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ToggleO presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, está preparando uma campanha contra as comunidades muçulmanas e outros estrangeiros que vivem no país e são críticos das políticas estadunidenses, especialmente do apoio incondicional a Israel.
Mike Waltz, que será o Assessor de Segurança Nacional da Casa Branca no governo Trump, confirmou recentemente que a nova administração está planejando um esforço amplo para investigar “mesquitas, indivíduos, universidades e professores que representem uma ameaça aos Estados Unidos e que estejam radicalizando pessoas para prejudicar o país”.
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Em entrevista à Fox News, Waltz repetiu as ameaças feitas inicialmente pelo presidente eleito, de que estrangeiros que protestarem contra as políticas estadunidenses serão deportados. “Se você está aqui com visto de estudante, com o privilégio de estudar em nossas universidades, não pode protestar nem se radicalizar. Você estará de volta ao seu país muito rapidamente”, afirmou.
Além das pessoas dentro dos Estados Unidos, Trump também declarou durante sua campanha que tinha a intenção de reinstaurar a proibição de visitantes de sete ou mais países com populações majoritariamente muçulmanas, que, segundo ele, defendem o “islã radical”. Muitas instituições estão levando essa ameaça muito a sério. Diversas universidades e faculdades estadunidenses alertaram seus estudantes estrangeiros a retornarem aos Estados Unidos antes da posse presidencial, em 20 de janeiro, temendo que, pouco depois dessa data, alguns estudantes e acadêmicos possam ser impedidos de voltar ao país.
Cristãos evangélicos conservadores
Alguns integrantes do novo governo são cristãos evangélicos conservadores com posições antimuçulmanas. O indicado por Trump para ser o próximo secretário de Defesa, Pete Hegseth, escreveu em seu livro Cruzada Americana que “depois dos comunistas chineses e suas ambições globais, o islamismo é a ameaça mais perigosa à liberdade no mundo. Não se pode negociar, coexistir ou dialogar com isso; é preciso expor, marginalizar e esmagar”.
Hegseth, que orgulhosamente tem tatuada em seu torso a Cruz de Jerusalém, o símbolo dos cruzados do século 11, acrescenta: “Assim como os cruzados cristãos que repeliram as hordas muçulmanas no século 7, os cruzados estadunidenses terão que reunir a mesma valentia contra os islâmicos de hoje em dia”.
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Após destacar suas referências às cruzadas cristãs, seus escritos antimuçulmanos e suas tatuagens, o Conselho de Relações Americano-Islâmicas (CAIR), uma organização estadunidense de defesa dos direitos civis, declarou que “o belicismo de Hegseth e suas virulentas opiniões antimuçulmanas deveriam desqualificá-lo de qualquer papel no governo de nossa nação”.
As perspectivas antimuçulmanas e sionistas do governo entrante são mais extremas, pelo menos na retórica, do que as de governos anteriores, mas o esforço para definir o antissionismo como algo antipatriótico não é novo. Em 2023, uma maioria de democratas e republicanos na Câmara dos Representantes aprovou uma resolução que estabelecia que o antissionismo é antissemitismo; esse tipo de iniciativa certamente se ampliará neste ano.
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Vale lembrar que, apesar da condenação mundial da guerra genocida de Israel em Gaza e de uma decisão da Corte Internacional de Justiça indicando que há provas suficientes para acusar Israel de genocídio, o consenso bipartidário nos Estados Unidos é rejeitar essa conclusão internacional e até ameaçar com ações aqueles que ousarem culpar Washington por cumplicidade com o genocídio.
Até o jornal liberal The New York Times se recusa a usar a palavra “genocídio”. Esta semana, o periódico rejeitou publicar uma publicidade paga em seu site por uma organização nacional quacre que dizia: “Digam ao Congresso que pare de armar o genocídio de Israel em Gaza agora mesmo”. Segundo o American Friends Service Committee, a organização que desejava publicar o anúncio, o Times informou que essa declaração não era “precisa nos fatos”.
Ataques ao México
Na última terça-feira (7), o presidente eleito Donald Trump declarou que o México é “um lugar perigoso” governado pelos cartéis. Os comentários fazem parte do esforço do magnata e dos republicanos para manter o foco no México, nos imigrantes e em outros supostos inimigos externos, preparando o terreno para as medidas políticas que tomarão assim que retornarem à Casa Branca em 20 de janeiro.
“O México está realmente em apuros, muitos apuros. É um lugar muito perigoso”, comentou Trump em uma entrevista coletiva em seu clube de Mar-a-Lago, na Flórida. “São essencialmente governados pelos cartéis, e não podemos permitir que isso aconteça”. Ele acusou o governo do México de permitir que “milhões de pessoas” e “números recordes” de drogas entrem nos Estados Unidos.
“Eles podem parar isso”, acrescentou Trump, antes de repetir sua ameaça de que seu governo imporá “tarifas muito sérias” ao México e ao Canadá se não fizerem o que está exigindo. “Queremos nos dar bem com todos, mas, sabem, são necessários dois para dançar um tango”.
Como parte de seus esforços para impor o domínio dos Estados Unidos sobre a América do Norte, Trump também anunciou que estará redesenhando o mapa. “Vamos mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América. Isso soa muito bem: Golfo da América, que nome bonito. E é apropriado”. Para Trump e a maioria dos estadunidenses, “América” é o nome dos Estados Unidos.
Republicanos e migração
Os comentários de Trump ocorreram enquanto a liderança republicana em ambas as câmaras do Congresso começou a elaborar planos para promover projetos de lei sobre migração, controle de fronteiras, tarifas e outras sanções que Trump e seus aliados desejam promulgar “muito rapidamente”. Esta semana, surgiram em público disputas entre os próprios republicanos sobre como proceder: se com um único projeto de lei abrangendo múltiplas iniciativas ou se avançar primeiro com a redução de impostos, a migração, medidas de controle de fronteiras e outros temas.
O presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson, sugeriu que talvez fosse melhor adiar as iniciativas anti-imigrantes, argumentando que Trump poderia agir imediatamente nesse aspecto por meio de ordens executivas.
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No entanto, como Trump reiterou em 07/01, ele ganhou a eleição em grande parte devido ao seu foco na imigração “ilegal”, composta, segundo ele, por criminosos, ex-presidiários e pessoas liberadas de “manicômios” em outros países — uma afirmação que repete sem apresentar nenhuma evidência.
De fato, o foco de Trump e seus aliados na questão da migração continua rendendo frutos. Uma nova pesquisa da AP/NORC registra que metade dos estadunidenses agora acredita que o tema da migração e questões de fronteira devem ser prioridades para o governo em 2025, um aumento em relação ao terço que pensava assim no ano anterior.
Para o presidente eleito e seus aliados, manter o foco nesse tema, juntamente com questões econômicas, incluindo tarifas contra seus principais parceiros comerciais, México e Canadá, e outras “ameaças” externas, como drogas e “terroristas” estrangeiros, não apenas encobre as diferenças internas entre os republicanos, mas também faz parte de sua estratégia política.
É em parte por isso que os republicanos impulsionaram também na última terça-feira um voto sobre a chamada Lei Laken Riley, que autoriza o encarceramento de imigrantes indocumentados que cometem delitos menores não violentos para, em seguida, proceder à sua deportação. A lei, nomeada em homenagem a uma mulher assassinada na Geórgia por um imigrante venezuelano indocumentado, agora seguirá para o Senado, onde se espera sua aprovação até o fim de semana. Vale destacar que 48 deputados democratas se uniram aos 218 republicanos que aprovaram o projeto de lei.
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O National Immigration Law Center criticou os que apoiaram o projeto de lei, afirmando: “A Lei Laken Riley é uma manifestação de política cínica. A maioria está manipulando uma tragédia pessoal para culpar os imigrantes. Na realidade, não há correlação entre condição migratória e criminalidade. Este projeto não é uma medida de segurança pública, mas um ataque às proteções constitucionais estabelecidas, que não contribuirá para manter as comunidades seguras, caso seja promulgado como lei”.
Primeiro presidente condenado e sentenciado
Na sexta-feira (10), concluiu-se em Nova York o primeiro julgamento criminal de um ex e/ou futuro presidente. Donald Trump fez todo o possível para evitá-lo, incluindo apelações urgentes de última hora a tribunais de apelação e até à Suprema Corte, mas fracassou e, agora, quando retornar à Casa Branca em 20 de janeiro, será o primeiro presidente condenado e sentenciado por crimes graves na história dos Estados Unidos.
Até agora, Trump havia conseguido descarrilar, congelar, postergar e anular vários casos criminais contra ele, incluindo dois casos criminais federais — um por sua tentativa de golpe de Estado em 2021 e outro por manejo ilegal de documentos oficiais secretos de segurança nacional —, além de um caso estadual por interferência no processo eleitoral de 2020, conseguindo, com isso, manter-se impune.
Mas na sexta-feira ele foi obrigado a se apresentar virtualmente em um tribunal na cidade de Nova York para enfrentar sua sentença, após um júri tê-lo condenado, em maio de 2024, por 34 acusações criminais de falsificação de documentos de seus negócios para encobrir um pagamento de 130 mil dólares durante a campanha eleitoral de 2016, em troca do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels sobre um encontro sexual ocorrido anos antes. Como costuma acontecer com pessoas poderosas, foi o encobrimento de um crime que o comprometeu. Embora não tenha conseguido evitar a conclusão do julgamento, Trump conseguiu evitar uma punição.
Pena simbólica
O juiz Juan Merchan, do Tribunal Supremo de Manhattan, declarou que a única sentença que podia impor, por tratar-se de um presidente eleito, era um “descargo incondicional“, ou seja, uma pena simbólica sem condenação de prisão (ele poderia ter sido condenado a quatro anos de cadeia), multas ou liberdade condicional. No entanto, ele insistiu que, embora um presidente eleito goze de certas proteções perante a lei, “um poder que não se concede é o de apagar uma sentença emitida por um júri”. Merchan acrescentou: “Donald Trump, o cidadão comum — Donald Trump, o criminoso acusado — não tem direito a essas proteções consideráveis” para evitar uma sentença.
Um dos promotores no caso, Joshua Steinglass, afirmou que o acusado “se vê acima da lei e não aceita responsabilidade por suas ações”, e acusou que a retórica pública de Trump antes e depois do julgamento colocou em perigo os funcionários e testemunhas envolvidos no caso, incluindo suas famílias. “Este acusado causou um dano duradouro à percepção pública do sistema de justiça criminal”, declarou.
Trump, que teve permissão para comparecer remotamente desde sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, posicionou a imagem de duas bandeiras dos Estados Unidos atrás dele. Quando lhe foi oferecida a oportunidade de comentar, declarou que era “totalmente inocente”, reiterou seus ataques contra a integridade moral dos promotores e repetiu que o caso foi apresentado para destruir sua candidatura, “o que obviamente não funcionou”, elogiando-se como presidente eleito.
A resposta de Trump foi a mesma de sempre nestas situações: “caça às bruxas”, que os julgamentos foram motivados por interesses políticos, além de proferir insultos e desqualificações ao estilo de um adolescente, afirmando que os promotores e os juízes são “dementes”, ilegais e corruptos. “Os democratas radicais perderam outra caça às bruxas patética e antiamericana”, escreveu em sua rede social após a conclusão da sessão sobre sua sentença.
Outras condenações
Esse não é o único caso que perdeu. Trump foi declarado culpado em Nova York por difamação e condenado a pagar 88,8 milhões de dólares a E. Jean Carroll por abuso sexual, com o juiz declarando que havia evidências de que ele havia violentado sexualmente a vítima (o que configuraria uma acusação criminal). Em outro caso, um juiz de Nova York ordenou que Trump pagasse 455 milhões de dólares à procuradora estadual por manipular o valor declarado de seus negócios imobiliários.
Na semana passada, Trump e sua equipe sofreram outra derrota legal quando a Suprema Corte recusou-se a proibir a divulgação do relatório do promotor federal encarregado do caso de interferência eleitoral que culminou com o ataque ao Capitólio, incitado pelo então presidente em janeiro de 2021. Embora o caso legal tenha sido abandonado, Trump desejava suprimir o relatório oficial, que poderá ser divulgado ao público nesta semana, embora possa haver atrasos caso a defesa do republicano tente novas manobras legais.
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No entanto, Trump e seus advogados tiveram êxito em seus esforços para que promotores federais descartassem duas acusações criminais: uma por tentar subverter o processo eleitoral em 2020 e outra por manejo indevido de documentos oficiais ao armazená-los ilegalmente em seus clubes após o fim de sua primeira presidência. Outro caso criminal, este em nível estadual, por interferência no processo eleitoral na Geórgia, permanece pendente, já que as manobras legais da defesa congelaram o processo por ora – e, ao que tudo indica, durante os quatro anos de seu eventual mandato na Casa Branca.
Embora os presidentes tenham autoridade para conceder indultos, especulava-se que Trump poderia se autoindultar nos outros casos federais caso retornasse à Casa Branca. Contudo, esse poder é aplicável apenas a casos federais e não, como no caso de Nova York, a processos estaduais ou locais.
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Como criminoso condenado, Trump teoricamente não poderá obter uma licença para portar armas de fogo. Além disso, há países – incluindo México, Canadá, Reino Unido e Austrália – que possuem restrições para turistas com antecedentes criminais, o que, teoricamente, poderia obrigá-lo a solicitar permissões especiais para visitá-los, conforme relatado por Molly Crane-Newman, do New York Daily News.
Portanto, Trump entrará para a história como o primeiro presidente condenado e sentenciado por crimes. Mas também deixará no ar a pergunta sobre se ainda está vigente o princípio fundamental da fundação dos Estados Unidos: de que ninguém está acima da lei.
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