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Governo Biden perde controle da narrativa e mostra despreparo ao lidar com crise migratória

Biden tem reiterado que a solução ao fluxo “irregular” precisa considerar os “problemas de fundo” sobretudo na América Central e no México
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

A vice-presidenta Kamala Harris se encarregará de coordenar os esforços dos Estados Unidos, México e demais países da América Central para controlar o fluxo migratório, um tema que regressou ao centro do debate político em Washington apesar de não existir uma crise migratória na fronteira sudoeste dos Estados Unidos.

Especialistas denunciam que republicanos anti-imigrantes e boa parte dos meios promoveram uma narrativa empiricamente falsa que detonou um debate tanto dentro do país como nas relações bilaterais com o México e a América Central, levando alguns a concluir que a crise migratória está em Washington, não na fronteira.

Embora a governo de Joe Biden tenha se recusado a qualificar como crise o incremento do fluxo migratório e sobretudo o de menores de idade não acompanhados, republicanos inclusive o ex-presidente Donald Trump e o atual líder da minoria na câmara baixa entre outros – além de vários meios nacionais -, conseguiram impor essa narrativa e até defini-la como a “crise fronteiriça Biden”.  

Foi neste contexto que Biden anunciou hoje que sua vice-presidenta Harris (filha de migrantes) coordenará o esforço estadunidense para controlar o fluxo migratória e sublinhou que “esta onda que estamos manejando começou com o último governo, mas é nossa responsabilidade manejá-la de maneira humana…”

A tarefa de Harris, declarou, é supervisionar os esforços diplomáticos estadunidenses com o México e os países do triângulo do norte (Guatemala, El Salvador, Honduras) sobre assuntos migratórios e ao mesmo tempo promover uma estratégia de longo prazo para abordar “as causas de fundo” da migração, e “já estamos falando sobre isso com o México; ela já o fez”. 

Harris acrescentou que há múltiplos fatores por trás da migração e “enquanto estejamos claros que as pessoas não devem vir para a fronteira agora…temos que abordar as causas a fundo”. Para isso, colaboramos com o México e outros países” do hemisfério, e em particular com o governo e organizações civis da Guatemala, Honduras e El Salvador.

Desde o início, o governo de Biden tem reiterado que a solução ao fluxo imigrante “irregular” não tem solução na fronteira, mas que é necessário abordar os “problemas de fundo” sobretudo na América Central e no México, como também por meio de uma reforma migratória integral nos Estados Unidos.

Mas durante as últimas semanas, o governo de Biden perdeu o controle da narrativa e ao mesmo tempo não se preparou suficientemente para impulsionar o giro na política migratório, sobretudo na fronteira, e com isso se tornou vulnerável à manipulação do tema por forças anti-imigrantes e ganhou as críticas de grupos defensores de migrante por seu manejo, até agora pouco efetivo, dos menores de idade não acompanhados. 

Foi nesse contexto político em que Biden se encontra à defensiva e no qual foram despachadas delegações de funcionários à fronteira sudoeste e esta semana ao México e Guatemala e hoje foi designada Harris. 

Crise?

Segundo especialistas, as dimensões no fluxo na fronteira hoje em dia são muito menores que no pico registrado em 2019, não são surpreendentes e estão muito abaixo (a metade) dos fluxos em meados de 2000, como durante a presidência de Barack Obama em 2014, época em que chegaram à dimensão de crise.

De fato, o incremento do fluxo se iniciou em abril de 2020 quando Trump ordenou expulsar todo imigrante interceptado na fronteira sob o pretexto da pandemia. Hoje em dia se continua expulsando de imediato pelo menos 72 por cento de todos os interceptados cruzando a fronteira – as cifras contam o número de expulsões e não de indivíduos, ou seja, muitos (alguns cálculos são de 30 por cento) dos expulsados são a mesma pessoas tentando cruzar múltiplas vezes, segundo uma análise do American Migration Council, que descarta que esta conjuntura “é única ou sem precedentes” ao recordar as ondas em 2014, 2016, 2018, 2019.

O Southern Poverty Law Center mostra que não há nenhuma evidência de que a mensagem da Casa Branca influa nos fluxos, já que durante a mensagem anti-imigrantes de Trump foram incrementados dramaticamente os fluxos. Por sua voz, Efrén Olivares, subdiretor legal do projeto de imigração da organização disse que “as pessoas não fogem de seus lares porque há um novo presidente… o fazem porque não têm outra opção e frequentemente porque seu país de origem se deteriorou como resultado de décadas de políticas intervencionistas dos Estados Unidos”.

O Escritório em Washington para América Latina (WOLA) tem documentado como os fluxos começaram a se elevar muito antes da chegada de Biden. O governo de Trump presidiu sobre os maiores fluxos de migração na fronteira EUA-México desde meados de dois mil” reportou, algo que continuou durante seus últimos meses. 

WOLA mostra que dado que a maioria dos migrantes que cruzam a fronteira é expulsa de imediato, o nível dos migrantes detidos hoje está muito abaixo de nível de 2019 (a melhor série de gráficos sobre o fenômeno está em: https://defenseassistance.org/files/wola_migration_charts.pdf].

“O influxo atual não é nem uma emergência de saúde pública nem uma ameaça à segurança Nacional”, concluiu o Washington Post em um editorial, assinalando que os maiores riscos do incremento no fluxo migratório “são políticos – para democratas obrigados a defender as políticas fronteiriças deste governo… e humanitárias para os menores não acompanhados”. 

“Não é tanto uma crise na fronteira como uma crise de migração em Washington pela falta de vontade política para abordar um sistema pobre”, escreveu o correspondente na fronteira do Dallas Morning News, Alfredo Corchado, para resumir o momento.

À espera

Várias destas organizações e especialistas criticam a falta de preparação do novo governo de Biden e a ausência de opções mais efetivas para atender o fluxo na fronteiro, mas mostram que o problema imediato é resultado das políticas anti-imigrantes de Trump que desmantelaram grande parte da infraestrutura e dos programas para atender os menores de idade e solicitantes de asilo que chegam à fronteira.  

O governo de Biden não deixa de repetir que herdou um sistema de migração na fronteira “cruel” e caótico, e que reconstruir programas e processos efetivos tomará tempo e portanto solicita paciência. 

Desde que Biden chegou à Casa Branca foi anunciado uma mudança na política migratória incluindo cancelar o programa “fique no México” para dezenas de milhares de solicitantes de asila que foram obrigados a esperar a solução de seus casos do lado mexicano da fronteira sob um programa imposto por Trump.  Na mesma forma, anunciou-se que seria prioridade reunificar famílias imigrantes com os filhos separados por ordem do governo anterior e ao mesmo tempo foi ordenado que embora se continuasse “removendo” todo imigrantes que seja interceptado cruzando a fronteira, os menores de idade seriam admitidos e seus casos atendidos, inclusive buscando reuni-los com familiares nos Estados Unidos.  

Mas, por enquanto, os migrantes a caminho, os requerentes de asilo e os menores de idade que fogem dos seus países são relegados para segundo plano, mais uma vez, a ser peças em um jogo político no qual não têm voz nem voto e esperando que seus aliados nos Estados Unidos consigam mudar o tabuleiro.

Mas, por enquanto, migrantes a caminho, requerentes de asilo e menores que fogem de seus países são mais uma vez relegados a peças de um jogo político em que não têm voz nem voto e esperam por seus aliados. Nos Estados Unidos, eles conseguiram mudar o borda.

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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