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Trabalhadores "essenciais, mas descartáveis”: a contradição capitalista no seio dos EUA

Apesar do recente reconhecimento, imigrantes e outras pessoas marginalizadas continuam recebendo os menores salários, sem benefícios ou direitos
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Milhões de trabalhadores “essenciais”, muitos dos quais provêm das comunidades mais afetadas pela pandemia e pela crise econômica, estão arriscando suas vidas todos os dias para resgatar os Estados Unidos, apesar da onda de racismo e retórica anti-imigrantes que vem da Casa Branca. 

A luta pelo futuro político, econômico e social está acontecendo em todas as esquinas do país enquanto continua a emergência de saúde diante da pandemia. O mais notável, além do heroísmo dos trabalhadores da saúde, é a revelação de que os mais invisíveis e marginados agora são reconhecidos como “essenciais”. 

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“Essenciais, mas descartáveis”, repetem vários dirigentes dessas comunidades ao assinalar que a maioria destes trabalhadores – os que atendem aos idoso nos asilos para a terceira idade, os trabalhadores em armazéns, processadores de alimentos, motoristas, os que fazem entregas a domicílio de alimentos, remédios e pedidos aos supermercados, os de serviço nos edifícios – continuam estando entre os que são mais mal pagos, carecem de benefícios e direitos trabalhistas e, com a pandemia, nem lhes é oferecido equipamento básico de proteção pessoal.  

Entre os essenciais, um dos setores mais afetados é do trabalho doméstico, incluindo babás, cuidadoras de idosos – 5 milhões de pessoas trabalham nos asilos para idosos bem como cuidando deles em casa – e aquelas que se dedicam à limpeza das casas. 

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Apesar do recente reconhecimento, imigrantes e outras pessoas marginalizadas continuam recebendo os menores salários, sem benefícios ou direitos

Biblioteca Google Imagens Públicas
Entre os essenciais, um dos setores mais afetados é do trabalho doméstico

Ai-jen Poo, diretora da Aliança Nacional de Trabalhadores Domésticos (NDWA), setor conformado por mulheres imigrantes (a maior concentração de trabalhadores indocumentados) e de minorias estadunidenses, assinala que 82% dessas pessoas não ganham o salário mínimo, carecem de seguros médicos e não contam com férias pagas ou outros benefícios. “Essas trabalhadoras tão invisíveis por tanto tempo agora são designadas como ‘essenciais’… e isso é uma oportunidade nesta conjuntura em que de repente esse setor é reconhecido, o que pode desatar um movimento”, afirmou em um fórum cibernético do The Nation.

 

A NDWA com outras organizações de defesa de imigrantes, de mulheres, e políticos progressistas estão impulsionando uma legislação local e nacional por um novo programa de “cuidado universal” como uma Lei de Direitos dos Trabalhadores Essenciais para outorgar, pela primeira vez, remuneração justa e benefícios garantidos a este e outros setores e com isso “levando a luz aos que vivem nas sombras”. 

Por outro lado, trabalhadores “essenciais” estão denunciando a falta de proteção pessoal em seus trabalhos no meio da pandemia, e estão brotando centenas de paralisações e protestos trabalhistas em diferentes partes do país, desde armazéns da Amazon e lojas do Walmart, e processadores de carne, entre outros.

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Nesta quarta-feira, trabalhadores do McDonald’s em vinte cidades realizaram uma paralisação em demanda de condições mais sadias e seguras. Nesta semana, centenas de embaladores de maçã no estado de Washington começaram uma greve em demanda de maior proteção sanitária e pagamento extra por trabalhar em condições perigosas. 

O reverendo William Barber, líder do Movimento dos Pobres, reiterou que “é evidência de que tão imorais são alguns de nossos políticos e empresários que fazem com que as pessoas entrem em situações letais sem abordar o problema… isso não é maneira de governar um país”. 

A pandemia revela cada vez mais a grave fragilidade de alguns dos setores mais vulneráveis deste país. A taxa de mortalidade pela Covid-19 dos afro-estadunidenses é 2,4 vezes que a dos brancos, segundo uma nova pesquisa.  

No Arizona, a taxa de mortalidade dos indígenas é mais de cinco vezes maior do que todos os outros grupos; no Novo México é de sete vezes maior, segundo essa mesma pesquisa [https://www.apmresearchlab.org/covid/deaths-by-race]. A nação Navajo – cujo território está em partes do Arizona, Novo México e Utah recentemente superou o estado de Nova York com a taxa mais alta de contágio dos Estados Unidos, reportou a CNN. 

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Enquanto isso, com o constante ataque anti-imigrantes da Casa Branca com a retórica oficial declarando a Covid-10 como o “vírus chinês” e proclamando a China como inimigo, é reportado um incremento dramático em crimes de ódio contra imigrantes em geral, mas sobretudo agora contra asiáticos.  

Pior ainda, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde de origem asiáticos estão relatando um aumento de incidentes racistas, informa o Washington Post. Uma médica sino-estadunidense comentou que, ao deixar seu turno na unidade de terapia intensiva de um hospital em Boston, um homem a acusou: “vocês chineses estão nos matando”, deixando-a com a sensação de que ela dedica seus dias e noites atendendo aos infectados e salvando suas vidas apenas para serem atacados nas ruas por sua aparência

 

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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