Em igual medida como o poder político e econômico se fortalece – consagrado por um sistema neoliberal capaz de encurralar a vontade popular – assim também enfraquece o direito cidadão a conhecer os bastidores das decisões que o afetam e lhe incumbem.
Na América Latina, nosso castigado continente, esta maneira de administrar as muito variadas formas de segredo oficial foi institucionalizada de tal modo, que os povos já nem sequer tentam romper os cadeados. É por meio de silêncio e da mentira que os nossos países têm sido despojados, paulatinamente, de riquezas e oportunidades.
O segredo oficial transita desde os âmbitos da segurança nacional –algo relativamente sensato– até o uso dos fundos públicos, amparando assim aqueles que têm a obrigação absoluta de prestar contas de sua administração.
Ou seja, aquilo que em um sistema democrático se supõe que sirva como parâmetro para medir procedimentos emoldurados pela ética e pela transparência, hoje se encontra sob segredo de Estado em muitas das nossas nações, onde campeia a corrupção. Isto, sem dúvida, sujeito a severas sanções administrativas e judiciais quando o caso o requeira, converteu-se em um mecanismo de proteção diante das práticas inconfessáveis das sucessivas administrações de governo.
Uma das causas deste descalabro no seguimento das decisões políticas se deve em grande parte ao enfraquecimento dos marcos institucionais, para o qual serviu de arma a abolição progressiva do serviço civil.
Este ente, concebido para registrar e preservar o historial da administração pública, eximindo-a de se converter em butim de dívidas eleitorais, tem sido praticamente eliminado em nossos países. Por isso a destruição de arquivos a cada fim de administração e a sistemática eliminação de funcionários de carreira em cada início, se parece à péssima ideia de tirar as colunas de um edifício porque atrapalham a vista.
Ibama
Na América Latina esta maneira de administrar foi institucionalizada de tal modo, que os povos já nem sequer tentam romper os cadeados.
Esses vazios no ordenamento administrativo, especialmente em países supostamente democráticos, representam um retrocesso monumental para sistemas abertos ao abuso e ao inveterado costume de esconder a lixo embaixo do tapete para evitar sanções e auditorias.
A libertinagem propiciada pela eliminação de limites à corrupção já é parte integral de sistemas que derivaram no empobrecimento dos povos e o enriquecimento escandaloso de seus quadros políticos e suas cúpulas empresariais. A isso é preciso agregar o detalhe adicional de forças da ordem e exércitos comprometidos com esses grupos de poder até o extremo de amparar e compartilhar seus delitos.
De tudo isto derivam, naturalmente, as ações de perseguição, amedrontamento e eliminação física de membros da imprensa não comprometidos com o sistema corrupto imperante. Ações que, muitas vezes se estendem para membros do sistema judicial cuja integridade se traduz em sentenças contra os agressores.
Esta é uma das consequências mais perigosas do enfraquecimento das estruturas institucionais de nossos Estados, ao romper parâmetros fundamentais da democracia, com a liberdade de pensamento e o direito dos povos a conhecer até os mais ínfimos detalhes das gestões de seu governo.
A dificuldade reside hoje na enorme tarefa de reconstruir o perdido e restaurar pelo menos um mínimo de confiança no sistema pela qual se lutou durante mais de um século.
Um Estado corrupto é como um edifício sem colunas de suporte.
*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
** Tradução: Beatriz Cannabrava
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