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Toggle“Não importa por que o ‘ocidente’ odeia a Rússia. Russos nem pensam nisso. Russos só pensam na segurança nacional e no bem-estar do povo russo. Russos sequer pensam sobre se a guerra começará ‘por projeto’ ou ‘por erro’.
Os russos vencerão. O resultado será:
– a Ucrânia, permanente ameaça nazista, será destruída; e
– a OTAN, também permanente ameaça, será muito reduzida.”
O míssil sírio terra-ar suposto desgovernado que ‘caiu’ perto do reator nuclear de Israel em Dimona foi portador de várias mensagens, umas explícitas, outras escondidas.
E, como se o fato de o míssil ter conseguido perfurar a formidável ‘Cúpula de Ferro’ (ing. ‘Iron Dome’) já não fosse suficientemente embaraçoso para Israel, o relatório oficial dos israelenses informava que se tratara de míssil de fabricação iraniana; não russa, como o planeta ‘percebeu’ imediatamente.
Em outras palavras, o relatório israelense informa que a ‘Cúpula de Ferro’ foi facilmente invadida por míssil que não foi construído para atingir alvos em terra; já estava sem combustível e sem manobrabilidade e, literalmente, estaria em trajetória de queda livre por gravidade, não por propulsão; mesmo assim penetrou o sistema de defesa aérea suposto o mais avançado do mundo; e sobretudo: míssil fabricado no Irã, nação ‘paralisada por sanções’ e governada por ‘mulás fundamentalistas’.
Falando sério: jamais antes, em tempo algum, Israel admitiu falha de proporções sequer semelhantes, na própria defesa.
Reprodução: Winkiemedia
Cúpula de Ferro em Operação de Proteção
Ironicamente, quase simultaneamente o Irã revelou fotos de um porta-aviões, feitas por um droneprontos a atacar qualquer alvo ao alcance deles no Golfo.
Mas o incidente de Dimona não pode ser interpretado fora do contexto das iniciativas ‘diplomáticas’ recentes da Rússia, no Oriente Médio. Escrevo ‘diplomacia’, entre aspas de ironia, porque essa versão russa de diplomacia tem um lado que prova o quanto vale, tanto para efeitos da diplomacia tradicional como para efeitos não ortodoxos.
A Rússia até aqui se tem mantido de boca fechada quanto a objetivos que tenha no Oriente Médio. Minha análise pessoal já me pôs em palpos de aranha com amigos russos e aliados na mídia; e aceito a posição deles. Talvez não desejem que eu ‘queime a agenda oculta’, mas meu papel como analista não acabou, e as posições deles, ideias gerais e preocupações, não me farão sentir culpado por escrever e publicar minhas análises e previsões.
Para esse quadro que trago aqui, de eventos recentes da política regional no Oriente Médio, valho-me de fragmentos de informação colhidos aqui e ali, mas a análise geral baseia-se no meu pessoal entendimento do que faz mais sentido, quando combino tudo que está hoje em andamento. Minha análise não representa visões de quaisquer blogs, agências noticiosas ou governos.
Já expus visão semelhante antes, mas os eventos não param de acontecer e, a cada passo do caminho, mais me convenço de que minha visão sobre a iniciativa russa no Oriente Médio é aproveitável. Então, ofereço aqui sumário atualizado, com alguma repetição de material já publicado, para leitores que estejam chegando agora.
Desde quando a Rússia respondeu pela primeira vez ao pedido de ajuda militar que lhe fez a Síria, sempre houve condições; essas condições estipulavam que teria de haver um acordo de paz sírio-israelense.
Mas não só. A Rússia de Putin está tentando reverter o que Kissinger fez à Rússia há cerca de 40 anos, quando catapultou a URSS para fora da política do Oriente Médio e enganou o Egito, induzindo o país a aceitar um acordo unilateral de paz com Israel, nos chamados ‘Acordos de Camp David’.
A partir daí, a Rússia foi privada de qualquer presença no Oriente Médio, presença zero. Até que Putin enviou tropas para a Síria, com o que mudou o status que não só no Oriente Médio, mas já anunciando o fim do status dos EUA como única superpotência global pós-URSS.
O mundo pós-URSS assistiu ao sofrimento da Rússia, sob o incansável reforço das bases norte-americanas da OTAN na Europa Oriental, e o atual impasse na Ucrânia não passa de um dos aspectos do mesmo esforço de cerco. Nações que constituíram o Pacto de Varsóvia, afastaram-se da Rússia e mancomunaram-se com recém-descobertos novos ‘aliados’ ocidentais.
A era de Stálin deve ter deixado um travo amargo na boca de alguns daqueles países do Leste Europeu, mas faz muito tempo, e países como Polônia e Ucrânia têm de compreender quem são hoje seus reais e históricos aliados regionais e globais.
Com a era do nazismo e do fascismo já na lata de lixo da história que a Europa gostaria de esquecer, até Alemanha e França têm de se dar conta de que não faz sentido insistirem em associar a Rússia de hoje à URSS de Stálin. Alemanha e França de hoje tampouco podem ser associadas a Hitler e Pétain.
E, se a Polônia quer manter-se mentalmente entrincheirada na era Stálin, e esquecer-se de quem libertou-a do ocupante, deve olhar ainda mais para trás na história e lembrar que a partição da Polônia no século 19 não foi orquestrada só pelos czares russos: foi efeito também de colaboração com Prússia e Áustria.
Como discuti no artigo anterior, a animosidade atual das nações da Europa Oriental contra a Rússia não é coisa que possa ser explicada e justificada racionalmente.
De volta ao Oriente Médio
Só a Rússia pode intermediar algum acordo de paz no Oriente Médio, acordo que inclua não só Síria e Israel, mas também Irã, Arábia Saudita e Turquia.
Itens que sempre pegam em qualquer acordo são Israel e Turquia, e em menor extensão, o Irã.
Naquele mesmo artigo já mencionado, previ um cenário de ganha-ganha, que a Rússia negociará entre Irã e Arábia Saudita; que garante retirada mútua: dos iranianos, de território sírio; e dos sauditas, de território do Iêmen. De fato, há poucos dias, o príncipe coroado saudita MBS anunciou que deseja ter boas relações com o Irã.
É sinal de que esse acordo estaria mais próximo do que supomos? Talvez não, mas não consigo pensar em qualquer outra razão para o que disse o príncipe.
Sem dúvida, a Turquia quererá gorda mordida do bolo, e não tenho certeza de que a Rússia consiga ‘acalmar’ Erdogan com diplomacia, sem dar a ele muito mais do que ele já tomou. Contudo, a recente posição de Erdogan sobre a Ucrânia meteu-o fundo na caldeira fervente, do ponto de vista dos russos; e em barganhas futuras, Erdogan descobrirá que sua aventura ucraniana será usada contra ele. Introduziu deliberadamente um item de barganha que só pode ser usado contra ele mesmo.
Resta Israel; o que fazer para levar Israel à mesa de negociação para um acordo diferente de todos os acordos jamais urdidos pelos norte-americanos?
Todos os acordos construídos pelos norte-americanos até hoje têm sido baseados em garantir aos israelenses a fatia do leão, e praticamente nada aos árabes; especialmente no que tenha a ver com negociar com a Autoridade Palestina.
Além dos ganhos políticos e estratégicos que EUA garantiram a Israel em todos esses acordos, os EUA garantiram também que Israel continuasse a ter superioridade militar, e que os árabes jamais alcançassem qualquer grande vitória militar, mesmo se unidos.
Apesar de outubro de 1973 (a “guerra do Yom Kippur”) e do que veio depois, até a guerra de julho de 2006 com o Hezbollah, e a humilhação que Israel sofreu em todos esses engajamentos militares, Israel continua mentalmente fechado na euforia da grande vitória na Guerra dos Seis Dias em junho de 1967 e do que veio depois – e que resultou no que se pode descrever melhor como ‘complexo de invencível exército’.
Israel não estará pronto a assinar um acordo de paz com a Síria enquanto continuar a acreditar que ainda manteria a superioridade militar de antes; e conservaria o poder de modelar eventos a favor do estado judeu. Para que Israel mude de rota e torne-se mais realista, faz falta também uma nova geração de líderes políticos mais racionais, ou um choque de realidade –, um castigo, se preferirem.
Eis por que, por mais que se abram corredores de negociação e preparem-se mesas de reunião, também se ouvem tambores de guerra.
Vale a pena observar que ainda não começaram grandes reconstruções na Síria. A mensagem aqui subjacente talvez seja que a Síria preveja maiores carnificinas, e por isso a reconstrução tenha de esperar. Por que reconstruir duas vezes? No atual estado de devastação em que vive, a Síria tem pouco a perder.
Israel, por outro lado, está em situação muito vulnerável, e o incidente em Dimona deixou ver uma cratera na segurança do Estado Judeu.
A Síria tem-se comportado com extrema contenção, ante os repetidos ataques aéreos de Israel. Ainda que um jato israelense tenha sido derrubado há alguns anos, de modo geral a Síria permanece sem reação.
Não sabemos exatamente o que acontece nas coxias, mas parece que Israel está interpretando erradamente a ausência de reação dos sírios, vendo fraqueza, apesar da informação dos russos de que não se trata disso. Israel continuará a agir como provocador regional alucinado, recusando-se a sentar à mesa para negociar como parceiro igual, a menos que sofra ataque significativo.
Esse ataque não precisa provocar necessariamente alguma terrível carnificina em Israel, com perda de muitos civis e militares. Putin nem aceitará nem permitirá que se inflija a Israel tal grau de devastação.
Afinal, fração significativa da população de Israel é composta de russos. Putin, além do mais, visa a convencer Israel de que a Rússia – não os EUA – pode garantir a Israel paz real com os vizinhos árabes.
Para tanto, bastará que Israel perca alguns poucos jatos de combate, uns dez, vinte, o suficiente para se ver incapaz de defender alvos estratégicos, militares e terras estratégicas, para que logo se convença de que longe vão os dias de sua superioridade militar.
O incidente de Dimona é sinal de alerta, mas só se Israel decidir ler as entrelinhas. Sem isso, haverá guerra no Oriente Médio, guerra prevista para ser contida e limitada, um golpe, sim, mas não um nocaute.
Isso posto, falamos de Oriente Médio, região muito volátil, povoada de cabeças voláteis. Guerra limitada, que vise a exibir musculatura, pode escapar de controle e converter-se em algo muito maior.
Com experiência adquirida dessa imprevisibilidade, a Síria mostra a Israel que guerra longa trará mais destruição para Israel do que para a Síria, mesmo que somada à destruição que já trouxe para a Síria.
O que parece certo é que há sobre a mesa iniciativas de paz, sim. Mas nem todas as partes se convencerão de que têm de participar de tais conversações como parceiros iguais, sem que se torçam alguns braços e abalem-se algumas ‘estabilidades’.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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