O informe Crise de Estado, Violação dos Direitos Humanos na Bolívia, Outubro-Dezembro de 2019, divulgado recentemente pela Defensoria Pública expõe o grau de covardia praticado pelas forças de repressão do governo de Jeanine Áñez.
O documento com mais de 300 páginas não deixa margem a dúvidas. pela barbárie com que foram executados os assassinatos contra partidários de Evo Morales – ou quem acreditavam ser – nos dias 15 e 19 de novembro do ano passado em Sacaba e Senkata.
“Todas as pessoas em Senkata, absolutamente todas, morreram por ferida de bala com disparos entre o coração e a cabeça. As tropas nunca tiveram o objetivo de dissuadir, tinham o objetivo de matar. Em Sacaba diziam que iam caçar os camponeses. Não houve enfrentamentos em nenhum dos dois locais, mas massacres que, pela quantidade de mortes, catalogamos tecnicamente como crimes de lesa-humanidade”, explicita o informe da Defensoria.
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Estive em Sacaba, cidade próxima a Cochabamba, acompanhado do pesquisador e cientista social Porfirio Cochi.
Moradora próxima ao local onde ocorreu o primeiro massacre, Yanet Challapa tem péssimas recordações daquele 15 de novembro, do intenso barulho dos helicópteros, do gás lacrimogêneo invadindo a casa, do horror tomando conta das crianças. “Aquilo tudo foi um atentado covarde de Jeanine Áñez contra manifestantes que só levantavam bandeiras. Mataram os jovens a sangue frio e inventaram que estavam armados, que buscavam confronto, e isso é tudo mentira”, denunciou.
Leonardo Wexell Severo
Memorial em memória das vítimas do massacre de Sacaba e Senkata
Conforme Yanet, havia uma semana os camponeses vindo do Chapare tentavam passar pelo bloqueio imposto pelo autoproclamado governo de Áñez para defender que se respeitasse o resultado das urnas. “As tropas fecharam caminho, barraram a passagem e abriram fogo. Foi uma mortandade.”
A moradora acredita que há uma explicação para o número de vítimas fatais ser subestimado: o fato das famílias serem de locais distantes do Chapare e das pessoas ainda estarem muito atemorizadas pelo clima de perseguição e violência, mesmo às vésperas da eleição.
Félix Rodriguez Pardo segurava suas muletas e a voz ficou ainda mais firme ao recordar do que viu e ouviu em contraste ao que foi falado pela imprensa boliviana. “É uma gente que tem rabo preso, que desinforma. É de direita, algo decepcionante.
Eles serviram a um governo que mentiu claramente ao dizer que os manifestantes, que foram vítimas, tinham se matado entre si. Para completar, Áñez se aproveitou da matança para justificar o aumento da repressão”, acrescentou.
Na avaliação de Rodriguez, “em Sacaba há mais corpos, mas que só vão aparecer quando tivermos um governo democrático e não o que foi o responsável pelo massacre”.
“O fato é que o MAS precisa voltar, para que as famílias dos mortos sejam devidamente indenizadas, da mesma forma que os centenas de feridos”, defendeu.
O semblante de Lizeth Carnaviri pareceu escurecer o colorido do aguayo com que carregava o filho na hora de denunciar “a forma como abateram aqueles jovens”. “Foi cruel, daquele jeito não se mata nem um animal. Foram massacrados, humilhados, e isso todo o mundo deveria saber, porque aquelas pessoas tinham família, pai, mãe, filhos.
Há muita intranquilidade e o que mais necessitamos neste momento é justiça. E para que isso ocorra, por tudo o que vimos, é preciso garantir a volta do MAS”, declarou. Diante da chantagem do governo golpista, dos militares e de sua mídia atuando em coro pela impunidade e pela continuidade do retrocesso, Carnaviri ressaltou ser este um momento de “colocar a comunidade, ao lado dos movimentos sociais, em pé de luta para impedir a fraude”.
Carmen Rosa também fica intranquila “só de lembrar”. Proprietária de uma mecânica de bicicletas próxima à ponte Huayllani, onde houve o massacre, recordou que os manifestantes solicitaram que o comércio fosse fechado, pois as tropas estavam sinalizando que iriam reprimir com violência.
“Mas nunca ninguém imaginou que fosse ocorrer uma matança como aquela. Os companheiros do Chapare vieram para defender a democracia e foram impedidos. Minha mãe, que é idosa, estava aqui e os trabalhadores pediram para que ela fechasse. Ela saiu para comprar algo e meia hora depois começaram a chegar os corpos e feridos, um massacre total”, apontou.
Diz que traz consigo a recordação dos rostos daqueles jovens tão determinados: “eles deram a vida pela democracia e todos os dias quando vejo aquele local, em que estão suas fotos e flores, recordo do sofrimento pelo que passaram”.
“Agora não querem deixar retornar o MAS, porque é uma elite que está acostumada a ser dona de tudo. Mas nosso povo recorda o que o país já foi e no que está se transformando, com alto nível de desemprego. Uma crise que infelizmente está aumentando a delinquência. Por isso, sim ou sim, tem que haver mudança”, concluiu Carmen Rosa.
Que o azul da harmonia e da esperança do céu andino vire a página de sangue da confrontação dos Mesa e dos Camacho.
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