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ToggleA publicação da Portaria 2.309 de 28 de agosto de 2020, que atualizava a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), parecia demasiadamente diferente das políticas adotadas pelo governo federal no tocante ao trabalhador.
O ato normativo que beneficiaria trabalhadores que contraíssem Covid-19 em virtude do seu trabalho, garantiria também, para estes, direitos como auxílio doença, estabilidade e recolhimento de FGTS durante o afastamento das atividades laborais por mais de 15 dias.
A Portaria mencionada elencava como “doença ocupacional o Coronavírus SARS-CoV em atividades de trabalho”, o que geraria inúmeros direitos inclusive eventuais indenizações aos próprios familiares destes trabalhadores que contraíssem a doença durante o labor. Todavia, no atual governo, a política empresarial adotada vai ao encontro do ato normativo. Assim, a portaria foi tornada sem efeito em 2 de setembro, poucos dias após sua publicação.
Segundo o governo, ele está fortalecendo o setor empresarial, para, segundo esta administração, fomentar empregos e crescimento para o país, já que a portaria poderia gerar custo altíssimo para os patrões.
A medida, portanto, teve efeitos por dois dias, talvez. A publicação no Diário Oficial da União, do Ministério da Saúde, da Portaria 2.345, de setembro, tornou sem efeito a primeira, n. 2309, de agosto.
CUT.org
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido favorável ao reconhecimento da Covid-19 como doença laboral
Um “Ato Natimorto”
O ato normativo que morreu subitamente garantiria estabilidade de um ano no emprego ao trabalhador, caso adquirisse a doença no ambiente laboral. O texto natimorto também trazia uma série de atualizações de doenças relacionadas ao trabalho – LDRT.
O governo retornou ao status quo — a política adotada pelo governo Bolsonaro não manteria uma portaria com um rol tão amplo para proteção do empregado.
Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido favorável ao reconhecimento da Covid-19 como doença laboral, ainda mais em casos de trabalhadores da Saúde expostos diretamente e com risco maior de contato com a doença.
A geração de um risco para o patrão, advinda de um ato normativo do atual governo — que não se sabe como foi concebido, mas sabe-se que já nasceu morto. Viveu alguns dias e morreu imediatamente. Assim segue a vida: alguns vivem e outros morrem, é a lei da vida, não é mesmo?
O que torna a situação lúdica é o desencontro de dados e informações do próprio setor administrativo do governo, porque certamente a pessoa que criou a norma não foi a mesma que a tornou sem efeito.
Não podemos deixar de imaginar que o ministro interino teria acordado após um sonho ou pesadelo. Não se sabe se o sonho foi no dia 28 de agosto ou 2 de setembro, nem mesmo a ordem de ambos os acontecimentos.
O trocadilho e a brincadeira trazem uma reflexão valiosa: considerar que um ato normativo de grande importância no momento atual, com a proteção, por parte do Poder Executivo, daquele cidadão que está exposto ao agente nocivo da Covid-19, foi ceifado com celeridade anormal, tratando-se de gestão Pública tão burocrática como a brasileira.
Nascimentos normativos como estes são raros hoje em dia e, quando ocorrem, por algum lapso de consciência momentâneo, morrem em seguida…
O que será do trabalhador sem esta Portaria? Ainda usufruímos da Lei 8.213/90 que traz a previsão de, em sendo comprovado o nexo entre a doença e trabalho, será devido o auxílio doença.
Precisamos ficar atentos às mortes, não somente de brasileiros pela Covid-19 mas de nossas legislações relativas aos direitos sociais, como esta, porque não somente os novos morrem, mas os velhos também estão morrendo, em todos os casos.
Daiane Dias Rodrigues é advogada, pós-graduada em Direito Previdenciário e mestranda em Direito
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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