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Instagram, Facebook e Google definem os rumos da democracia, não o povo

Todo o clique que damos, o tempo que olhamos um vídeo… Tudo é informação armazenada e depois vendida para outras empresas
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

A Justiça eleitoral virou ficção desde que a tecnologia aprendeu a fraudar imagens e áudios digitais. É o que mostram vazamentos de documentos que comprovam a interferência de plataformas de compartilhamento de conteúdo — mal chamadas redes sociais — em eleições por todo o mundo.

O caso mais notório é o do “Facebook” no plebiscito do Brexit, que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia. Para compreender o poder de manipulação do algoritmo, conversamos com o professor Sérgio Amadeu da Silveira, da UFABC e do Comitê Científico Deliberativo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura.

A primeira parte dessa conversa: “Em 2022 teremos uma das eleições mais sujas da história”, avalia Sérgio Amadeu.

Todo o clique que damos, o tempo que olhamos um vídeo… Tudo é informação armazenada e depois vendida para outras empresas

Jornal da USP
“Em 2022 teremos uma das eleições mais sujas da história”

A seguir, confira a continuidade da entrevista:

Amaro Dornelles: Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo cita documentos do jornal The New York Times, segundo os quais, pesquisadores do Facebook afirmaram que o botão “curtir” foi a forma de a plataforma permitir que a desinformação e o discurso de ódio se espalhassem pela rede. “A mecânica da nossa plataforma não é neutra”, concluiu o estudo. Além de denunciar, o que pode ser feito para alterar tal situação?  

Sergio Amadeu: Tenho lido reportagens do The Wall Street Journal, WSJ, que mostram: o Facebook usa tais pesquisas — que ele faz o tempo todo — provando que as dinâmicas das plataformas, seus esquemas, privilegiariam toxicidade, espetacularização exageradas ao extremo, colocando em risco a percepção da realidade. 

Nos arquivos do WSJ, soube-se, por uma ex-gerente do Facebook, que algumas personalidades (durante o governo Donald Trump) — como o jogador de futebol Neymar Jr. — tinham condições de publicar coisas com alcance imenso. Tudo impulsionado por algoritmos sem nenhum controle de conteúdo. 

Eles se aproveitaram muito disso. Sem falar de tantas outras personalidades que alimentavam o discurso de ódio e o racismo. Logicamente, trata-se de um discurso da direita — que tem como estratégia principal hoje, em praticamente todo o mundo, a desinformação. 

Estamos aí para confundir, como dizia Chacrinha…

Essa é a estratégia da extrema-direita. O que fazer em relação ao Facebook? Ele precisa ser supervisionado democraticamente. Precisamos aprovar regulamentos e tratados internacionais sobre essas plataformas. 

Elas já têm peso econômico maior do que a maioria dos Estados do mundo! Têm faturamento superior aos PIBs de diversos países. Cada vez mais elas (redes) querem exercer influência decisiva sobre a condução ideológica, as preferências. Eles têm algoritmos e modelos de previsão a partir dos quais eles querem modular o comportamento das pessoas. 

Portanto, precisamos regulamentar tais plataformas, criar uma comissão democrática, com representantes da sociedade civil, das empresas dos múltiplos segmentos e do Estado. Ou seja, uma comissão que tenha acesso e controle sobre as regras que as plataformas ditam o tempo todo. E que elas mudam, autocraticamente, a seu bel-prazer. 

É preciso subordinar essas plataformas — que têm sistemas de algoritmos opacos — para que definam a formação da opinião pública democraticamente. Portanto, não são eles que devem controlar a democracia, mas é a democracia que deve controlar o Facebook e todas as demais redes sociais.   

Algoritmo e dinheiro

Poderia explicar o sentido e a capacidade de manipulação do algoritmo e dos mecanismos que permitem a indução dos desavisados usuários?

Toda vez que você entra no Facebook ou outra rede social, você não é recebido por uma pessoa. Não é um humano que vai decidir quais os conteúdos, entre os bilhões postados, que você irá ver. Portanto, o algoritmo tem dados sobre a sua navegação, dentro e fora da plataforma.

Basicamente, ele tem um procedimento de aprender com os dados sobre você. É sua missão/objetivo. Ele vê os dados sobre cada usuário e os objetivos da plataforma. Então ele organiza aquilo que você vai ver, a frequência de conteúdos que vai chegar; que tipo de conteúdo ele vai apresentar. E qual conteúdo que você publicou vai ser bloqueado ou incentivado. 

De qualquer forma, se alguém comprou o acesso de quem tem seu perfil, você vai entrar na mostra e receber conteúdos que foram monetizados — impulsionados com muita grana. O Facebook tem um sistema de rede programática que acessa você em tempo real.

Como funciona a compra de perfis?

O pessoal de grandes empresas pode tentar comprar — nos leilões de público que tem no Facebook — pessoas de uma certa faixa etária, moradoras de certos países, certas preferências. 

Se tem muitas pessoas querendo comprar pessoas com tal perfil, você vai para aquele leilão, também feito por algoritmos na rede programática. Esse leilão vai subindo de preço. Você mesmo pode querer comprar determinadas amostras e não conseguir. 

E aí é que a rede social vai ganhando muito dinheiro. Os algoritmos não criam conteúdo. Mas modulam nosso olhar, nossa atenção. Opções limitadas: encurtam as opções para oferecer discursos, conteúdos, serviços e produtos. Prioritariamente de quem nos comprou perfis iguais aos nossos — look a like, como eles falam. 

Na verdade, eles vão conduzindo as opções. Existe também algoritmos preditivos: com base nos dados a nosso respeito, tentam saber qual nosso próximo passo. No que vamos nos interessar. Eles fazem essa análise o tempo todo. 

Todo o clique que damos dentro da rede social, o tempo que ficamos olhando um vídeo, conteúdo, tudo é informação armazenada pelos algoritmos, pois não há um único algoritmo. Por isso falo em sistema de gestão algoritma dessas plataformas. 

É assim que elas operam, coletando dados o tempo todo de cada um de nós, realizando modelagem da classificação, de predição. E vendendo nossos perfis para quem tiver com dinheiro e disposição de comprar. Assim operam logaritmos em redes sociais.

E o Big Data?

Esse nome começa a aparecer no final da primeira década do século 21. Quer dizer o seguinte: há uma variedade enorme de bancos de dados, com grande velocidade de tratamento e quantidade de volume. Era conhecido como 3 Vs:  volume, variedade e velocidade. 

As plataformas têm uma quantidade enorme de dados retirados dos usuários. Utilizam, portanto, uma série de sistemas algoritmos para coleta, processamento, tratamentos e análise desses dados. Esse é o conteúdo chamado Big Data.

Viabilizamos o Logro

Quais os riscos que usuários do Facebook têm com a falta de privacidade?

Os riscos são diversos, começa quando hoje, ao se buscar um emprego, o serviço de RH busca conhecer a pessoa por aquilo que ela publicou no Facebook ou em outra rede social. Você pega o Linkedin, mas tem empresas ainda mais sofisticadas que acompanham tudo o que você faz na rede social, até compram informações de outras empresas para poder montar, com base em algoritmos preditivos, para saber se você será um bom ou mau funcionário. 

Muitas vezes seu currículo nem será analisado porque você foi descartado por 0,1% de probabilidade de não cumprir uma certa missão melhor do que outras pessoas. Então você nem é chamado para entrevista. 

Além disso, há vários experimentos que essas empresas fazem, nos quais elas dão acesso, como deram à Cambridge Analytica e a grandes empresas com tratamento privilegiado, seja pelo Google, seja pelo Facebook. 

Então, os dados coletados das pessoas são cruzados com dados que essas grandes plataformas compram de corretores de dados, de outras pequenas empresas que vendem dados às grandes plataformas. Temos então um enorme sistema ‘dataficado’. 

No topo dessa cadeia temos as grandes plataformas. Elas não vendem dados, elas os acumulam, pois competem entre elas. Então, cada vez mais que a gente tem dados disponíveis nas empresas, mais fragilizados estamos do ponto de vista econômico. 

E também viabilizamos a capacidade deles nos conhecer para tentar influenciar nossas condutas. O risco, portanto, é ficarmos na mão de grandes corporações querendo nos influenciar o tempo todo. 

O Facebook exerce algum papel na escolha do eleitor brasileiro nas eleições?

Sim, o Facebook é uma rede social que, segundo pesquisas do Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação, Cetic — órgão gestor de internet no Brasil —, é acessado por mais de 70% das pessoas que têm perfil na internet no país. 

O Facebook é importante, pois é nele que as pessoas vão buscar entretenimento e fazer relacionamentos quotidianos. Ele é dono do WhatsApp — não preciso nem falar da importância dele no contexto das famílias, grupos de encontro, das profissões, para falar com seus funcionários. Além do contínuo uso do Whatsapp Business para o pequeno e médio serviço ou comércio. O Facebook e suas empresas tornou-se elemento presente no dia a dia das pessoas, no quotidiano da nossa sociedade. 

Regulamentar Plataformas

Basta lembrar que no dia 4 de outubro, quando eles tiveram um erro na ligação entre seus diversos data centers — deixando as empresas do grupo sete horas fora da internet — foi gerada uma série de prejuízos para pequenas empresas. Gerou apreensão em mães que não conseguiam falar com seus filhos pelos grupos de WhatsApp — ou seja, ele está presente no dia a dia do Brasil. 

Obviamente, se os algoritmos são programados para modular comportamentos, eles podem, sim, ter influência nas eleições. O problema é que tais algoritmos são opacos e não sabemos como eles operam. E não dá para confiar, como estamos vendo nas denúncias do Wall Street Journal, na palavra do Zuckerberg. 

É uma pergunta que nos leva a supor terem grande influência na última eleição, mas não temos os elementos claramente especificados, porque os algoritmos não são transparentes. Nem quais são as regras estabelecidas para as finalidades. 

Podemos supor que interferem, daí a importância de regulamentar as plataformas. Em certos casos até proibindo seu uso eleitoral. Creio que deveria existir uma lei que considere crime usar WhatsApp Business nas eleições.

Quais são os truques que Facebook, demais redes sociais e aplicativos usam para obter mais dados dos usuários? 

Quando se está no Facebook ele já tem um volume gigantesco de dados de cada um dos usuários. O Youtube também, o Gmail, que é das empresas Google, do Grupo Alfabeth. 

Ocorre que há aplicativos que não pertencem a tais grupos, mas são criados, são engraçados, dão alguma informação. A verdade é que esses aplicativos gratuitos seguem o modelo de negócios. Dá interfaces não cobradas em troca de você permanecer utilizando-as. Em troca de quê? Eles vivem da coleta de dados e da venda do acesso a esses dados. Ou dos próprios. 

Ultimamente os cookies são praticamente impostos. A despeito das justificativas, eles não aumentam ainda mais o acesso a informações pessoais?

Sim, cookies são pequenos arquivos colocados a partir do browser do seu navegador em seu computador e que permitem identificá-lo.  Mas não são só cookies, tem vários arquivos. Deveríamos ter um tratado internacional que diminuísse esse rastreamento da navegação. E que a gente pudesse navegar na internet sem ser vigiado pelas grandes corporações e também pelas médias e pequenas. 

Isso não dá para ser feito no âmbito de um só país, tem que ser pela comunidade global. A Internet é internacional. Outra questão importante é que nesse tratado possamos ter elementos de preservação de dados nas localidades. 

Que países e sociedades reduzem o fluxo de dados sensíveis que colocam em risco populações inteiras. Fundamental que se avance nesse tratado internacional que garanta a privacidade de dados individuais e coletivos. E que também se restrinja enormemente a coleta e transferência transfronteiriça de dados sensíveis.

Destaques:

– Eles vão fazer uma campanha de desinformação jamais vista. 

– O algoritmo organiza aquilo que você vai ver, a frequência de conteúdos que vai chegar. 

– As redes (anti)sociais têm algoritmos e modelos de previsão a partir dos quais eles podem modular o comportamento das pessoas.

– Vamos enfrentar uma das campanhas mais sujas da história da democracia no mundo.

Amaro Augusto Dornelles é colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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