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ToggleEm um dia 14 de junho – que neste ano caiu num domingo de severa quarentena — nasceu José Carlos Mariátegui La Chira em um modesto lar de Moquegua, então o extremo mais doce da pátria peruana, uma vez que Tacna continuava cativa.
Sua mãe, dona Amália teve que cuidar dele com particular angústia, por sua frágil contextura, e por sua tendência à reflexão iconoclasta.
Neste ano de 2020, ao cumprir-se 126 anos deste venturoso acontecimento, não foi possível colocar em sua estátua situada na quadra 7 da avenida 28 de julho, em Lima, nem sequer uma flor.
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Mas, certamente, para esse lado da cidade se dirigiu o pensamento e a recordação daqueles que recolheram sua semente para projetar o desenho de sua obra.
Wikipedia
José Carlos Mariátegui La Chira foi um criador constante e um revolucionário exemplar
O primeiro marxista da América
Diz-se que Mariátegui foi o Primeiro Marxista da América. E ele o foi em suas duas acepções. Foi o primeiro porque antes dele ninguém agitou com tanta clareza e precisão essa bandeira. E também o foi, porque viu mais longe, e voou mais alto do que outros da sua época, não obstante, a sua vida precária, inconclusa, transida de lutas e dores.
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Também se disse que foi o Gramsci de solo latino americano, por seu afã de busca, por sua rebeldia inata, por sua vontade criadora. E, por que não, também por sua prematura morte.
Além dos reconhecimentos e das comparações, no entanto, Mariátegui foi um criador constante e um revolucionário exemplar. Por sua capacidade inquisitiva, soube perceber em cada período de sua vida os elementos novos, aqueles que alimentavam a esperança. E por seu espírito de revolucionário sem descanso, nunca perdeu de vista suas tarefas essenciais.
Isso o levou sempre a diferenciar o joio do trigo; mas, ao mesmo tempo, a somar vontades em busca de sustentar suas bandeiras bem no alto. Desse ponto de vista, foi que saudou a Revolução Russa de 1917. Inspirado nela, disse com firmeza: “enojado com a política local, me orientei resolutamente ao socialismo”.
Sindicatos e a Unidade Proletária
Como ideólogo do movimento operário percebeu que a ferramenta principal do trabalhadores era o Sindicato. Por isso, e em luta contra o anarco-sindicalismo, procurou defendê-lo e preservá-lo de todas as deformações que já então pululavam.
O Sindicato – disse – é uma Frente Única que agrupa os trabalhadores independentemente de suas ideias políticas ou suas convicções religiosas, de sua raça ou de seu ofício. É a soma de forças proletárias em um cenário concreto. Não pertence a ninguém em particular. É a soma da vontade de todos. Seu lema é a Unidade Proletária.
Por isso os Sindicatos não podem se assimilar, somar-se nem se ligar a um Partido. Irmanam os trabalhadores, por sua igual situação de explorados. Os une apenas sua condição de classe. Colocar um sindicato na condição de seguidor de um partido, é renegar sua essência.
Não são os sindicatos que devem estar a serviço dos Partidos. São os Partidos que são chamados a somar forças em benefício dos trabalhadores e, portanto, de seus sindicatos, até elevá-los de categoria e situá-los no cumprimento de sua missão histórica.
Interesses imediatos e históricos
É tarefa nossa – dizia o Amauta – “semear consciência e sentimento de classe”. Muito se tem falado em torno desse tema. Mas nem sempre se tem entendido que a consciência de classe não é senão a concepção clara que se tem diante da ordem social, e ao papel que os trabalhadores têm que desempenhar nela; suas tarefas essenciais.
Para defender consequentemente os interesses dos trabalhadores, é preciso tomar em conta que eles se desagregam e se complementam; mas nunca se contrapõem.
Alguns interesses são imediatos, de caráter reivindicatório: o salário, a jornada de trabalho, a organização sindical, as condições de trabalho. E outros, são interesses históricos, que vinculam a classe trabalhadora a luta pela construção de uma nova sociedade.
Construção da unidade
Unir os objetivos imediatos com os interesses históricos do proletariado é o papel que corresponde à vanguarda, ou seja, esse núcleo dirigente que é capaz de ver “mais longe”, de vislumbrar o horizonte e perceber a distância.
A luta não é simples. E requer uma disposição de aço. Assim como se adquire a consciência de classe, assim também se perde. “Alentando em alguns, a vaidade, nunca escondida; e em outros a cobiça sempre desperta” – dizia Aníbal Ponce, o Mariátegui argentino — pode a classe dominante corroer a alma proletária.
Por isso temos visto – agregava perspicaz – a soberbos moradores de praças convertidos em expoentes das piores causas, quando apenas ontem faziam proclamações reverentes diante dos trabalhadores.
Assuntos tão sérios como os que afronta nosso país nas condições de hoje, ajudam a compreender fenômenos complexos, como a luta pela transformação radical da sociedade. Por isso, bem se pode dizer, aos 126 anos do Amauta, que sua mirada nos ilumina mais que nunca.
Gustavo Espinoza M., Colaborador de Diálogos do Sul desde Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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