de gás e petróleo.

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Hoje, as forças russas controlam o arco do território que vai desde Kherson, no sul, até as proximidades de Kharkov, no nordeste. Uma meia-lua firmemente controlada, por mais ofensivas que Kiev anuncie, segundo seja o grau de urgência de obter mais e mais armas do Ocidente, incluindo incursões em território russo a um custo humano desastroso para as exíguas forças militares ucranianas, cujos membros estão desertando aos milhares. A realidade é que o Donbass não tem possibilidade alguma de ser subjugado e se expressa em que os pontos de um hipotético acordo de paz implicam a impossibilidade de exigir este território por parte da Ucrânia, assim como a Crimeia ou outros interesses territoriais. Para a Rússia, não está em discussão o Donbass, e menos ainda a Crimeia, e sim o calendário do fim das hostilidades.

A beira do esgotamento

Os esforços do regime de Kiev para mobilizar a população, concretizar um senso de unidade mais amplo para enfrentar a Rússia – apoiados nessa ideia por Washington e a OTAN – mostram evidências claras de esgotamento. “Entramos em uma guerra longa, e nem as autoridades, nem as elites ofereceram às pessoas uma visão de como deveriam viver na Ucrânia em condições de guerra permanente ou em risco de guerra”, afirmou a meios de comunicação ocidentais Oleh Saakian, politólogo ucraniano cofundador da chamada “Plataforma Nacional para a Estabilidade e a Coesão” (1).

Os chamados dez pontos (2) para a paz de Kiev (criados nos escritórios de Washington e Bruxelas) não têm viabilidade alguma. Hoje, a discussão é de que maneira os pontos propostos pelo governo russo, que são os que se impuseram, se levam adiante em conversações que sejam reais. Inclusive em matéria de realizar uma cúpula internacional para a paz, onde, diferentemente daquela que se realizou na Suíça no passado mês de junho de 2024, sem a participação da Rússia, agora com toda lógica, se faça presente a federação russa.

Marcado em vermelho o território controlado pela Rússia e pelas Milícias Populares.

Estes pontos, elencados por Moscou em junho passado, estabelecem: a retirada de todas as tropas ucranianas dos territórios de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson. Em segundo lugar, a renúncia da Ucrânia a toda pretensão de ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). “Assim que Kiev declarar que está preparada para tal decisão… uma ordem de cessar-fogo e início de negociações se seguirá imediatamente de nossa parte; literalmente, no mesmo minuto”. E igualmente e como terceiro ponto e importância é garantir plenamente os direitos, liberdades e interesses dos cidadãos russo-falantes da Ucrânia e reconhecer as novas realidades territoriais: o status das repúblicas populares da Crimeia, Sebastopol, Donetsk e Lugansk e das regiões de Kherson e Zaporigia como súditos da Federação Russa. Igualmente, conta-se com uma proposta de paz de China e Brasil, desqualificada pelo regime de Zelensky por considerá-la favorável à Rússia (3). Uma proposta em que se enfatiza que o diálogo e as negociações “são a única solução viável para a crise na Ucrânia”.

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A realidade da guerra costuma ser desconhecida para o público latino-americano, bombardeado constantemente pela mídia dominada pelas grandes potências ocidentais, aliadas da Ucrânia. Uma região, que assim como o resto do mundo, sofre a censura da mídia russa ou daquela que mostra uma narrativa muito distinta à dos promotores da guerra e da política de cerco à Rússia. Meios de comunicação como Russia Today, Sputnik, a Agência TASS e outros meios russos sofrem um cerco midiático, censura ou diretamente a proibição de informar. A liberdade de expressão tão alardeada pelo Ocidente e suas referências, como Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha, simplesmente se comportam como um Tribunal da Inquisição e junto com as redes sociais sob sua orientação negam a possibilidade de informar-nos. Em 13 de setembro passado, o secretário de estado norte-americano Anthony Blinken acusou o Russia Today de ter vínculos com o serviço de inteligência russo. Uma maneira mais de invisibilizar aqueles meios de comunicação que não são favoráveis aos Estados Unidos.

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Essa política de manipulação e desinformação sobre o que acontece no Donbass é acompanhada por operações destinadas a influir nos organismos internacionais para intensificar a pressão contra a Rússia, implementar novos apoios financeiros e militares para incrementar o conflito e mesmo aproximar-se de países da África e da América Latina, para somá-los a um esforço no campo da russofobia. Não se deram bem neste plano, pois parte importante dos governos dos países dos continentes mencionados estão conscientes de que querem utilizá-los como se fez em outras guerras, onde os beneficiados são os grandes complexos militares industriais ocidentais. São os mesmos que hoje esfregam as mãos e enchem seus bolsos com as centenas de milhares de milhões de dólares que estão obtendo como lucros nesta guerra. Ao que se deve acrescentar a hipoteca da Ucrânia em matéria territorial e de recursos naturais.

Sul Global em outra direção

O chamado Sul Global está em outra direção, busca fortalecer vínculos, estreitar laços, ampliar, por exemplo, os membros dos BRICS, que terão sua próxima cúpula precisamente na Rússia, em Kazan, no mês de outubro. Os postulantes para aderir a este bloco de países são 34, o que mostra a esperança de sair da influência malsã deste Ocidente que usufruiu de nossos países em função de seus próprios objetivos de domínio. Existem exceções em nossos governos, como é o caso do governo chileno presidido por Gabriel Boric; o da Argentina, por Javier Milei, e o uruguaio, com Lacalle Pou, que pretendem tornar-se porta-vozes desta política a favor do regime ucraniano, manejada por Washington e Bruxelas. Apoiar as pressões contra a Rússia e estender os braços e sorrisos a Zelensky, cujo mandato presidencial terminou no passado mês de maio e que só se mantém em função do decreto-lei marcial.

Luis Lacalle Pou, Gabriel Boric e Zelensky.
Javier Milei e Volodimir Zelensky.

É evidente e certamente perigoso o propósito estadunidense de atrair a região latino-americana para a ideia de apoiar econômica e militarmente a Ucrânia. Decisão que não deterá o conflito como pretendem os meios de comunicação ocidentais, em apoio aos grandes conglomerados militares que multiplicaram seus lucros com esta guerra, e sim a prolongará ainda mais. Incrementará o número de vítimas, sobretudo no setor ucraniano e com isso a destruição, ainda mais profunda, das infraestruturas e serviços básicos deste país a poucos meses do início de um cruento inverno.

Igualmente, é impossível seguir aceitando que mercenários latino-americanos sejam atraídos pelo governo ucraniano, usando-os como carne de canhão. Lia-se em um artigo há apenas um ano: “O exército ucraniano tem dois tipos de mercenários para contratar na guerra que a OTAN e Washington levam a cabo em seu território contra a Rússia. Um, o pessoal preparado que sabe manejar os equipamentos e tecnologias mais avançadas, proporcionadas pelas potências ocidentais, e que costumam ser oficiais dos próprios países da OTAN, e, por outro lado, uma grande massa de “carne de canhão” que é lançada no campo de batalha, terminando seus dias com alguns dólares em suas contas, mas no final da jornada, como um número mais nas enormes baixas nas fileiras das forças do regime de Kiev. Entre estes últimos se encontram, precisamente, os mercenários latino-americanos” (4).

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Colômbia aprova restrições

O governo colombiano apresentou no princípio deste mês de setembro ao Congresso do país um projeto de lei para prevenir o recrutamento de colombianos como mercenários, e foi aprovada a “Convenção internacional contra o recrutamento, a utilização, o financiamento e o treinamento de mercenários”, estabelecida pela ONU em 1989, de que a Colômbia não fazia parte (5).

Em numerosos informes públicos e entregues a organismos internacionais, o governo russo, por meio de seu Ministério da Defesa, denunciou que cerca de 80 países, utilizando até mesmo suas representações diplomáticas como agências de emprego, tem nacionais contratados como mercenários na Ucrânia. Foi registrado que entre os países latino-americanos que mais combatentes forneceram a esta coleção de tropas contra a Rússia destaca-se a Colômbia – de longa tradição neste assunto, incluindo assassinos de aluguel. Da América Latina também viajaram mercenários argentinos e brasileiros. Da chamada Legião Internacional de defesa territorial da Ucrânia, criada pelo governo do regime de Zelensky e formada no início por pelo menos 20 mil mercenários, calcula-se que foram eliminados 50%.

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O chamado para contratação deste tipo de combatentes começou apenas uma semana depois do início da operação militar de desnazificação e desmilitarização da Ucrânia, como a denomina a Rússia. Este chamado foi feito pelo ex-ministro de relações exteriores Dmytro Kuleba utilizando o mecanismo de pôr-se em contato com o Agregado de Defesa da Embaixada da Ucrânia nos países onde seus mercenários quisessem ser parte remunerada desta guerra, uma ideia que foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação ocidentais, que propiciam e apoiam esta iniciativa destinada a proporcionar carne de canhão latino-americana à Ucrânia, a preços muito mais baixos do que os cobrados pelas empresas contratistas estadunidenses ou europeias, mas que resulta um estímulo porque representa muito mais dinheiro do que o que recebem em seus países (6).

Terroristas a serviço da Ucrânia

Acrescentemos a isso a denúncia feita pelo chanceler russo Serguei Lavrov, que afirmou que os serviços especiais da Ucrânia recrutam terroristas islâmicos para organizar e realizar atentados contra as forças dos governos de vários países. Em uma reunião dedicada à crise ucraniana, o chanceler russo afirmou que o regime de Kiev não só se aproveita do apoio de seus “patrocinadores ocidentais”, como também tenta envolver de forma muito ativa radicais islâmicos em suas atividades terroristas (7). Tal é o caso da organização terrorista que atua na Síria contra o povo deste país e o governo de Bashar al Assad.

Milicianos do grupo terrorista Hayat Tahrir al Sham. Anas Alkharboutli/ picture alliance/ Gettyimages.ru

Não se trata de lutar pela Ucrânia por ideologia ou por uma suposta defesa da humanidade e de seus valores ocidentais, é simplesmente o vil metal e, diante disso, para estes mercenários há duas possibilidades: a morte ou ser feito prisioneiro. Questão advertida pelo governo russo não só a estes mercenários latino-americanos, terroristas vindos dos grupos takfiri na Síria, Iraque, Líbia, mas também àqueles supostos especialistas e assessores militares de países europeus que serão considerados como mercenários e, portanto, julgados sumariamente na hora de sua detenção, como já se fez em ocasiões amplamente divulgadas desde o início da guerra na Ucrânia (8).

Notas

1. https://www.dw.com/es/los-ucranianos-est%C3%A1n-dispuestos-a-negociaciones-de-paz-con-rusia/a-69693236

2. Ucrania habla de diez puntos que no son negociables y que hacen imposible llegar a un acuerdo. Puntos que incluso sus propios aliados tratan de disminuir en sus ambiciones. Cuáles son esos puntos: seguridad nuclear, seguridad alimentaria, seguridad energética; liberación de todos los detenidos; implementación de la Carta de la ONU y volver a las antiguas fronteras; retirada de Rusia y cese de las hostilidades; justicia; protección del medio ambiente; prevención de la escalada; confirmación del fin de la guerra. https://legrandcontinent.eu/es/2022/11/18/el-plan-de-paz-de-zelensky/

3. https://actualidad.rt.com/actualidad/522579-zelenski-lula-proruso-brasil-china

4. https://militarywatchmagazine.com/search/patriot/1/24

5. https://actualidad.rt.com/actualidad/522640-cancilleria-colombia-mercenarios-detenidos-rusia-ucrania

6. El medio Euronews en un artículo sobre este tema de los mercenarios señala que el dinero sería la razón y el argumento principal, como explica Héctor Bernal, médico combatiente retirado: “Aquí -en el ejército colombiano- un soldado profesional que lleva seis años en la institución no gana más de 600 dólares (558€ aproximadamente), lo que no es absolutamente nada para estar expuesto 24 horas en la selva, mientras que ese mismo soldado en Ucrania cobra entre 3.000 y 4.000 dólares (cerca de 3.000 y 4.000€). Entonces la motivación es realmente económica y eso es lo que ellos me han dicho a mí”. https://es.euronews.com/2024/02/08/el-ejercito-de-ucrania-contrata-mercenarios-colombianos.

7. https://actualidad.rt.com/actualidad/522582-kiev-reclutar-terroristas-siria-atentados-africa

8. Un Tribunal Supremo de la República Popular de Donetsk condenó a muerte a dos prisioneros británicos de nombres Shaun Pinner y Aiden Aslin y al marroquí Braguim Saadun, acusados de ser mercenarios del Ejército ucraniano y luchar en contra de las tropas rusas.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pablo Jofré Leal Jornalista e escritor chileno. Analista internacional, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Complutense de Madrid. Especialista em temas principalmente da América Latina, Ásia Ocidental e Norte da África. Colaborador de várias redes de notícias internacionais. Criador do site de análise internacional ANÁLISIS GLOCAL www.analisisglocal.cl.

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