Coronavírus, chegando da Europa. Não um ebola qualquer, mas algo que deixou a Piazza de San Marco deserta.
Se por um lado surgiu como mais um “negócio da China”, ele logo toma um banho de loja e veste etiqueta italiana.
Em nada difere dos artigos de grife fabricados por gente pobre nos confins do globo, e assim, pelas mãos mal lavadas de nossa elite irresponsável, nos alcança.
Não como em 1918, trazido por marinheiros, disseminado por putas e vitimando até presidente da República. Agora é o próprio que vai a Miami e traz uma comitiva já transformada em vetor de propagação.
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Coronavírus chega-nos como “doença de rico”.
Mas deixemos o “Mito” isolado, pois, já no Rio de Janeiro, o coronavírus se concentrará nos bairros com vista para o mar, com ênfase para a Barra, epicentro dos “emergentes”. Chega-nos, portanto, como “doença de rico”.
E assim, se a doença é de primeiro mundo, os cuidados também o serão. E raramente se viu tamanha distância entre governo e povo. Não estamos muito longe dos brioches da guilhotinada Rainha, ao indicar que não se saia à rua, evitem multidões e…
Trabalhem em casa!
Não estou dizendo que se contrariem as normas, porém, ainda que adotadas na Europa e EUA, serão suficientes para a nação, em especial uma cidade, cuja principal característica é a favelização crescente e precarização generalizada do trabalho?
Ao usar a expressão “descidade”, refiro-me ao modelo de desenvolvimento que a humanidade está adotando e que contradiz a etapa anterior: a urbanização. Afinal, como símbolo de liberdade e prosperidade, mas principalmente de igualdade, renasceram as cidades.
Se a industrialização aumentou a pobreza urbana, trouxe também a luta pelos universalização dos serviços públicos e o Estado de Bem-Estar Social que, ultimamente, vem sendo solapado.
Fato que não representa, entretanto, a volta a um passado, por certo, ultrapassado. Não, algo completamente novo caracteriza a “descidade”: o uso intensivo e disseminado da tecnologia, paradoxalmente a serviço da destruição da economia nomeadamente urbana e das relações de trabalho até então vigentes.
O novo local de trabalho, equipamento e patrão passam a ser um telefone celular, vulgarizado a extremos, para o qual, aplicativos gratuitos permitem ao mais miserável dos catadores de papel receber mensagens.
Assim, multiplicam-se os serviços de entrega, os empregos temporários e o transporte substituído por chamadas a carros particulares. Por fim, uma nova legislação trabalhista admite que todos sejam empreendedores individuais. Mesmo que a empresa seja sua própria capacidade física e a jornada diária, a que suportar.
Se der para voltar para casa, formidável. Se não, uma marquise, em uma cidade em que elas chegaram a ser banidas, ainda é fácil de encontrar. Sabe-se que a população sem teto, no Rio, aumentou em grau espantoso.
Voltemos ao vírus e às recomendações oficiais, pois é essa população sem emprego formal, habitação saudável e transporte digno que é orientada a ficar em casa, evitar aglomeração e trabalhar à distância. Imaginemos que isso funcione.
Esse povo que mora nas ruas porque dela vive – camelô, flanelinha ou catador – suportará ficar em casa, se a tiver, lavando a mão e abusando de álcool gel, sem ganhar um tostão furado, por quanto tempo?
Se deixarmos sem a renda diária, quem trabalha de dia para comer à noite, algo muito mais explosivo que o coronavírus ocorrerá: o maior levante popular desorganizado da nossa história.
Preparemo-nos para uma onda gigantesca de saques, o combalido comércio baixando portas, a polícia fazendo mais vítimas do que a pandemia e, aí sim, os que só estão temendo o avanço do vírus efetivamente se trancarão em casa.
Tudo isso sem que o vírus nem mesmo precise se espalhar, para que a população descubra que, com ou sem ele, só lhe está reservado morrer, porque tudo o que se falou para que se fizesse, indiretamente, servirá para lhe matar de fome.
Não lavemos as mãos!
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