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ToggleNesta entrevista, Evaristo Hualppa, histórica liderança do movimento sindical e social boliviano, faz uma avaliação do significado das eleições do próximo dia 3 de maio para “retomar a soberania e o desenvolvimento com Luis Arce e David Choquehuanca para a presidência e vice-presidência”.
Ex-dirigente da Federação Sindical dos Trabalhadores Camponeses (Interculturales) de San Julian (2003-2005); ex-secretário-geral da Federação Departamental de Santa Cruz (2009-2010) e atual dirigente do Movimento Ao Socialismo – Instrumento Político para a Soberania dos Povos (MAS-IPSP) de San Julian, onde integra o seu Comitê Político, Evaristo Hualppa lembra das lutas pela água e pelo gás, reitera a relevância da nacionalização dos hidrocarbonetos e do lítio, defende o papel crucial da industrialização para o avanço dos salários e direitos, e sublinha o papel do Estado “para superar o neocolonialismo e caminhar rumo à harmonia e felicidade da sociedade do Bem-Viver”.
Leonardo Wexell Severo
Histórica liderança do movimento sindical e social boliviano, Evaristo Hualppa está à frente do MAS de San Julian, no departamento de Santa
Confira a entrevista
Leonardo Wexell – Qual a sua avaliação sobre a anulação das eleições de outubro de 2019 e a realização de novas, no próximo dia 3 de maio?
Evaristo Hualppa – As eleições presidenciais de 3 de maio por si só não são democráticas, pois nos foram impostas, já que ocorreram eleições em 10 de outubro e foram ganhas por Evo Morales. O que podemos dizer é ter sido algo totalmente imprevisto e imposto pelos Estados Unidos e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que lhe serve de instrumento.
Nosso povo não merecia isso, é algo extremamente lamentável, pois se viu mergulhado em tempos de perseguição, sedição e terrorismo, em que são os grandes latifundiários e empresários quem ditam o jogo, quem dão as cartas. É uma pequena elite que, sem o respaldo popular, atenta contra a democracia, a soberania e a dignidade das pessoas.
O fato é que, diferentes deles, que usurparam o poder com um golpe sustentado em armas e balas da polícia, do exército e de franco-atiradores, vamos nos mobilizar e ganhar novamente, vamos recuperar a presidência com Luis Arce e David Choquehuanca.
San Julian é um grande colégio eleitoral do departamento de Santa Cruz e, historicamente, tem sempre proporcionado mais de 70% dos votos para o MAS. A que se deve este alto percentual?
Em primeiro lugar, nunca abandonamos o trabalho de luta política e ideológica junto a nossa gente, socializamos de casa em casa nossa organização e nossos compromissos. Afirmamos que precisamos da industrialização para ser potência, temos isso claro, e que para ser mais do que um sonho é necessário de unidade e mobilização, precisamos juntar gente comprometida com o nosso povo e com o nosso país. É isso o que todos os que temos resistido em San Julian afirmamos, desde a luta contra a privatização da água e do gás, retirada das mãos dos estrangeiros no começo dos anos 2000: jamais abriremos mão das nossas riquezas. E com este compromisso coletivo não perdemos uma única eleição desde 2005, com mais de 70% dos votos.
Mas vocês mesmos denunciam que há inúmeros dispositivos armados para fraudar e que o governo de Jeanine Áñez está disposto a tudo para continuar no poder. Como é isso?
É fato que o controle eleitoral por parte de nós mesmos é essencial, como donos do voto. Do ponto de vista instrumental, não será positivo, pois o governo golpista joga no caminho da fraude e dispõe dos seus meios. Contra isso estamos super preparados: para controlar o sistema de fiscalização. Esperamos contar com a ajuda internacional, com a solidariedade. Temos como base as eleições de 2005, quando também não tínhamos os meios de comunicação e nem a polícia, e ainda assim ganhamos. Vencemos porque nos preparamos, nos informamos, praticamos o mesmo método de controle. Esta é a única forma de garantir que as urnas sejam respeitadas. E respeitar a verdade é a única forma de garantir que o nosso povo seja independente e soberano. Daí a importância da amplitude, desta somatória de forças de diferentes entidades e movimentos populares.
Qual o papel da mídia nisso tudo?
Tínhamos a importante Rádio Comunitária San Julian, que nos foi arrebatada. Cortaram seus recursos, tiraram os salários dos seus profissionais, a inviabilizaram para não conseguirmos fazer chegar a outros locais uma informação verdadeira. Assim, de cada dez palavras, uma única consegue furar o cerco imposto. E para se defender, é preciso se conhecer, para se valorizar e conseguir avançar.
O que consideras que foi feito de mais positivo pelo governo Evo para ser resgatado?
A nacionalização das empresas estatais, dos nossos recursos naturais, sem dúvida. Foi Evo Morales quem teve peito e mobilizou junto às organizações sociais a fim de colocar estas riquezas nas mãos dos bolivianos, tirando da mão de estrangeiros um imenso capital que se perdia e fortalecendo nossa educação, saúde e moradia social. Temos iniciativas super importantes como o bônus Juancito Pinto (de incentivo à permanência das crianças na escola); o Renda Dignidade (melhor qualidade de vida aos idosos com mais de 60 anos); e o bônus Juana Azurduy (distribuído durante o acompanhamento do pré-natal e que possibilita às mulheres comprar vitaminas e alimentos, melhorando a qualidade da gravidez e permitindo ao Estado um controle periódico). Outra conquista social extremamente significativa é o programa de alfabetização “Eu Sim Posso”, (que transformou o país em “território livre do analfabetismo”, feito reconhecido pela Unesco). É inaceitável que tantos avanços tenham sido cortados com o golpe, o povo não admite tanto retrocesso.
Infelizmente, somente agora os bolivianos estão se dando conta plenamente do que aconteceu, principalmente os mais jovens, porque muita gente tinha então cinco, seis ou sete anos de idade no início do processo. Na realidade, viviam em meio à felicidade, mas faltava informação. Não queremos e nunca queremos conformismo, mas é fundamental que saibam que nosso inimigo é o retrocesso. Por isso a direita golpista queria desinformar e buscava que não houvesse maior acesso a notícias.
Durante o período neoliberal, como agora, havia algum tipo de imposição do governo dos Estados Unidos para fazer valer o seu receituário?
Havia um receituário muito evidente. Um receituário mais especificamente da Central de Inteligência Americana (CIA) e do Banco Mundial a fim de manipular nossa economia, que resultava em mais recursos para eles e que implicava em redução de salários e direitos, na ampliação da fome e de mortes.
Diferente do capitalismo arrasador, buscamos o socialismo de bem-viver, com saúde, educação, moradia, água e justiça, uma sociedade em que todos tenham um dinheiro mínimo, que recebam conforme sua capacidade e todos vivam em harmonia e felicidade, em que os serviços básicos sejam um direito.
Contra a sociedade do Bem-Viver, a CIA manipulou, comprou consciências, e acabaram atropelando sem qualquer moral ou ética, se aproveitando de gente sem qualquer princípio ideológico.
Este golpe foi dado pela inveja das transnacionais, porque sabiam do imenso potencial do nosso povo, da capacidade que temos, como foi demonstrada na criação do nosso carro autoelétrico. Querem nos fazer abandonar o lítio, que é um exemplo concreto, de muito valor.
Para impedir nosso avanço, os Estados Unidos atuam com suas transnacionais, manipulam e mentem. Para valorizar nossa informação e nossa autoestima criamos o nosso satélite Túpac Katari, para fortalecer nossa própria voz. Infelizmente, hoje a rádio e televisão já não informam nada, apenas despejam mentiras.
Quem é Evaristo Hualppa?
Fui dirigente da Federação Sindical dos Trabalhadores Camponeses (Interculturales) de San Julian, entre os anos de 2003 e 2005; ex-secretário-geral da Federação Departamental de Santa Cruz, de 2009 a 2010, e atualmente sou dirigente do Movimento Ao Socialismo (MAS), onde integro o Comitê Político de San Julian. Posso dizer é que quero reconduzir o movimento ao governo do meu país e não tenho qualquer linha de ambição, mas de convicção. Desejo lutar para consolidar nossos meios, para fazer avançar a justiça social.
Qual a sua expectativa em relação aos nomes de Luis Arce e David Choquehuanca?
Tenho boa amizade com o ex-ministro da Economia Luis Arce e o chanceler David Choquehuanca foi meu professor. Acredito, firmemente, que os dois vão unir a Bolívia, repor tudo o que está se perdendo e somar, praticar o Bem-Viver.
Creio na Mãe Terra, em mensagens claras de defesa da democracia, do desenvolvimento e da soberania. Nesta luta vejo que o companheiro Evo Morales segue sendo o nosso líder até o dia em que deixar de viver, pois nos dignificou. Tenho com ele uma identidade ainda maior, pois os dois nascemos em 26 de outubro, somos de Libra, com uma ascendência comum. Infelizmente, houve um período em que a comunicação ficou prejudicada por algumas pessoas próximas dele, que dificultaram a relação com os movimentos sociais e jogaram contra. Isso foi compreendido, ficou claro o problema que este distanciamento foi gerado e de como, agora, juntos, será superado. Com Arce e Choquehuanca está chegando o novo tempo. Unidos, venceremos no dia 3 de maio.
Leonardo Wexell Severo é jornalista e colaborador da Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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