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Foto: Priscila Ramos/MST (@cylabg)

“Carta de São Paulo” traça estratégia para comunicação e integração latino-americana; confira

Documento foi criado ao fim do Seminário Internacional Comunicação para a Integração, promovido pelo Barão de Itararé e IPS
Tatiana Carlotti
Centro de Estudos Barão de Itararé
São Paulo (SP)

Tradução:

Em meio ao ataque das grandes empresas de tecnologia contra a soberania dos países do Sul Global e frente à escalada da extrema-direita na América Latina, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em parceria com a Inter Press Service (IPS), promoveu nos dias 20, 21 e 22 de setembro de 2024, o Seminário Internacional Comunicação para a Integração.

O evento, que contou com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), foi sediado na Casa Popular do MST.

Foto: Priscila Ramos/MST (@cylabg)

Foram três intensos dias de debates sobre a integração regional, também do ponto de vista comunicacional, a partir de diagnósticos e ideias levantadas por jornalistas, comunicadores e pesquisadores.

O evento reuniu 70 pessoas presencialmente e mais 20 de maneira remota. Ao todo, participaram do evento representantes de 11 países: Brasil, Argentina, Colômbia, México, Chile, Uruguai, Bolívia, Cuba, Venezuela, Paraguai e Peru. Entre presenciais e remotos, os seguintes estados brasileiros foram representados: Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal.

Juntos, os participantes aprovaram a Carta de São Paulo (confira a íntegra ao fim da matéria), com mais de 20 prioridades a serem trabalhadas conjuntamente – entre elas, a constituição de uma Comissão de Comunicação para a Integração, responsável por dar sequência aos encaminhamentos do Seminário e articular o conjunto de comunicadores, veículos e movimentos interessados neste processo.

Transmitido online pelo Canal do Barão, TVT, Tutaméia, Brasil de Fato RS, Viomundo, Jornal GGN e Diálogos do Sul Global, o seminário abordou três temáticas principais: os desafios da democracia na América Latina; as experiências e os desafios da comunicação pública e comunitária; a soberania digital, a regulação das plataformas e o combate à desinformação; e como fortalecer as mídias independentes e disputar ideias diante das novas tecnologias.

Primeiro debate

Foto: Priscila Ramos/MST (@cylabg)

A primeira mesa, de caráter mais conjuntural e coordenada pelos jornalistas e diretores do Barão de Itararé, Felipe Bianchi e Carlos Tibúrcio, debateu os desafios da democracia na América Latina, abordando as implicações da revolução tecnológica, a soberania digital, os ataques da extrema-direita e as limitações da democracia real no continente.

Participaram do debate Fernando Morais, o escritor e presidente da IPS no Brasil; Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil; Javier Tolcachier, jornalista da agência Pressenza e articulador do Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América (FCINA); Monica Valente, secretária-executiva do Foro de São Paulo; Patrícia Villegas, jornalista colombiana e presidente da Telesur; e o anfitrião do evento João Paulo Rodrigues, coordenador do MST.

Leia mais sobre o primeiro debate aqui.

Segundo debate

Coordenada pelos jornalistas e diretores do Barão de Itararé, Rita Casaro e Laurindo Lalo Leal Filho, a segunda mesa debateu as experiências e os desafios da comunicação pública e comunitária, abordando, entre outros temas, a reconstrução da EBC e seus desafios, a experiência da comunicação comunitária e pública na Argentina, Chile, Peru e Paraguai.

Foto: Priscila Ramos/MST (@cylabg)

Participaram presencialmente do debate Fernando Rosa, jornalista, Gerente Executivo da Agência Brasil, Radioagência e Radiojornalismo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC); Monica Valdés, jornalista, antropóloga e vice-presidente da Associação Mundial de Rádios Comunitárias na América Latina e no Caribe (Amarc AL); Fresia Ramírez Inostroza, presidente da Associação Nacional de Comunicadores e Mídias Independentes e Comunitárias do Chile (Anamic), diretora do Tomate Rojo e produtora na Rádio JGM; e  Laurindo Lalo Leal Filho, jornalista, cientista político, professor, diretor do Barão de Itararé.

Remotamente, participaram da discussão Hugo Ramírez, comunicador popular, pesquisador e presidente do Centro de Comunicação Amakella; e Pablino Cáceres, diretor da Rádio Universidad na Universidad Nacional de Pilar e ex-ministro da Secretaria de Ação Social do Paraguai.

Leia mais sobre o segundo debate aqui.

Terceiro debate

A terceira mesa, coordenada pelos membros do Barão, Larissa Gould e Anderson Moraes (Jornal Empoderado) debateu a soberania digital, a regulação das plataformas e o combate à desinformação e esmiuçou, entre outros temas, o mercado da desinformação, o colonialismo digital,

Foto: Priscila Ramos/MST (@cylabg)

a liberdade de expressão e a regulação democrática das plataformas digitais, a inteligência artificial e os desafios na garantia dos direitos humanos na rede.

Participaram da discussão Ergon Cugler, membro do Barão de Itararé e pesquisador em estratégias de enfrentamento à desinformação no Instituto Brasileiro de Informação para a Ciência e Tecnologia (Ibict); Orlando Silva (Brasil), deputado federal (PCdoB-SP), ex-ministro do Esporte e ex-relator do PL2630; Betiana Vargas, pesquisadora na Universidad Autónoma de Zacatecas e analisa internacional; e Fabián Werner, diretor do Sudestada, presidente do Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (Cainfo) e do Comitê Coordenador da Rede de Intercâmbio para a Liberdade de Expressão na América Latina e no Caribe (IFEX-ALC).

Leia mais sobre o terceiro debate aqui.

Quarto debate

Sob a coordenação da jornalista e membro do Barão de Itararé, Vanessa Martina (Diálogos do Sul Global), a quarta mesa do seminário debateu as experiências de comunicação comunitária na Argentina e na Bolívia e a atual situação política desses países; e as experiências de Cuba e da Venezuela na construção de uma comunicação popular e alternativa visando romper o cerco da imprensa corporativa, dentro e fora destes países.

Foto: Priscila Ramos/MST (@cylabg)

Participaram presencialmente do seminário a jornalista argentina Úrsula Asta, integrante do coletivo dirigente da Rádio Gráfica, radialista na Sputknik e assessora de políticas públicas; e advogada feminista da Bolívia Canela Crespo, integrante da Casa Tomada – Coletivo Comunicacional de Esquerda. Remotamente, de Cuba, participou o jornalista Alcides García, diretor da produtora audiovisual Videos Crisol, integrante da Rede de Educadoras e Educadores Populares da Associação Centro Martin Luther King e ex-coordenador da Secretaria de Comunicação da Secretaria Operativa de Articulação Continental de Movimentos Sociais rumo à ALBA (2015 a 2022). E da Venezuela, a politóloga Jennifer Mujica, criadora de conteúdo digital para o El Mundo Al Revés e para a agência Venezuela News.

Leia mais sobre o quarto debate aqui.

Propostas e caminhos

Após dois dias de debates, foi aprovada a Carta de São Paulo (confira o documento abaixo) que reúne uma série de ações voltadas à criação das condições efetivas de integração da comunicação entre os países da região.

Além da Carta, também foi formalizada a criação da Comissão de Comunicação para a Integração, com a missão de dar continuidade às reflexões compartilhadas no Seminário, articular as propostas aprovadas na Carta de São Paulo e manter ativa a rede construída durante o evento. Confira a composição da Comissão:

  • Felipe Bianchi (Brasil), jornalista do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e da ComunicaSul
  • Beto Almeida (Brasil), fundador do Jornal Brasil Popular, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), diretor-fundador TV Comunitária de Brasília e membro da junta diretiva da TeleSUR, além de apresentador no canal multiestatal
  • Vanessa Martina-Silva (Brasil), diretora de redação da Diálogos do Sul Global e jornalista da ComunicaSul
  • Betiana Vargas (Argentina/México), analista internacional e pesquisadora na Universidade Autônoma de Zacatecas
  • Canela Crespo (Bolívia), advogada feminista e integrante da Casa Tomada – Coletivo Comunicacional de Esquerda
  • Alcides García (Cuba), jornalista, realizador audiovisual (Videos Crisol), integrante da Rede de Educadoras e Educadores Populares da Associação Centro Martin Luther King
  • Pablino Cáceres (Paraguai), ex-ministro da Secretaria de Ação Social do Paraguai, membro da Rádio Universidad na Universidad Nacional de Pilar e representante da Voces Paraguay
  • Hugo Ramírez (Peru), comunicador popular no Centro de Comunicación Amakella
  • Fresia Ramírez Inostroza (Chile), presidente da Associação Nacional de Mídias Independentes e Comunitárias do Chile (Anamic), diretora do Tomate Rojo e editora da Rádio JGM
  • Mónica Valdés (Colômbia), jornalista, antropóloga e vice-presidente da Associação Mundial de Rádios Comunitárias na América Latina e Caribe (Amarc AL)
  • Fabián Werner (Uruguai), diretor do Sudestada, presidente do Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (Cainfo), presidente do Comitê Coordenador da Rede de Intercâmbio para a Liberdade de Expressão na América Latina e no Caribe (IFEX-ALC) e pesquisador na Instituição Nacional de Direitos Humanos para a Busca de Pessoas Detidas e Desaparecidas pelo Terrorismo de Estado

Confira na íntegra o documento resultante do Seminário:

CARTA DE SÃO PAULO

Desafio histórico e permanente para a região, a integração a partir de uma perspectiva de soberania, desenvolvimento e justiça social, se vê diante de novos obstáculos. 

Para a manutenção de seus privilégios em um continente atravessado pelas desigualdades, a classe dominante sempre contou com um poderoso aparato ideológico que atua como seu verdadeiro partido: os meios de comunicação. Mais que isso, um modelo altamente concentrado nas mãos de poucas famílias que fabricam matrizes de opinião e impõem uma espécie de pensamento único, bloqueando a diversidade e a pluralidade de informações e ideias.

Se antes a concentração do poder político na mão de elites coloniais, respaldada pelo monopólio (ou pelos oligopólios) informativo, interditava qualquer projeto com viés progressista, esse cenário mudou. 

Os povos da região elegeram governos democráticos e populares, obtiveram conquistas sociais sem precedentes e esboçaram a construção de uma nova institucionalidade através de mecanismos inéditos para a integração. 

A Internet e suas potencialidades democratizantes também ensejaram um terreno fértil para a disputa de ideias antes dominada por poucos atores – ainda que se faça necessário salientar que a desigualdade no acesso à ainda é gritante na América Latina.

O caldo da reação dos que se julgam donos do poder traz um cenário complexo, que exige reflexão e ação imediatas. Como consequência das transformações políticas, sociais e tecnológicas, os detentores do poder econômico parecem não ter constrangimento em bancar a ascensão de forças políticas com forte inclinação fascista para imporem e aprofundarem a sua agenda econômica. 

A Internet, tão importante para democratizar a produção, difusão e o acesso à informação, se vê cerceada por corporações que reproduzem a lógica monopólica – a mais alta expressão desse cenário são as chamadas “big techs”.

Se antes os barões da mídia exerciam o papel de sustentáculo ideológico desses setores, agora nos vemos também diante de uma sofisticada indústria de desinformação e de discurso de ódio, vitaminadas por essas plataformas digitais que lucram com algoritmos que só seus donos conhecem e que têm causado danos às democracias na América Latina e no mundo.

Partindo da ideia de que muitos dos desafios colocados são compartilhados entre os povos e países vizinhos, acreditamos que a comunicação é fundamental para enfrentarmos essas problemáticas comuns.

A disputa de ideias diante deste novo contexto exige maturidade para que não apenas tenhamos a comunicação como uma ferramenta para informar, pautar e pressionar pela agenda da integração regional, mas também para promover a ideia e a prática de que a integração também precisa ser comunicacional, estabelecendo redes, parcerias e mecanismos de cooperação entre as mídias independentes, populares e comunitárias empenhadas neste processo.

Por isso, nós, reunidos no Seminário Internacional de Comunicação para a Integração, acreditamos que é preciso estabelecermos as seguintes prioridades para trabalharmos em conjunto:

    • Compreender que os esforços para fortalecer a integração informacional e comunicacional passa impreterivelmente pela construção da unidade na diversidade, com inegociável respeito às naturais diferenças em nossas visões, posições e as particularidades de cada processo e cada contexto político local;
    • Definição de uma Comissão de Comunicação para a Integração, que conduza os encaminhamentos do Seminário Internacional e articule o conjunto de comunicadores, veículos e movimentos interessados neste processo 
    • Fortalecer a luta pela democratização da comunicação e pelo fortalecimento das mídias independentes, comunitárias e populares em nossos respectivos países;
    • Encampar a luta pelo fortalecimento da Comunicação Pública e contra o desmonte dos veículos e sistemas públicos em países nos quais estão sob ataque;
    • Intensificar a agenda da integração regional em nossos respectivos meios de comunicação e ambientes de ativismo digital;
    • Construir mecanismos de cooperação e colaboração com o compartilhamento mútuo de conteúdos jornalísticos, bem como traduções de artigos e reportagens originais para promover a integração informacional e comunicacional entre os veículos e coletivos interessados na iniciativa
    • Encampar o debate e a agenda da regulação das plataformas (big techs) como elemento fundamental para a defesa da democracia e da soberania em nossos países
    • Encampar a pauta da soberania digital em nossa produção jornalística
    • Promover o combate à desinformação dando visibilidade às iniciativas e estudos em curso no continente
    • Conhecer e fortalecer o Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América (FCINA)
    • Intensificar a agenda da integração regional em nossos respectivos meios de comunicação e ambientes de ativismo digital
    • Promover em nossos meios a necessidade de defender a paz na região, segundo a definição da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) de sermos uma região de paz, rechaçando bases militares estrangeiras e a ameaça de guerra mundial
    • Fortalecer a ideia de alianças público-comunitárias, aproveitando a produção das mídias comunitárias para fornecer material a ser veiculado nas redes públicas já constituídas na região
    • Em países com governos progressistas, democráticos e populares, pressionar por políticas de financiamento das mídias independentes e comunitárias, repartindo a verba publicitária
    • Colaborar, incentivar e apoiar a construção de uma plataforma digital pública, com infraestrutura sustentada pelos Estados nacionais latino-americanos comprometidos com uma comunicação plural, diversa, democrática e transparente, sujeita às regras comuns destes países para o mundo digital e focada na defesa do Estado Direito
    • Defender a TeleSur, canal multiestatal com 19 anos de história, fundamental para democratizar a comunicação no continente
    • -Pressionar pela implementação dos Canais da Cidadania no Brasil
    • Pleitear editais para iniciativas de comunicação junto ao Banco dos BRICS
    • Criação de um grupo em aplicativo de mensageria com os participantes do Seminário para compartilhar experiências, oportunidades e capacitação para a aplicação em editais e outras políticas de fomento às mídias independentes e aos comunicadores populares
    • Fortalecer uma agenda conjunta e integrada, em nível de América Latina, para fortalecer o dia 18 de outubro – Dia Internacional da Democratização da Comunicação
    • Trabalhar na articulação, enquanto BRICS, no tema da soberania digital
    • Investir na aprendizagem dos idiomas português e espanhol em nossas organizações e articulações, visando minimizar a barreira linguística no processo de integração

São Paulo, 22 de setembro de 2024.

* * *

O Barão de Itararé agradece às seguintes entidades pelo apoio ao evento:

– Sindicato dos Bancários da Bahia
– Sindicato dos Bancários do Ceará
– CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
– SindMotoristas SP – Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transportes Rodoviário e Urbano de São Paulo
– Sindicato dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro
– CPERS Sindicato – Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul
– CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
– Fecosul – Federação dos empregados no comércio do Rio Grande do Sul
– Fenepospetro – Federação nacional dos empregados em postos de serviços de combustíveis e derivados de petróleo
– Fequimfar – Federação dos trabalhadores nas indústrias químicas e farmacêuticas do estado de São Paulo
– Fetec – Federação dos trabalhadores em empresas de crédito de São Paulo
– Fundação Mauricio Grabois
– Força Sindical
– FUP – Federação Única dos Petroleiros
– Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região
– SindSaúde – Sindicato dos Trabalhadores em saúde do estado da Bahia
– Sinjusc – Sindicato dos Trabalhadores do poder judiciário do estado de Santa Catarina
– Sinpro MG – Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais
– UGT – União Geral dos Trabalhadores


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Tatiana Carlotti

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