Um estudo que analisou mais de três mil normas jurídicas publicadas pela União em 2020 mostra que a catástrofe sanitária e humanitária que testemunhamos no Brasil não é efeito de negligência do governo federal, mas resultado de uma sistemática política que tem como corolário mais de 220 mil mortos. “As 3.049 normas relativas à Covid-19 coletadas por nossa pesquisa no âmbito da União corroboram a ideia de que onde há o excesso de normas há pouco direito. Trata-se de um acervo normativo que resulta do embate entre a estratégia de propagação do vírus conduzida de forma sistemática pelo governo federal, e as tentativas de resistência dos demais poderes, dos entes federativos, de instituições independentes e da sociedade”, afirma o professor e pesquisador Fernando Aith, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
A imagem de negligência do governo federal, no entanto, não é totalmente equivocada. “O Poder Executivo federal recusou-se, por determinação expressa do presidente da república, a assumir o seu papel de coordenador nacional do SUS e de responsável pela elaboração de um Plano Nacional”, recorda o entrevistado. Mas quando resolveu agir, apostou na anticiência e na desinformação. “Quando agiu, agiu de forma equivocada: patrocinando a cloroquina e promovendo a desinformação; camuflando dados; desestimulando o uso de máscaras e o distanciamento social; indispondo-se frontalmente com parceiros estratégicos do Brasil, como China e Índia; deixando testes mofarem nos portos
Em meio este quadro desolador, o sistema judiciário adotou uma posição ambígua. “O sistema de justiça brasileiro funcionou na medida do possível. O STF foi muito importante para barrar medidas mais radicais e equivocadas do governo Bolsonaro no combate à pandemia”, frisa. “Agora, no que se refere à responsabilização do presidente da república pelos seus atos e omissões, aí o sistema de justiça falhou e vem falhando miseravelmente”, contrapõe.
“Nesse sentido, pode-se dizer que a democracia brasileira está sangrando em seu sistema de justiça, que não está funcionando a contento e vem sendo atacado por dentro (vale lembrar da entrada de Sérgio Moro no governo, logo após ser o juiz responsável por colocar o principal adversário de Bolsonaro nas eleições na cadeia; depois disso a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, denunciando o aparelhamento da Polícia Federal – PF no Rio de Janeiro; lembrar que Augusto Aras não estava na lista tríplice do MPF e ainda assim foi alçado ao posto de PGR; são muitos os indícios de que o sistema de justiça está se deteriorando em sua composição e imparcialidade)”, avalia o entrevistado.
Fernando Mussa Abujamra Aith é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FADUSP, onde também realizou mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito e doutorado em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP – FSP/USP. Atualmente é professor Titular do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USP, co-diretor Científico do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, professor Visitante da Université Paris Descartes – Paris 5 e membro Especialista da Plataforma Harmony with Nature da Organização das Nações Unidas – ONU.
Confira a entrevista:
Como foi feita a pesquisa e quem compõem o grupo de pesquisadores que produziram o boletim Direitos na pandemia. Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil?
Fernando Aith – A pesquisa foi iniciada em março de 2020, logo após a Organização Mundual da Saúde – OMS declarar Emergência Internacional de Saúde Pública. Tivemos a preocupação de acompanhar de forma sistemática e científica a produção normativa brasileira de resposta à pandemia, na União, nos Estados e nos municípios. Antevíamos, dada a realidade federativa e política brasileira, que este seria um campo de estudos rico em conteúdo e que poderia nos mostrar, empiricamente, como funcionam as instituições com poder normativo no país quando pressionadas por uma crise sanitária desta magnitude.
A equipe de pesquisa é coordenada por mim em conjunto com as professoras Deisy Ventura (FSP/USP) e Rossana Reis (FFLCH/USP), e conta com um conjunto de pesquisadores da USP da área do direito, da epidemiologia e da saúde pública: Fredi Quijano, Camila Lissa Asano; Tatiane Bomfim Ribeiro; André Bastos Ferreira; Alexia Viana da Rosa; Alexsander Silva Farias; Giovanna Dutra Silva Valentim; Lucas Bertola Herzog.
A partir de descritores que definimos, pesquisamos em todos os diários oficiais da União e dos Estados durante o ano de 2020, e coletamos todas as normas que tratam da resposta brasileira à Covid nestes entes federativos. São tantas normas que tivemos que deixar os municípios para um outro momento. Somente a União, em 2020, publicou 3.049 normas jurídicas especificamente para responder à pandemia. Como se vê, com eficácia e resultados bastante questionáveis.
O que sugere, ao se analisar as 3.049 normas relacionadas à Covid-19, que o colapso que estamos vivenciando não é resultado de negligência e incompetência, mas, sim, de uma “estratégia institucional”?
A inflação normativa reflete o descalabro da resposta brasileira à pandemia: no momento em que respondo esta entrevisra o Brasil já ultrapassou 225 mil mortos e mais de uma a cada dez pessoas mortas pela doença no mundo encontram-se no Brasil; o Estado do Amazonas sufoca, sem oxigênio para os pacientes infectados pelo coronavírus; a vacinação ainda não acontece de forma coordenada e organizada no país; o Poder Executivo Federal mantém a postura negacionista, renunciando aos seus deveres mais elementares no que se refere à coordenação do Sistema Único de Saúde – SUS. Com tudo isso se hipoteca o que poderia ser o maior trunfo brasileiro diante da emergência: a prática de um federalismo cooperativo e solidário.
As 3.049 normas relativas à Covid-19 coletadas por nossa pesquisa no âmbito da União corroboram a ideia de que onde há o excesso de normas há pouco direito. Trata-se de um acervo normativo que resulta do embate entre a estratégia de propagação do vírus conduzida de forma sistemática pelo governo federal, e as tentativas de resistência dos demais poderes, dos entes federativos, de instituições independentes e da sociedade. A linha do tempo que publicamos na décima edição do Boletim Direitos na Pandemia, que divulga os resultados da pesquisa, demonstra a relação direta entre os atos normativos federais, a obstrução constante às respostas locais e a propaganda contra a saúde pública promovida pelo governo federal. Outro artigo do mesmo boletim, dedicado ao estudo das atividades essenciais, é representativo do desafio no qual se encontra a cidadania brasileira, que é o de saber a que norma, afinal, deve obedecer. Parafraseando uma fórmula clássica do debate jurídico, podemos afirmar que, diante da pandemia, o direito brasileiro tem servido tanto como escudo que protege os direitos humanos, como a espada que os ataca e ameaça, pois normas e decisões judiciais têm servido a ambos papéis.
Quais são as principais violações aos direitos civis e humanos evidenciadas pelo estudo?
São tantas…, mas podemos destacar algumas que chocam mais pela violência caracterizada institucionalmente pelas normas jurídicas.
Os povos indígenas foram, sem dúvida, os que mais sofreram e ainda sofrem violações. Já em março, o Ministério da Saúde apresentou um Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (Covid-19) em Povos Indígenas que não previa medidas concretas, cronograma ou definição de responsabilidades, além de não contar com a participação de comunidades indígenas. Em liminar de 08/07, o Supremo Tribunal Federal – STF determina adoção de medidas como a criação de sala de situação, barreiras sanitárias, plano de enfrentamento da Covid-19, contenção de invasores e acessibilidade à saúde própria ou diferenciada para indígenas aldeados e não aldeados, estes na falta de vagas no Sistema Único de Saúde.
Além disso, a Portaria FUNAI n. 419 permitiu às coordenações regionais conceder autorizações em caráter excepcional para a realização de atividades essenciais em comunidades indígenas isoladas. Foi modificada pela Portaria no 435 de 20/03, após Ministério Público Federal – MPF apontar que ação de contato por instância sem capacidade legal e técnica para tomar decisões referentes aos povos isolados pode agravar a exposição à Covid-19 de comunidades que já têm pouca ou nenhuma capacidade de resposta imunológica ao vírus.
Como se não bastasse, pela Mensagem n. 378, o presidente da república veta 14 dispositivos da Lei no 14.021 de 07/07/2020 que determina medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia de Covid-19. Entre os vetos, foram retiradas proteções básicas como o acesso com urgência a seis serviços gratuitos e periódicos: água potável, materiais de higiene e limpeza, leitos hospitalares e de UTIs, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, materiais informativos sobre a Covid-19 e internet nas aldeias.
Em sua estratégia de propagação do vírus e suposta “proteção” da economia, o presidente da república publica Despacho no Diário Oficial da União – DOU que modifica a Mensagem n. 374 para fazer novos vetos à Lei no 14.019, que já havia sido promulgada e publicada, apesar da expiração do prazo de 15 dias úteis para exercício do direito de veto em 02/07. Os novos vetos suprimem a obrigação dos estabelecimentos em funcionamento durante a pandemia de fornecer gratuitamente a seus funcionários e colaboradores máscaras de proteção individual, (ainda que de fabricação artesanal, sem prejuízo de outros equipamentos de proteção individual estabelecidos pelas normas de segurança e saúde do trabalho) e sua obrigação de afixar cartazes informativos sobre a forma de uso correto de máscaras e o número máximo de pessoas permitidasao mesmo tempo dentro do estabelecimento. Veta ainda a obrigatoriedade de uso de máscaras de proteção individual nos estabelecimentos prisionais e nos estabelecimentos de cumprimento de medidas socioeducativas. Em 03/08, o STF concede liminar restabelecendo a vigência dos dispositivos vetados, entendendo que o “exercício renovado” do poder de veto não está conforme a Constituição Federal; que veto, após manifestado, é insuscetível de retratação; e que “a inusitada situação dos autos” gera forte insegurança jurídica, dificultando “identificação de qual é o direito vigente”.
No que se refere à proteção dos grupos sociais mais vulneráveis economicamente, pela Mensagem n. 268 o presidente da república veta dispositivos da Lei n. 13.998 que ampliavam alcance do auxílio emergencial a pescadores artesanais, taxistas, motoristas de aplicativo, motoristas de transporte escolar, entregadores de aplicativo, profissionais autônomos de educação física, ambulantes, feirantes, garçons, babás, manicures, cabeleireiros e professores contratados que estejam sem receber salário, entre outras mudanças que trariam maior proteção social.
Como a definição sobre quais são as “atividades essenciais” acabaram agravando ainda mais a situação das populações mais empobrecidas, especialmente nos trabalhos mais precarizados e informais?
Inicialmente, necessário destacar a edição da Medida Provisória – MP n. 926, que altera a Lei 13.979 para, entre outras medidas, atribuir ao presidente da república a competência de dispor sobre os serviços públicos e atividades essenciais por meio de Decreto, como tentativa de redistribuição de poderes de polícia sanitária em prol da União. Em 24/03, o STF concede liminar assegurando que a MP não afaste a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Em 11/08, a MP é convertida na Lei no 14.035, de 2020, que atribui explicitamente às autoridades federativas (Estados e Municípios) a competência de dispor, mediante decreto, sobre serviços públicos e de atividades essenciais.
Essa indecisão normativa gerou uma cacofonia sobre o conceito de serviços essenciais e gerou um verdadeiro caos no que se refere à harmonização da economia brasileira durante a pandemia. Esse fator de instabilidade deve ser associado aos problemas do auxílio emergencial para os grupos mais vulneráveis, que não tinham condição de “ficar em casa” sem apoio do governo, que tardou e foi bastante confuso.
Agência Brasil
Transporte de pacientes de Manaus para outros estados.
A questão migratória é outro ponto sensível no que toca as violações cometidas pelo atual governo? Como isso se dá? Quais são os casos mais elucidativos deste problema?
Com a pandemia da Covid-19, o fechamento de fronteiras foi a reação imediata de vários países, impedindo a entrada dos não nacionais. O Brasil não foi diferente. No tocante ao acolhimento dos migrantes, entre eles refugiados, foram adotadas, progressivamente, medidas de fechamento das fronteiras brasileiras, proibindo-se ingresso de não nacionais (com poucas exceções). O Boletim Direitos na Pandemia n. 10 traz excelente texto do Prof. André Ramos sobre esse assunto, que vale resumir aqui.
A escalada de portarias do Governo Federal nesse mesmo sentido foi se acentuando ao longo do ano. Após a edição da Lei no 13.979/20 (“lei da pandemia”), houve a proliferação de diversas portarias sobre o fechamento de fronteiras, até a unificação por meio da Portaria nº 255, que pode ser considerada com o marco infralegal do chamado “fechamento de fronteiras” (como visto, termo para restrição temporária e excepcional da entrada de não nacionais no Brasil). A Portaria nº 419, de 26 de agosto de 2020, prorrogou, pelo prazo de 30 dias, a proibição de entrada no país de estrangeiros de qualquer nacionalidade, por rodovias, por outros meios terrestres ou por transporte aquaviário, mas liberou a entrada de pessoas pelo transporte aéreo. Em seguida, tal regime foi renovado (com a liberação do transporte aéreo) pelas sucessivas Portarias nº 456, de 24 de setembro, nº 470, de 2 de outubro, nº 478 de 14 de outubro, nº 518, de 12 de novembro de 2020, nº 615, de 11 de dezembro de 2020 e nº 630, de 17 de dezembro de 2020. Cada nova portaria revogou expressamente a anterior.
Após a detecção de uma variante do vírus da pandemia no Reino Unido, foi editada a Portaria nº 648, de 23 de dezembro de 2020, impondo banimento de voos internacionais com destino ao Brasil originados ou com passagem pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, mantida a permissão do transporte aéreo para os demais casos, bem como sendo mantidas as barreiras aos demais meios de transporte.
O fechamento de fronteiras impactou negativamente tanto a migração em geral regulada pela Lei de Migração (Lei no 13.445/17) quanto o direito ao acolhimento regrado pelo Direito Internacional do Refúgio e pelas normas nacionais, em especial a Lei no 9.474/97 (Estatuto do Refugiado). Ressalte-se que as Portarias, sucessivamente, contém dispositivos discriminatórios explícitos e injustificados com relação aos que ingressam no país pela fronteira terrestre venezuelana.
Na pandemia, o Brasil optou por erguer uma muralha, excluindo indiscriminadamente os não nacionais, mesmo os merecedores de refúgio e acolhida humanitária. É preciso dosar de forma mais parcimoniosa a forma como estamos tratando a questão das fronteiras durante a pandemia.
O que se pode dizer sobre as normas de controle da pandemia? Como a falta de sintonia entre o governo federal e os estados e municípios acabou impactando negativamente no quadro da pandemia no Brasil?
As normas de controle da pandemia no Brasil podem ser caracterizadas como uma cacofonia normativa com resultados catastróficos.
O Poder Executivo federal recusou-se, por determinação expressa do presidente da república, a assumir o seu papel de coordenador nacional do SUS e de responsável pela elaboração de um Plano Nacional. Deixou aos estados e municípios o papel de tentar conter a pandemia como pudessem, e durante todo o período da pandemia praticamente “jogou contra” estes entes federativos, criticando as medidas corretas que Estados e municípios tentavam adotar (ainda que impopulares) e induzindo a população a não insubordinação civil às normas de isolamento e distanciamento social.
De outro lado, quando agiu, agiu de forma equivocada: patrocinando a cloroquina e promovendo a desinformação; camuflando dados; desestimulando o uso de máscaras e o distanciamento social; indispondo-se frontalmente com parceiros estratégicos do Brasil, como China e Índia; deixando testes mofarem nos portos; recusando ofertas essenciais de vacinas, como a da Pfizer; entrando com cota mínima no consórcio Covax Facility… A lista é grande.
Esse estado de coisas é que trouxe o país para o atual quadro de mortes, insegurança e desolação com relação à quando teremos a vacina universal em nosso país.
Em que medida essa experiência da pandemia põe em cheque o modelo federativo da gestão pública?
De um lado, a pandemia mostrou que, sem cooperação republicana entre os entes federativos, não há como instaurar um modelo federativo formado pela União, 26 Estados, o DF e mais 5.570 municípios dotados de autonomia. Trata-se de um modelo muito fragmentado. Nesse cenário, implementar uma Política Nacional necessita de cooperação, União e vontade de proteger o interesse público acima dos interesses políticos e pessoais paroquiais. Isso não ocorreu e a nossa democracia não está mostrando um horizonte azul para que isso ocorra em um futuro próximo.
De outro lado, foi o modelo federativo brasileiro que garantiu aos Estados e municípios a autonomia necessária para adotar medidas corretas de contenção à pandemia e de manter o SUS vivo. O modelo de organização do SUS, com uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços públicos de saúde, tendo nos municípios e Estados os grandes atores em termos de prestação efetiva de serviços, mostrou uma força e uma correção estrutural que devem ser valorizados e reforçados.
O que ficou muito evidente em nosso modelo federativo, nessa pandemia, é que a União detém muito poder normativo e orçamentário ainda, e que sem a União o federalismo brasileiro sofre bastante. Mas o exemplo de São Paulo com a Coronavac prova que há possibilidade de avanços importantes mesmo com a omissão do nível federativo nacional.
Por que o sistema jurídico e o sistema judiciário não foram suficientes para evitar as violações infringidas pelo governo Bolsonaro?
O sistema de justiça brasileiro funcionou na medida do possível. O STF foi muito importante para barrar medidas mais radicais e equivocadas do governo Bolsonaro no combate à pandemia, como no reconhecimento da autonomia dos Estados e municípios para atuar no campo da saúde, na exigência para que o Governo apresentasse planos para a saúde indígena e para a contenção da pandemia em nível nacional, dentre outras medidas importantes.
Agora, no que se refere à responsabilização do presidente da república pelos seus atos e omissões, aí o sistema de justiça falhou e vem falhando miseravelmente.
De um lado, os crimes de responsabilidade já amplamente identificados, com robustas provas documentais e normativas, somente podem prosperar se o presidente da Câmara dos Deputados der início ao processo de impeachment. Rodrigo Maia não fez isso, sentou em cima de mais de sessenta pedidos de impeachment contra Bolsonaro que estavam aguardando sua apreciação e encaminhamento. Agora, com o novo presidente da Câmara, aliado do Presidente, esta via de responsabilização fica ainda mais distante.
De outro lado, a Procuradoria Geral da República foi ocupada por um aliado do presidente que já verbalizou que não pretende processá-lo por crimes comuns, por mais bárbaros que esses se configurem. Agora mesmo, com relação à tragédia de Manaus, ele optou por abrir inquérito somente contra o Ministro da Saúde, como se este não estivesse ali a mando de seu superior hierárquico, o presidente da república.
Nesse sentido, pode-se dizer que a democracia brasileira está sangrando em seu sistema de justiça, que não está funcionando a contento e vem sendo atacado por dentro (vale lembrar da entrada de Sérgio Moro no governo, logo após ser o juiz responsável por colocar o principal adversário de Bolsonaro nas eleições na cadeia; depois disso a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, denunciando o aparelhamento da Polícia Federal – PF no Rio de Janeiro; lembrar que Augusto Aras não estava na lista tríplice do MPF e ainda assim foi alçado ao posto de PGR; são muitos os indícios de que o sistema de justiça está se deteriorando em sua composição e imparcialidade).
Quais as possíveis consequências dessa violação de direitos civis e humanos que vocês detectam na pesquisa? Cabem penalidades em âmbitos nacional e internacional?
As consequências mais imediatas são associadas ao sofrimento dos grupos vulneráveis que estão sofrendo estas violações. Muitos deles não estarão aqui para serem reparados, porque estarão mortos.
As penalidades previstas para o descalabro que estamos vivenciando são muitas. Foram identificados crimes de responsabilidade e crimes comuns do presidente da república e vários de seus assessores mais diretos. No entanto, o sistema de justiça não está funcionando bem em nossa frágil democracia, seja no Legislativo (via impeachment) seja no Judiciário (via crimes comuns). Essa ausência de respostas nacionais abre caminho para, talvez, prosperarem as denúncias apresentadas contra o presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional. O futuro tem um encontro marcado com estas autoridades públicas pelo que estão fazendo no presente. Um dia, espero, serão devidamente responsabilizados pelos crimes que estão cometendo.
Como superar essas violações em tempo para que o Brasil não fique sofrendo por anos as consequências da má gestão dessa pandemia?
Precisamos urgentemente resgatar o nosso Estado Democrático de Direito, a independência do Ministério Público Federal e dos órgãos do Poder Judiciário, a independência e harmonia do Poder Legislativo, a transparência dos atos estatais e o vigor de nossa sociedade civil, que está imobilizada pela pandemia, mas continua viva.
Qual sua posição sobre o Auxílio Emergencial? Apesar de seus problemas de execução, denunciados no Boletim, não se tratou de um avanço importante que agora teve sua continuidade interrompida?
O auxílio emergencial é fundamental para garantir uma renda à população economicamente vulnerável no Brasil durante o período da pandemia. Ele deve ser associado aos programas sociais que já existiam e que vem sendo desmontados pelo atual governo, como o Bolsa Família, para que se possa ter um mínimo de acompanhamento dos seus resultados, com a transição o quanto antes do assistencialismo para a inclusão social economicamente produtiva.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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