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Direita brasileira tenta reescrever o nazismo, mas o que foi esse movimento político?

Brasil virou vergonha e piada mundial em razão de comentários equivocados de um grupo direitista tentando distorcer os fatos históricos
Sandro Ari Andrade de Miranda
ALAI / Agência Latino America de Informação

Tradução:

Provavelmente este seja um dos assuntos com mais informações disponíveis nos meios de comunicação, tanto na internet, como jornais, revistas e televisão. Existem ótimos documentários da BBC, Discovery, History e National Gegraphic sobe o assunto. Todavia, isto não impediu que o Brasil virasse vergonha e piada mundial em razão de comentários equivocados de um grupo direitista tentando distorcer os fatos, ao ponto da Deutsch Welle, rede de notícias estatal alemã, ter publicado farto material sobre o assunto e corrigindo os equívocos.

O nazismo foi um movimento político da extrema-direita alemã com algumas características específicas, o qual conduziu a humanidade à Segunda Guerra Mundial e ao Holocausto. Foram seus traços marcantes: nacionalismo exacerbado e alienado, o antissocialismo, o antimarxismo e o anticomunismo, o racismo, o misticismo sobre um passado heroico (teoria do “arianismo”), totalitarismo, a militarização da política e da sociedade e violência irrestrita.

A principal liderança do nazismo foi Adolf Hitler, mas haviam outras figuras importantes para a construção doutrinária do movimento, como Joseph Goebbels (responsável pela máquina de propaganda), Otto Adolf Eichmann, tenente-coronel da tropa pessoal do Füher (Schutzstafell/SS), organizador do holocausto e teórico e divulgador do “arianismo”, Herman Göring e Erwin Rommel, principais comandantes do Wehrmacht (força militar alemã), dentre outros.

Brasil virou vergonha e piada mundial em razão de comentários equivocados de um grupo direitista tentando distorcer os fatos históricos

Crianças sobreviventes do campo de concentração de Auschwitz | Foto: Wikipedia

Quase todos eram figuras políticas inexpressivas antes da crise econômica resultante das regras impostas pelo Tratado de Versalhes e da péssima gestão do general direitista Paul Von Hinderburg.

O próprio Hitler era político medíocre, um ex-soldado que lutou na Primeira Guerra Mundial, artista frustrado e ativista político violento. Sua “obra” mais conhecido, Mein Kampf (Minha Luta), livro divulga o seu ideário racista e totalitário, foi escrita na prisão, depois de uma dos diversos conflitos de rua em que ele havia se envolvido.

Mas para chegar ao Nazismo, algumas condições foram necessárias, tais como: 1) uma sociedade frustrada e com o orgulho nacional ferido depois da derrota na Primeira Guerra; 2) as regras draconianas do Tratado de Versalhes, beneficiando sobremaneira a França e a Inglaterra; 3) uma administração econômica desastrada do governo do conservador de Hinderburg; 4) o enfraquecimento da oposição política de esquerda, com os assassinatos de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht (Partido Comunista Alemão) e o envelhecimento de Karl Kautsky, Fedinand Lassale e Eduard Bernestein (principais lideranças do Partido Social-Democrático da Alemanha – SPD), além da morte do Presidente Friedrich Ebert (também do SPD), o que abriu caminho para a acensão do conservador Hinderburg; 5) o surgimento de uma mídia de massas, por meio do rádio; 6) o medo da elite econômica alemã em relação aos avanços sociais da República de Weimer; 7) e o crescimento do comunismo soviético vindo do leste, outro temo dos conservadores nacionalistas.

É importante ressaltar que o mito da superioridade alemã não é uma criação do nazismo. Ele já estava presente na obra do nacionalista Johann Gottlieb Fichte, que no seu “Dircursos à Nação Alemã” (1808). Nesta obra, diante da ocupação napoleônica, invoca o excepcionalismo do povo alemão e salienta a necessidade de uma nação “purificada” para enfrentar as dificuldades. Além disso, é importante ressaltar que o país, diferentemente dos seus vizinhos, somente foi unificado no final do século XIX e, como salienta Max Weber, sofria de um hiato econômico entre o Oeste, industrializado, rico e urbanizado, e o leste, ainda ruralizado e dependente da atividade primária.

A política militar imperial e nacionalista de Otto Von Bismarck e de Frederico Guilherme IV criou a expectativa de uma grande Alemanha, unificada e poderosa. Mas a derrota na Primeira Guerra trouxe novamente a frustração, o que ainda foi agravado com a decadência econômica e hiperinflação.

Aqui um ponto de reflexão importante: é um erro afirmar que a República de Weimer e o seu modelo de estado-de-bem-estar abriu espaço para o Nazismo. Na verdade, o fracasso de Weimer foi derivado de um conjunto de fatores, como o peso excessivo da dívida imposta por Versalhes e a contenção das políticas sociais pelo governo conservador. Se é verdade que Hinderburg era desafeto de Hitler, também é verdade que o primeiro era um representante da elite conservadora e tinha aversão aos ideais sociais-democráticos e comunistas. Hitler foi a solução mais palatável para os conservadores diante de uma possível revolução popular nos moldes soviéticos, até porque o Partido Comunista, ainda concentrado nos grandes centro urbanos, onde estavam os sindicatos, já havia tentado uma insurreição popular e fracassado.

Na prática, a doutrina nazista conseguiu a adesão de simpatizantes no meio rural, mais conservador, porque enfrentava a frustração dos trabalhadores empobrecidos com a retomada do discurso nacionalista e de superioridade. Para tanto, identificar o adversário num “outro hipotético” (racismo), que traí um país formado por uma nação dotada de heroísmo e pureza (arianismo), ou seja, a fusão do pensamento de Hitler com o de Eichmann, criou um programa ideal para comandar uma sociedade que não aceitava o empobrecimento, mas temia pela coletivização das propriedades que era adotada no país vizinho (União Soviética/Rússia). Para tomar o meio urbano, os nazistas se utilizaram da máquina de propaganda organizada por Goebbels, o que permitiu confrontar o poderio de um enfraquecido partido comunista dentro dos sindicatos, daí um nome intencional, Partido do Nacional Socialismo do Trabalhadores Alemães (Partido Nazista), criado em contraposição ao internacionalismo proletário de comunistas e socialistas.

O inimigo da população, segundo os nazistas, não era o conservadorismo econômico, nem os privilégios concentrados em uma elite econômica, mas a influência de terceiros, “dos outros”, que ameaçavam a pureza do país como comunistas, socialistas, judeus, ciganos, negros, eslavos, homossexuais e até deficientes físicos. Além disso, o arquétipo perfeito do alemão era um homem, branco, loiro e heroico: um verdadeiro soldado como Göring e Römmel. As mulheres assumiam uma condição subalterna neste modelo, entretanto recebiam o “benefício” da glorificação do trabalho doméstico e familiar. Ou seja, o nazismo também apresentava traços machistas evidentes, em contraposição ao comunismo e ao socialismo, que haviam permitido às mulheres o direito de participar do processo político e de votação durante o governo de Ebert.

O resultado desse complexo jogo de mitos, fatos e acontecimentos já é conhecido: a morte de milhões de pessoas nas guerras, campos de concentração e câmaras de gás. A destruição de gerações e um genocídio sem precedentes de judeus, eslavos e da população cigana europeia. É uma atrocidade para jamais ser esquecida e, lembrá-la serve apenas para uma coisa: “não repeti-la”. Todavia, para que isto aconteça também é necessário conhecer a verdade sobre o que realmente foi o nazismo, suas origens e consequência. A inversão da verdade e a repetição de mentiras (em citação indireta à Gobbels), como fizeram os ativistas conservadores brasileiros criticados pela Deutsch Welle, é apenas um caminho para a repetição do holocausto.

Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.


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