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Militares sabem o que foi feito com cada um dos desaparecidos no Chile, denuncia ativista

"O país deve saber o que se passou com cada um deles", acrescenta Gaby Rivera Sánchez, que teve o pai foi raptado pela ditadura de Pinochet
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

Tantos anos transcorridos, tantas lágrimas derramadas, quanto empenho na busca incessante, esgotadora e frustrante… e embora falam com a tristeza de sempre, também com a fortaleza que as impulsiona a encontrar seus familiares, aos 1.200 desaparecidos cujos restos se desconhece onde estão. 

O 50º aniversário do início dos horrores é alcançado em um ambiente que se tingiu de repúdio, quando a direita, quase completamente, não tem vacilado em instalar um relativismo que busca justificar o golpe de 1973

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“O tema dos desaparecidos não está sanado, nos 50 anos transcorridos não se soube nada,  seus familiares continuam na incerteza. Há um momento no país que não posso entender, me parece que temos uma direita não fascista, mas sim muito fascista que tem a ver com o negacionismo acerca do que foi a ditadura cívico militar durante 17 anos. Há uma defensoria a respeito do que significou e um apoio a esse momento tão fascista que viveu este país com os atropelos mais desumanos”, diz Gaby Rivera Sánchez, presidenta do Agrupamento de Familiares de Detidos Desaparecidos (AFDD). 

Acerca de por quê se busca até com desembaraço justificar a ruptura institucional e o derrocamento de Salvador Allende – se nega, por exemplo, que houve mulheres grávidas que foram torturadas e assassinadas, fatos que estão documentados –, Rivera diz que “cada um cumpre um papel, nós o de seguir exigindo ao Estado que não pode abandonar a busca dos cidadãos que um dia tomaram e fizeram desaparecer.”

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“No Parlamento, há pessoas dispostas a mentir e passar sobre a filha de um detido desaparecido ou da esposa de um executado político, é o mais perverso que se pode ver em um deputado da nação. Essas ações são de negacionismo acerca do que realmente passou, mas o país que não tem memória não poderá seguir avançando para que estes fatos nunca mais aconteçam”.

"O país deve saber o que se passou com cada um deles", acrescenta Gaby Rivera Sánchez, que teve o pai foi raptado pela ditadura de Pinochet

Foto: AFDDChile – Reprodução/Twitter
Gaby Rivera (ao centro), presidenta do Agrupamento de Familiares de Detidos Desaparecidos do Chile

Confira a entrevista

La Jornada | O Presidente Gabriel Boric anunciará um grupo de trabalho para estabelecer onde estão os restos dos desaparecidos e as circunstâncias em que foram assassinados. O que espero deste novo intento de estabelecer uma verdade histórica?
Gaby Rivera | Os governos nunca tiveram a vontade política para enfrentar o tema dos detidos e desaparecidos, nem a tortura permanente que isto significa. Se agora o presidente diz que vamos buscá-los porque nos fazem falta, essa frase o faz amigável à nossa causa. Nós trabalhamos em uma proposta que foi incluída nesse plano de busca, isso nos torna parte desse processo. Não só queremos encontrá-los, mas também conhecer o dia em que os tomaram, quem, como e porque, todo esse processo desde o “dia 1” até que os enterraram, o país deve saber o que se passou com cada um deles.

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Que papel considera que devem ter neste processo as forças armadas para que tenha êxito?
Primeiro, terminar com o pacto de silêncio que têm. Os 50 anos passaram para eles e para nós, mas nossas mães foram falecendo sem saber o se que passou com seus familiares. E eles (os sequestradores, encobridores, torturadores e homicidas) também estão morrendo com essa verdade que sabem. Não temos dúvida que as forças armadas têm a informação, eles sabem o que fizeram com cada um deles.

Os arquivos das forças armadas devem ser abertos. Vamos seguir lutando sozinhos? Essa é a pergunta à sociedade e ao Estado, se tiveram todas as facilidades para fazer desaparecer nossos familiares, o mesmo Estado deve fazer tudo para encontrar a verdade sobre cada um deles.

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Depois de 50 anos, as expectativas podem ser muito altas, como também muito pequenas, mas estão aí… Sempre prefiro esperar menos do que ter uma expectativa muito grande porque vai doer muito mais. Há que passar ao concreto, encontrar cada um de nossos familiares e indicar todo o caminho que percorreram até o final.

Em torno dos 50 anos houve uma discussão acerca do sentido da comemoração e houve este discurso de deixar para trás o passado, como você opina que se resolveu? 
Quem quer que se sinta democrata e queira consolidar a democracia, não pode dizer que para certas coisas o golpe de estado foi mau, e que para outras não foi tão mau. Essas mediocridades não podem ser, há milhares de chilenas e chilenos sobre os quais não sabemos o que aconteceu. Portanto, não é uma busca só dos familiares, deve ser da sociedade completa e também desde o Estado deve ser permanente, não pode ser que tenha um ciclo.

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Que idade tinha quando ocorreu o golpe: o que recorda, como o viveu?
14 anos. Minha memória deve ir mais atrás, quando vi meus pais felizes quando conseguira que o companheiro presidente, assim se dizia, fora eleito pelo povo, creio que esses anos foram os mais felizes de toda a família, que era muito unida, para logo dissolver-se, quando levaram o meu pai. Esse momento eu recordei com tanto carinho toda a minha vida e não posso deixar de dizer que nossos familiares desaparecidos e executados foram parte desse processo da Unidade Popular (UP). Os assassinam e os fazem desaparecer porque eram militantes da UP, que estava construindo um sonho para o Chile. Esse sonho se rompeu no 11 de setembro da forma mais macabra, com a execução e o desaparecimento de milhares de chilenos, partindo muitos ao exílio. O México foi um dos países que acolheram muitos e agradecemos por isso.

Sobre a detenção de seu pai, Juan Luis Rivera Matus, em 1975: como ficou sabendo e o que pensa sobre nunca mais saberem sobre dele?
Eu era muito pequena, éramos uma família muito unida, a minha mãe, o meu pai e sete filhos vivos (um havia falecido ainda bebê). Meu pai era dirigente sindical, militante do Partido Comunista, e sabíamos que por isso o buscavam; conseguimos que pudesse se esconder, mas chegou a DINA (Direção de Inteligência Nacional) e o deteve em seu trabalho…. são recordações tremendas, tenho a sensação de que foi ontem… eu chego do colégio, desço do ônibus, chega à minha casa e vejo que a porta está aberta de par em par e digo a mim que algo muito grave aconteceu. Foi o momento mais difícil de entender, primeiro minha mãe destroçada, gritos de dor profunda, creio que nunca mais a escutei chorar dessa forma, ela tinha 42 anos e ficou sozinha com sete filhos.

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Creio que foi o momento mais duro porque não entendíamos se íamos conseguir vê-lo ou se ia se salvar, já havia companheiros que levavam um ou dois anos desaparecidos, nós pensávamos que não aconteceria isso com os nossos pais. Assim se foram dando as coisas e na medida do tempo fomos, não sei se nos adaptando, entendendo que o mais provável era que não havia resistido porque íamos sabendo quais eram as torturas. Era muito difícil sair com vida, alguns sobreviveram, mas a grande maioria nessa época não sobreviveu, não voltou. 

O mais valente é que nossas “velhas” tenham saído desde o primeiro dia, com os culhões, digo eu, primeiro a perguntar por nossos familiares todos os dias e depois a organizarem-se porque iam poder fazer mais coisas do que buscar cada uma por sua conta. Isso foi um poço de fortaleza a cada uma das companheiras que levavam um ou dois anos nessa busca. 

Aldo Anfossi | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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