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ToggleEsta coluna de Roberto Savio é uma adaptação de sua apresentação no painel sobre migrações e solidariedade humana, “um desafio e uma oportunidade para a Europa, Oriente médio e África do Norte”, realizado em 14 de dezembro de 2017 no Centro de Genebra para o Avanço dos Direitos Humanos e o Diálogo Global.
O medo como instrumento de poder
Para começar, meu agradecimento a Hanif Hassan Ali Al Kassim e ao embaixador Idriss Jazairy, que encabeçam o Centro para o Avanço dos Direitos Humanos e o Diálogo Global, por organizar este painel de discussão em um momento crítico da história.
O Centro é um dos poucos atores que trabalham pela paz e pela cooperação entre o mundo árabe e a Europa. Como representante da sociedade civil, creio que será mais significativo que fale nas limitações da diplomacia e que faça reflexões francas e sem travas.
Religião, populismo, xenofobia, Brexit, Trump…
O mal uso da religião, do populismo e da xenofobia é uma triste realidade, que não se atende mais, senão que se observa com hipocrisia e sem um denúncia direta.
Só agora os britânicos percebem que votaram o Brexit a partir de uma campanha de mentiras. Mas ninguém increpou publicamente Johnson e Farage, os líderes do Brexit, depois que a Grã Bretanha aceitasse pagar, como um dos muitos custos do divórcio, pelo menos 45 bilhões de euros, em vez de economizar 2 bilhões, como sustentavam seus promotores. E há poucas análises sobre porque o comportamento político é cada vez mais um mero cálculo, sem nenhuma preocupação com a verdade nem com o bem do país.
O presidente estadunidense Donald Trump pode ser um bom caso de estudo sobre as relações entre política e populismo. Há alguns dias, os Estados Unidos declararam que se retiravam do Pacto Mundial sobre Migração da ONU (Organização das Nações Unidos). Isso não tem nada que ver com interesses nem com a identidade dos Estados Unidos, um país de imigrantes. Mas sim com o fato de que essa decisão é popular entre os setores da população estadunidense que votaram em Trump, como os evangélicos.
Jerusalém, Trump, os evangélicos e o eleitorado
Tenho aqui a mensagem que difundiram após a declaração de Jerusalém como capital de Israel. Isso é o que diz a Bíblia. Se recriamos o mundo criado nela, Jesus retornará à terra e só os justos serão recompensados. E por isso acreditam que Trump aproxima o mundo ao regresso de Cristo e, portanto, agem pelo bem de suas crenças.
Os evangélicos são cerca de 30 milhões de pessoas e crêem firmemente que quando Jesus retornar, só reconhecerá a eles como os crentes que estão no caminho correto.
Trump não é evangélico nem tem demonstrado interesse na religião. Mas como em cada uma de suas ações, é coerente com a visão de sua campanha de reunir todas as pessoas insatisfeitas que o catapultaram à Casa Branca. Tudo o que faz, não é em interesse do mundo ou dos Estados Unidos, só se concentra em manter o apoio de seus eleitores, que não vêm de grandes cidades nem do mundo acadêmico, nem dos meios nem do Vale do Silício.
Empobrecimento, desinformação e mudanças climáticas
Procedem principalmente de setores empobrecidos e desinformados, que se sentem marginados da globalização. Acreditam que os benefícios ficam para a elite, nas grandes cidades e para uns poucos ganhadores e creem que há um complô internacional para humilhar os Estados Unidos. Por isso é que a mudança climática seja para eles e para Trump um conto chinês.
Em seu primeiro anos, Trump poderia bem reunir 32% de aprovação, a mais baixa para um presidente dos Estados Unidos. Mas 92% de seus eleitores vão reelegê-lo. E como só votam 50% dos estadunidenses, Trump pode ignorar com comodidade a opinião pública geral.
Não é este o espaço para aprofundar nas tendências políticas estadunidenses. Mas Trump é um perfeito exemplo de por que um grande números de europeus, ou inclusive de países como a Polônia, Hungria e República Checa, ignoram as decisões da União Europeia em matéria de migrações, e por que crescem o populismo, a xenofobia e o nacionalismo em toda parte.
Alainet
A cobiça e o medo foram muito bem explorados pelos novos partidos nacionalistas, populistas e xenófobos
O medo se converteu no instrumento para chegar ao poder.
Os historiadores concordam em que os dois motores de mudança na história são a cobiça e o medo.
Bem, nos treinaram desde o colapso do comunismo a considerar a cobiça como um valor positivo. Os mercados (não os homens nem as ideias) se converteram no novo paradigma, Os Estados se converteram em um obstáculo para o livre mercado.
Costumava-se dizer que a globalização porá a todos em pé e beneficiará a todos. Mas os mercados sem regras resultaram autodestrutivos e nem todos ficaram em pé, mas os mais ricos ficaram melhor. O processo foi tão rápido que já 10 anos, as 528 pessoas mais ricas concentravam a mesma riqueza que 2,3 bilhões de pessoas. Este ano, transformaram-se em oito, é provável que esse número diminua logo. As estatísticas são claras, e a globalização baseada no livre mercado perde parte do seu brilho.
Códigos de comunicação e o debate político
Enquanto isso, perdemos muitos códigos de comunicação. No debate político já não se faz referência à justiça social, à solidariedade, à participação, à igualdade, aos valores nas constituições modernas, sobre as quais construímos as relações internacionais. Agora, os códigos são competição, êxito, benefício e conquistas individuais.
Em minhas conferências universitárias, me aterra ver uma geração materialista, à qual não interessa votar nem mudar o mundo. E a distância entre os cidadãos e as instituições políticas aumenta a cada dia.
As únicas vozes que nos recordam a justiça e a solidariedade são as dos líderes religiosos como o papa Francisco, o Dalai Lama, Desmond Tutu e o grande mufti Muhammad Hussein, por nomear os mais destacados. E com os meios agora também baseados no mercado como único critério, essas vozes se tornam cada vez mais débeis.
Geração do medo
Depois de uma geração de cobiça, passamos a uma geração de medo. Há que assinalar que antes da grande crise econômica de 2009 (provocada pela cobiça: os bancos pagaram até agora 280 bilhões de dólares em penalizações e multas), os partidos xenófobos e populistas sempre era minoria (com exceção de Le Pen na França). A crise gerou medo e incerteza e as migrações começaram a aumentar, especialmente após a invasão da Líbia em 2001 e do Iraque em 2013.
Estamos no sétimo ano do drama sírio, que deslocou 45% de sua população. Merkel paga o preço por aceitar refugiados sírios, e é interessante assinalar que dois terços dos votos da Alternativa para Alemanha, o partido xenófobo e populista, procederam da antiga Alemanha Oriental, que tem poucos refugiados, mas onde a renda é quase 25% inferior. O medo, outra vez, foi o motor da mudança da história da Alemanha.
A Europa é responsável direta dessas migrações. O famoso caricaturista El Roto, do El País, fez uma caricatura de bombas voando e de barcos com imigrantes chegando por mar. “Lhes mandamos bombas e eles nos mandam migrantes”. Mas isso não se reconhece.
Os que escaparam da fome e da guerra agora são considerados invasores. Os países que até há alguns anos eram considerados sinônimo de virtudes civis, como os nórdicos, e que gastavam uma proporção considerável do orçamento em cooperação internacional, agora erigem muros e arames farpados.
Partidos nacionalistas, religião e os tres Ginetes
A cobiça e o medo foram muito bem explorados pelos novos partidos nacionalistas, populistas e xenófobos, que agora crescem em cada eleição, desde a Áustria à Holanda, da República Checa à Grã Bretanha (onde se deu o brexit), depois a Alemanha e, em alguns meses, a Itália.
Os três Los Ginetes do Apocalipse, que nos anos 30 foram a base da Segunda Guerra Mundial (1939-1945): nacionalismo, populismo e xenofobia, regressaram com um maior apoio popular e com dirigente políticos que os usam.
Mas o surpreendente é que agora temos um novo elemento de divisão: a religião, amplamente utilizada contra os imigrantes, quando deveria unir-nos. A religião sempre foi usada para conseguir poder e legitimidade. As pessoas comuns nunca começaram as guerras de religiões na Europa, mas sim o príncipes e os reis.
Há alguns anos comemoramos a expulsão dos judeus, primeiro, e depois dos mouros, da Espanha, onde vivam em harmonia e paz com os cristãos, formando uma civilização de três culturas.
“Religiosos” contra as Religiões
Há algumas semanas, houve uma grande marcha em Varsóvia, ignorada pelos meios, com 40 mil pessoas, muitas procedentes de diferentes partes da Europa e dos Estados Unidos. Marcharam em nome de Deus, reclamando a morte de judeus e muçulmanos.
Mas enquanto líderes religiosos protestantes, católicos, muçulmanos e judeus participam de um diálogo positivo pela paz e pela cooperação, numerosos autoproclamados defensores da fé instalam o medo, o sofrimento e a morte. E sejamos claros, não choque de religiões.
É um choque entre aqueles que usam a religião para conseguir poder e legitimidade, e promovem um sonho histórico irreal. Retornar a um mundo que já não existe, no qual se reabram a minas, o país retorne à sua antiga glória: um mundo que não sonha um mundo melhor, mas sim um passado melhor.
A África duplicará sua população, com 80% menores de 35 anos, enquanto na Europa só será 20%. Não há esperança de que a Europa seja viável em uma economia global e em um mundo competitivo sem uma imigração substancial. E, no entanto, falar disso no debate político é agora um beijo da morte.
Conclusão
Concluindo, devo sublinhar que enfrentamos uma triste realidade, que já não se pode ignorar mais, mesmo se não for politicamente correto. Sempre foram usados os ideais para conseguir apoio, mesmo para aqueles que não acreditam neles.
E os historiadores nos ensinam que nos tempos modernos, a humanidade caiu em três armadilhas:
Em nome de Deus, dividir e não dialogar; em nome da nação, frequentemente reunir apoio e levar os cidadãos à guerra; e agora, em nome do benefício. Creio que é hora de realizar novas alianças e de lançar uma grande campanha poderosa de conscientização sobre falsos profetas, com mobilização de meios, sociedade civil e políticos legítimos com o fim de educar a cidadania sobre que a imigração deve ser regulamentada, pois é uma necessidade com a qual a Europa deve viver.
Devemos criar políticas, e mesmo depois que Trump vá embora do Pacto Global, como deixou o Acordo de Paris sobre a mudança climática, seguirá sendo uma voz isolada, enquanto os cidadãos lutaram por um mundo melhor, sem medos, baseado em valores comuns.
Devemos empreender ações impopulares, mas vitais, para a educação e a participação. Serão impopulares e difíceis, sabemos. Mas se não tomarmos esse caminho, os seres humanos, os únicos “animais” que não prendem de seus erros, gornarão a passar pelo sangue, pelo sofrimento e pela destruição.
Roberto Savio, jornalista ítalo-argentino Roberto Savio é presidente de Other News, assessor de INPS-IDN e do Conselho Global de Cooperação. Também é cofundador e presidente emérito de IPS.
IPS, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados
Tradução: Beatriz Cannabrava
Edição: João Baptista Pimentel Neto
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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