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ToggleNo último 3 de novembro, cumpriram-se 50 anos da chegada de Salvador Allende ao poder no Chile. O mais transcendente dos chilenos, aquele que o mundo rememora em múltiplas homenagens em universidades, congressos, pesquisas, escolas, hospitais, entre outros, chegava ao poder com a Unidade Popular (UP).
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Como resposta, os Estados Unidos (EUA), que viam na nacionalização do cobre e de empresas ianques ameaças aos seus interesses, optaram pela “fórmula do caos” e empreenderam todo tipo de sabotagens: apoio logístico e militar para atentados, assassinatos políticos e uma série de tentativas de golpes até que, no dia 11 de setembro de 1973, venceram, colocando no poder Augusto Pinochet, que nele ficou por 17 anos.
Documentos revelados décadas depois exibiram os diálogos pré-golpe entre o ex-presidente estadunidense, o republicano Richard Nixon, e o então conselheiro de Segurança Nacional, Henry Kissinger, evidenciando como ambos se referiam a Allende e o perigo da chegada ao poder do socialista no Chile.
– Não deixaremos que o Chile entre pelo cano (Kissinger)
– É necessário asfixiar a economia chilena! (Nixon)
– Ele é um inimigo (Allende). Tudo o que acontecer servirá de exemplo para a América Latina. É necessário chutar o seu traseiro (Nixon).
O resto da história é conhecida. E o apoio econômico e militar dado à ditadura é inesquecível, como foi o caso com a Escolas das Américas, o Plano Condor e o uso do país como cobaia do modelo neoliberal antes que este fosse aplicado inclusive na Grã-Bretanha e nos próprios EUA.
Ainda que Nixon fosse republicano, de um particular perfil chulo, simplório e cognitivamente precário, a realidade é que as ações dos presidentes democratas que conhecemos depois no Chile e as relações que mantiveram com o país diferiram na forma, mas bem pouco no fundo. Aí talvez radique o principal receio com os democratas. De aparência menos rude, mas tão perigosos quanto os outros.
Flickr / Joe Biden
Se tudo correr conforme as pesquisas, Biden deverá enfrentar a eleição no Chile de um possível comunista.
Nova Revolução
Diferentemente da atenção dada no Brasil à eleição estadunidense, no Chile, o acompanhamento foi bastante reduzido, o que se explica tanto pela história do país, quanto pela visão que se tem sobre os EUA.
A revolta ou estallido social que começou em outubro do ano passado pode sim ser uma calamidade nas relações exteriores entre ambos os países e para os planos que os EUA sempre tiveram para o resto da América Latina.
O antigo exemplo da receita neoliberal, o modelo a ser seguido, já não pode mais ser a referência da turma na região. O Chile vive um processo revolucionário, que teve como ponto mais álgido a votação de uma nova Constituição, mas que continua exigindo o fim do modelo neoliberal.
Nas ruas, seguem as demandas populares, como liberdade aos presos políticos e protestos pelas vítimas da repressão policial. Desde outubro do ano passado, mais de 400 chilenos perderam a visão parcial dos olhos, outras duas pessoas ficaram totalmente cegas por ação direta da polícia e se contabilizam 42 mortos desde que começaram as mobilizações.
Cifras escandalosas que se tivessem acontecido em qualquer outro país estampariam capas e páginas completas ou seriam tema de análises diárias na TV. No entanto, poucas vezes o Chile capta a atenção internacional devida. Talvez seja porque a economia mais estável de América Latina — e a mais desigual — esteja tão convulsionada que os protestos poderiam se transformar em exemplo negativo, da mesma maneira como Nixon temia com as reformas impulsionadas por Allende.
Relações econômicas
Na economia, o Chile mantém um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos, assim como também possui o mesmo tratado com a China, que é o seu principal sócio econômico.
Os EUA ocupam o segundo lugar. Embora a economia chilena tenha sido afetada nas exportações por causa da guerra comercial entre as duas potências, um governo Biden deverá injetar investimentos para tentar conter a influência chinesa.
Em 2019, as exportações do Chile diminuíram 7,4%. Para piorar, com a pandemia, acelerou-se ainda mais a queda do comércio exterior e se acirraram os protestos.
Joe Biden esteve duas vezes no Chile. Em uma delas, em 2009, foi convidado pela ex-presidenta Michelle Bachelet para uma reunião de líderes “progressistas”, na qual participaram social-democratas do mundo inteiro.
Biden demonstrou interesse pelo país, por sua aparente credibilidade e por sua “influência regional” — fruto do tamanho do PIB. De fato, até o ano passado, o país gozava de alta confiabilidade e, em novembro, seria sede da APEC (Asian Pacific Economic Cooperation), mas os protestos acabaram por cancelar a reunião.
Um par de décadas atrás, o Chile foi convidado pelo próprio Bill Clinton para integrar a fracassada ALCA, Área de Livre Comércio das Américas. Antes, o país também havia sido convidado para integrar o NAFTA, mas o congresso estadunidense, de maioria republicano naquele tempo, se opôs.
O que esperar de Biden?
Geopoliticamente, a esperança colocada no Chile também se apagou. O maior fracasso do presidente chileno Sebastián Piñera foi o Forúm para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL), ideologicamente criado para se opor à União das Nações Sul Americanas (UNASUL).
Piñera pretendia liderar a ofensiva direitista após a vitória de Lenín Moreno, no Equador; Iván Duque, na Colômbia e Bolsonaro, no Brasil.
Só ocorreu, até agora, uma reunião do grupo, em março do ano passado. Atualmente, a maior parte desses países enfrenta protestos, tenta conter a pandemia de coronavírus e ostenta altos índices de contágios.
Por último, se tudo correr conforme as pesquisas, Biden deverá enfrentar a eleição no Chile de um possível comunista. O pré-candidato mais bem avaliado para disputar a eleição presidencial é o prefeito de Recoleta, Daniel Jadue.
De ascendência palestina, Jadue milita no Partido Comunista do Chile (PCCh) e — ainda que não seja oficialmente candidato — é o político que melhor representa as demandas sociais colocadas em prática na sua gestão municipal.
E como a história geralmente só muda os atores, é provável que Biden se comporte como todo imperialista, tentando conter e possivelmente sabotar eleições ou governos. Resta saber até onde a influência estadunidense poderá operar no atual Chile, berço do neoliberalismo e que reivindica ser também a sua tumba.
* Franco López é graduado em Comunicação Social e Jornalismo pela Universidad La República no Chile. Pós-graduado em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, FESPSP. Mestre em Ciências pelo programa de Integração da América Latina, PROLAM, da Universidade de São Paulo, USP. Atualmente cursa Sociologia na Universidade Paulista, UNIP.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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