Desde que, pouco tempo depois da posse, o advogado Abanto desqualificasse Martin Vizcarra chamando-o de “Presidente casual”, ficou claro que o jogo da reação se orientava a conseguir, por um ou outro caminho, a vacância da Presidência da República do Peru e o estabelecimento de uma sucessão qualquer.
No início, os planos apontavam para Mercedes Aráoz, mas sua conduta foi tão errática que a ideia naufragou sem maiores consequências. Então – como, além do mais, o tempo é curto – surge agora outra ideia: trocar o Chefe do Estado substituindo-o pelo Presidente do Congresso.
Em todo caso, isso parece “mais constitucional” sobretudo se for iluminado com a vela sempre acesa de Valentín Paniagua, que cumpriu um honroso papel no passado.
Vários argumentos foram esboçados ao longo do tempo para chegar a esse propósito. Se disse, primeiro, que a este Martín ninguém havia elegido; que havia chegado a essa função por sorte e, porque conspirou – a partir do Canadá – para derrubar o titular do cargo. E isso, asseguraram aqueles que lutaram por derrubar o PPK, foi porque queriam castigar seu “atrevimento”: vencer a Keiko na eleição de 2016.
A campanha não deu certo porque Vizcarra fechou o Congresso, ganhando uma reconhecida adesão da cidadania. Aí se levantou a “ameaça” da senhora Araoz como uma espécie de Guaidó de saia, proclamada “Presidenta” para que fosse “reconhecida” por quem quisesse. Essa manobra tampouco deu resultado.
A eleição de um novo parlamento pareceu trazer algo novo, mas não foi assim. De fato, o tema abriu a possibilidade de jogar com novas cartas. Desta vez apostaram por soprar ao ouvido de cada parlamentar a possibilidade de se manter no cargo por mais tempo, ou buscar uma reeleição originalmente descartada.
Essas mesmas vozes tentaram o Presidente do Congresso com uma faixa presidencial no peito. E pareceria que, em ambos extremos, cumpriu-se aquilo de que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Reprodução Twitter
"O que temem é a dispersão da direita e o pânico de que aqui se reproduza o fenômeno boliviano."
Este ano foram usadas outras cartas; uma intensa pressão destinada a demonstrar que o fracasso da emergência sanitária e o incremento da Covid-19 era responsabilidade exclusivamente do mandatário, ao qual simplesmente adjetivaram de “incapaz”. Repetido o argumento até o fim, houve quem o assimilasse.
Não importou que o Peru fosse na região o país com o pior sistema de saúde, e a mais deteriorada estrutura hospitalar. Culparam Vizcarra pela falta de leitos de UTI, de salas de emergência, de respiradores mecânicos e até de balões de oxigênio.
Diante dos olhos de alguns meios, o Presidente era o único culpado de tudo o que faltava. Tampouco deu resultado. Finalmente se chegou ao momento do retorno. As cifras de mortes diminuíram e os contágios deixaram de crescer com a rapidez que se temia. Mas isso foi atribuído à “imunidade de rebanho”.
Então apareceu a nova carga: acusar Vizcarra de corrupção. Primeiro, foi o “caso Swing”, que careceu de consistência real. Depois, falou-se do Hospital Regional de Moquegua, e a sustentação foi fraca. Tiveram que trocar de montaria: o Projeto de Lomas de Ila, adjudicado à Obrainsa.
A tese não funcionou, porque o projeto não foi tramitado por Vizcarra, mas pelo Escritório das Nações Unidas encarregado desses assuntos, o ONAPS. Hoje se busca um novo tema: o Presidente “não é garantia eleitoral”. Então deve ser substituído. O “caso” foi diferido para novembro.
Na realidade, o que buscam é outra coisa: instalar um novo Presidente cuja decisão seja postergar o próximo processo eleitoral, argumentando com a crise sanitária e a falta de transparência das normas eleitorais. Isto porque o Congresso se viu forçado a aceitar contrariado, disposições que gostaria de deixar sem efeito, como a que proíbe a postulação de condenados em primeira instância.
Adiar as eleições por um par de anos – também é conveniente para Antauro e seu sócio de aventuras Edgar Alarcón — garantiria superar a pandemia e reajustar as bases para um “processo realmente transparente”. No meio tempo, um Presidente interino e um Congresso em funções até 2022.
No fundo, o que temem é a dispersão da direita e o pânico de que aqui se reproduza o fenômeno boliviano: a unidade da esquerda que leve a uma vitória forças que lutam realmente por uma transformação social. Isto não é impossível, e os deixa transtornados.
Em 20 de outubro falou a “Coordenadoria Republicana”, em documento subscrito pelo mais rançoso da aristocracia politiqueira de hoje. Pede à Força Armada que retire seu apoio a Vizcarra. Até aí chega seu jogo.
O que cabe perguntar é: que vela tem a Frente Ampla neste enterro? Porque nem a esquerda – nem o povo – conseguem ver com clareza nessa confusão?
Aqui só há uma pendente golpista da direita. Até Hildebrandt adverte.
Gustavo Espinoza M. colaborador da Diálogos do Sul desde Lima
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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