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Direita tenta criar clima para questionar possível vitória de Arce na Bolívia, diz sociólogo

"Estamos dando por certo que há algum plano com algum tipo de 'ajuda técnica e humanitária', alerta em entrevista exclusiva Juan Carlos Pinto Quintanilla
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
La Paz

Tradução:

Para o sociólogo Juan Carlos Pinto Quintanilla, frente à iminente vitória do candidato Luis Arce, do Movimento Ao Socialismo (MAS), nas eleições do próximo 18 de outubro, “a direita boliviana tem dois planos, que não sei se vão se encontrar em algum ponto: tentar uma fraude eleitoral e fazer um golpe”.

De acordo com o ex-coordenador da Representação Presidencial para a Assembleia Constituinte da Bolívia e ex-diretor geral de Fortalecimento Cidadão da Vice-presidência do Estado Plurinacional, o que eles estão tentando é “forçar um segundo turno”. “E que ele seja feito sob as circunstâncias em que se move o processo eleitoral, com os 30 assessores da Organização dos Estados Americanos (OEA) – que atuou para fraudar as eleições do ano passado. Com os agentes da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) – surrado esquema de intromissão estadunidense na América Latina – no Tribunal Eleitoral”.

A última pesquisa do Instituto Ciesmori para a rede Unitel, divulgada neste domingo (11), projeta a vitória de Luis Arce com 42,2% dos votos válidos contra Carlos Mesa, do Comunidade Cidadã (CC), com 33,1%. Por este resultado faltaria cerca de um ponto e meio para definir a parada já no primeiro turno, uma vez que pela lei boliviana o candidato que fizer mais de 40% dos votos e abrir 10% de vantagem está eleito.

Leonardo Wexell Severo, direto de La Paz 

"Estamos dando por certo que há algum plano com algum tipo de 'ajuda técnica e humanitária', alerta em entrevista exclusiva Juan Carlos Pinto Quintanilla

Leonardo Wexell Severo
Juan Carlos Pinto Quintanilla denuncia presença de dezenas de assessores da OEA e da USAID para interferir no pleito deste domingo.

Recentemente, houve a divulgação de pesquisas que apontam para uma possível vitória do MAS no primeiro turno. Em função disso, Tuto Quiroga, que teria menos de 2% saiu da disputa para fortalecer a candidatura de Carlos Mesa. Exatamente da mesma forma que a autoproclamada presidente Jeanine Áñez. Como avalias esta tentativa da direita de manter-se no poder?

Estas pesquisas não são nada de novo. Estamos falando de todas as que têm mais ou menos alguma confiabilidade haviam mostrado que o Movimento Ao Socialismo (MAS) estava em ascensão e que havia a perspectiva real de alcançar pelo menos os 40% dos votos, com os 10% de diferença. [Na Bolívia para o candidato vencer no primeiro turno esta é uma das opções, a outra é fazer mais de 50% dos votos]. Porém contrastavam com pesquisas como a do jornal Página Siete ou da Fundación Jubileo que tentavam mostrar a Carlos Mesa como o possível opositor, dizendo que haveriam apenas três ou quatro pontos de diferença. Ou até mesmo empate técnico.

Pesquisas que não levavam em conta em geral nem o voto rural nem do exterior, em que o MAS tem ganhado historicamente com ainda maior diferença…

Exato. O que buscavam era aglutinar o voto da direita, tentar impedir que se dispersem. A queda de Jeanine Áñez esteve dentro deste quadro, pois as diferenças eram ainda maiores. Estas últimas pesquisas colocam Tuto Quiroga bem para trás. Logicamente que os comentaristas mais pesados da própria oposição estão assinalando que o MAS já tinha praticamente todas as condições de vencer no primeiro turno.

Nestas circunstâncias estamos falando que eles estão acelerando e apertando cada vez mais na busca de juntar os votos em torno ao segundo colocado, ainda que o que querem é dar a impressão de que evidentemente existe competitividade. Acredito que o que pode ocorrer é que possam forçar um segundo turno. E que ele seja feito sob as circunstâncias em que se move o processo eleitoral, com os 30 assessores da Organização dos Estados Americanos (OEA) – que atuou para fraudar as eleições do ano passado. Com os agentes da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) – surrado esquema de intromissão estadunidense na América Latina – no Tribunal Eleitoral  

Estamos dando por certo que há algum plano com algum tipo de “ajuda técnica e humanitária” para tentar contornar esta situação. Conviria a este setor, pela chamada “governabilidade”, passar a imagem de transferência pacífica de governo pacífica e não a de um golpismo permanente, para o que estão se preparando.

Como vês a denúncia da Rede de Comunicadores Populares de que há um envolvimento de setor militares em uma onda de atentados violentos com explosivos contra hotéis de observadores internacionais e tudo mais, no sentido de envolver o MAS?

Não há nada descartado porque é um plano estratégico da ultradireita ligada ao império. Sua jogada principal é não permitir que o MAS vença. E a primeira coisa para isso é tentar, através de Mesa, que passa a figura do moderado, entre aspas, e de um certo equilíbrio da direita, forjar um centro de conciliação.

Na realidade, os direitistas não vão competir para ver quem ganha, mas vão forçar esta vitória por meio dos mecanismos que estamos assinalando. Porém se a votação no MAS for demasiado contundente, não está descartada a possibilidade do golpismo continuado. Para isso as declarações de alguns militares nas redes sociais que não vão permitir que o comunismo retorne. Em virtude do aniversário do Che voltaram com os mesmos discursos de que os invasores estrangeiros venham, etc, obviamente os cubanos e venezuelanos, a mesma cantilena de sempre, com o mesmo discurso.

Nesta manhã também houve a conferência de grupos que são ecologistas paramilitares, os Árvores de Pé e outros de Santa Cruz, acusando o MAS de violência armada e de preparativos de agressões para o dia das eleições. Estão projetando sobre nós o que eles fazem, para jogar a culpa.

Evidentemente, há dois planos, que não sei se vão se encontrar em algum ponto: tentar uma fraude eleitoral e fazer um golpe. A direita tem os seus próprios planos diversos e os dois podem estar a caminho.

Houve a denúncia inclusive da campanha de Arce à mídia e à comunidade internacional da prisão política de uma deputada do MAS em Santa Cruz. Como vês o papel da polícia e das tropas militares, somada ao dos meios de comunicação?

As imagens que foram divulgadas pelas redes sociais mostram claramente o ataque que havia sofrido um de comitê de campanha do MAS por milícias do Creemos [de Camacho, um dos candidatos presidenciais da extrema-direita]. A deputada masista que está fotografando procura policiais para denunciar a agressão que estava sofrendo. Mas em vez da polícia protegê-la, a prendem. Ao abrirem suas coisas vêm que há um frasco de gás pimenta, que é normal para a defesa das mulheres, e a acusam de portar explosivos. É o mundo totalmente ao contrário.

Transformaram a vítima em agressora.

Totalmente. E a levaram e a encarceraram. Esta é a situação. Esta é a posição da polícia e dos militares em relação ao MAS. Estas são as ordens que receberam. Há descontentamento interno, obviamente, e acreditamos por tudo o que já viram que a hierarquia intermediária não irá se responsabilizar por nenhum outro massacre.

Neste momento, como ativista, intelectual e militante que deve ser começada a reconstrução nacional no caso de uma vitória de Arce e Choquehuanca?

Primeiro por conciliar-nos internamente, abrindo os espaços de debate, de crítica e autocrítica, que foi o que não fizemos durante muitos anos. É o que digo: há muitos MASes dentro do MAS, pessoas com seus interesses muito particulares. E há gente que acredita no projeto político revolucionário, que é o que dá vida a este processo.

Deve ser aberta a luta ideológica que existe, mas fica em silêncio. Esta luta ideológica deve encontrar ao menos um ponto de intercâmbio que nos permita ver para onde caminhar. Durante demasiado tempo se insistiu na rota da modernidade, antes que na do socialismo.

É tempo também de que a massa mobilizada entenda que suas metas podem ir além do que ter simplesmente acesso ao básico, que é um direito fundamental. Gerar um projeto político também implica em um processo de repolitização. Porque se houve gente que ficou pelo caminho ou passou para o outro lado, é justamente porque não entendeu o sentido do horizonte que estamos construindo.

E não deve ser apenas um grupo ou coletivo de intelectuais orgânicos deste movimento que deve participar desta elaboração.

Para mim uma meta política coerente deveria ser a repolitização enquanto construímos ou reconstruímos as condições básicas para a restituição de direitos fundamentais no país.

E neste horizonte para a reconstrução dos caminhos básicos, como vês o papel da industrialização?

Em primeiro lugar, temos que falar da industrialização dos recursos naturais fundamentais e, neste caso, o lítio. É o butim principal pelo qual vem os gringos e os grandes grupos de poder.

É preciso restituir o processo de industrialização que já tinha um caminho traçado. Isso é chave para ter a entrada de recursos que nos permitam também pensar nesta restituição de direitos.

Porém, sinto que é preciso avançar de forma paralela para não voltarmos a incorrer nos erros cometidos nos últimos anos. Acreditar que a bonança econômica gera automaticamente adesão ao processo de transformação. Necessitamos que as pessoas entendam que estamos construindo a mudança rumo ao bem-estar familiar e pessoal. Como perspectiva política coletiva. A industrialização dos nossos recursos naturais fundamentais básicos é um objetivo central que defendo que deve estar à frente no combate da superação de crise que vive não só o país, mas todo o mundo, e o nosso continente em particular.

Então é preciso que as pessoas entendam que não poderemos sair da crise sós. Porque o próprio povo pode nos derrubar se não se sentir envolvido, com todos juntos. E nesse processo coletivo já começa a repolitização, que acompanhe as mudanças e que as pessoas sejam protagonistas.

Como fazemos para o povo ser protagonista e não o Estado, os intelectuais, os funcionários que têm os instrumentos e que se apropriam finalmente dos espaços do poder? Esta é a parte mais difícil e faz parte da discussão sobre o próprio socialismo a nível mundial, mas que vale a pena e é imprescindível fazê-lo.

Fonte: Carta Maior


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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