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Padre Marcelo Pérez (Foto: Reprodução / Facebook

Marcelo Pérez, padre indígena assassinado no México, sofreu ameaças e não recebeu proteção

Lutador incansável pela paz, Padre Marcelo Pérez defendia que a igreja fosse defensora da justiça e dos povos; Governo do México não concedeu proteção necessária
Luis Hernández Navarro/La Jornada
La Jornada
Cidade do México

Tradução:

Guilherme Ribeiro

O covarde assassinato, no último domingo (20), do padre Marcelo Pérez Pérez, pároco de Nossa Senhora de Guadalupe, em San Cristóbal de las Casas, Chiapas, é, como escreveu o poeta Miguel Hernández, “uma bofetada dura / um golpe gelado / uma machadada terrível” contra o mundo indígena de Chiapas e a causa da paz.

Tsotsil de Chichelalhó, San Andrés Sacam’chen de los Pobres, o padre Marcelo, defensor da vida, nasceu em 17 de janeiro de 1974, em uma família camponesa com 11 irmãos, na qual seus pais não sabiam ler nem escrever. Estudou cinco anos em um internato e se formou na muito conservadora diocese de Tuxtla Gutiérrez. Em 6 de abril de 2002, o bispo de San Cristóbal, Felipe Arizmendi, o ordenou sacerdote. No momento de seu homicídio, era um dos seis presbíteros indígenas trabalhando na diocese.

Era, apesar de sua simplicidade e humildade, uma luminosa estrela nas comunidades. Conhecia profundamente as entranhas de cada conflito e processo associativo dos Altos.

Além dos que o procuravam em busca de conselho ou orientação, centenas lhe pediam ajuda para resolver questões pequenas, médias e grandes, pessoais e políticas, desde libertar alguém preso injustamente ou resgatar uma mulher tirada violentamente de sua comunidade, até defender os últimos pântanos de San Cristóbal.

A trajetória de Padre Marcelo Pérez

O padre Marcelo se tornou sacerdote no calor do florescimento da reconstituição dos povos originários. Coube a ele exercer o sacerdócio quando o tecido comunitário começou a se desintegrar. Assim, devido à sua natureza e entendimento, assumiu a liderança nos graves conflitos sociais que abalaram San Andrés, Simojovel, Chenalhó, Chalchihuitán, El Bosque, Bochil, Pantelhó e Huitiupán.

Suas raízes e liderança lhe permitiram fazer na região o que para outros religiosos, provenientes de diferentes contextos culturais e regiões, seria mais difícil. Sua capacidade de se mover dentro da diocese era enorme, e a autoridade e o respeito concedidos a ele na diocese de Tapachula eram inquestionáveis.

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Estava sempre atento à sua mãe, ao seu povo, aos seus irmãos da Serra e da Fronteira, ameaçados pelo crime organizado. Formado inicialmente em um ambiente conservador, o massacre de Acteal, em que paramilitares assassinaram brutalmente 45 integrantes de Las Abejas que oravam pela paz, o iluminou, o transformou e o levou a trilhar outros caminhos junto aos indígenas, professores democráticos, vítimas da violência e do deslocamento forçado.

Conectou seu coração aos povos. Como narrou a Raúl Zibechi em Ojarasca: “Tive medo e pude ver que em Acteal as pessoas são livres. Sou pastor, mas as ovelhas são muito valentes. Juntei-me a elas para denunciar a impunidade e lutar contra o projeto de Cidades Rurais do governo de Juan Sabines”.

Sua vocação e habilidade para evangelizar davam frutos inesperados. A última paróquia a que foi designado, a do Bairro de Guadalupe, é um símbolo para os autênticos devotos, conhecidos por seu conservadorismo. Embora na periferia oriental da cidade atuem Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o padre Marcelo realizou a façanha de formar, entre os fiéis não progressistas de sua paróquia, comitês de paz, separados das CEB.

No último dia 20 de outubro, durante o trajeto de seu féretro da promotoria até Guadalupe, muitos paroquianos estavam genuinamente comovidos. Na igreja, se despediram dele com um coro infantil.

“Aparecida 2007: luzes para a América Latina”

O padre Marcelo nunca se assumiu como parte da teologia da libertação. Seu horizonte vinha do documento de “Aparecida 2007: luzes para a América Latina”, surgido da quinta Conferência Geral do Celam, que, em sua perspectiva, indicava que a Igreja deve ser advogada da justiça e defensora dos povos.

As linhas de ação do padre tinham quatro eixos: a realidade enfrentada, a palavra de Deus diante dela, a posição da igreja e os compromissos a serem assumidos. Afirmava: “Não basta rezar. Será que Jesus apenas rezou? Uma fé sem obras é uma fé morta. É preciso trazer a palavra de Deus para a Terra; ela tem repercussão na vida real.”

Advertia ao seu povo: “Vocês são a luz do mundo. São o sal da Terra. Se a luz está apagada, como iluminarão a vida econômica, política e social no dia a dia?” Entre muitas outras lutas, acompanhou a dos professores democráticos contra a reforma educacional de Enrique Peña. Caminhou em suas marchas, discursou em seus comícios e defendeu-os em suas homilias.

Em várias ocasiões, caciques, políticos e narcotraficantes tentaram matá-lo. Em outras, puseram preço em sua vida. Primeiro 150 mil pesos, depois 400 mil, na terceira vez um milhão. Os próprios sicários confessavam: “Padre, nós trabalhamos com isso. Mas matar um padre, não. Não quero manchar minhas mãos.”

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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ordenou ao Estado mexicano medidas cautelares a seu favor, que, claro, não foram cumpridas. A promotoria sabia quem planejava matá-lo.

Pérez sabia o risco que corria. “Se não é para acontecer, não acontece. Sei que a qualquer momento pode me acontecer algo. Mas minha fé é maior do que a minha morte. Vale a pena arriscar a vida pela paz,” observava.

Pela paz

Lutador incansável pela paz, seu ideário pode ser resumido em dois símbolos: uma peça de roupa e uma melodia. Vestia, como uma espécie de hábito civil, uma camiseta com a imagem estampada de monsenhor Óscar Arnulfo Romero, arcebispo metropolitano de El Salvador, assassinado em 1980 durante a celebração de uma eucaristia, canonizado em 2018. Sua canção favorita era “No basta rezar”, do grupo musical venezuelano Los Guaraguao.

Explicava a seus fiéis as profundas raízes de sua missão. “O sistema que temos quer violência, não justiça,” dizia. “Esse sistema não é humano. A paz nos une. É preciso buscar construir um sistema que nos humanize”.

Nesta segunda (21), seu povo sepultou o padre Marcelo em suas terras. Seu assassinato deixa uma enorme dor e vazio. São dias de luto para os povos originários e de inquietação para Chiapas.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Luis Hernández Navarro/La Jornada

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