Ao perceber que estava perdendo o apoio do mercado e da mídia, e sem sustentação política no Congresso Nacional, Fernando Collor jogou a última cartada para evitar o impeachment: convocou a população a ir às ruas num domingo, vestida de verde e amarelo, para defender o seu governo, em 1992.
“Não me deixem só!, implorou ele numa reunião com taxistas no Planalto. No domingo, a população foi às ruas, mas vestida de preto, para protestar contra os desmandos do primeiro presidente eleito após o golpe cívico-militar de 1964.
Foi a gota d´água. Pouco depois, seu governo foi derrubado nas ruas, no Congresso e no STF.
Agora, Bolsonaro também está perdendo o apoio do mercado e da mídia, dois pilares da sua eleição, e também entrou em confronto com o Congresso Nacional.
Com a Bolsa caindo e o dólar subindo, não só por conta do panico causado pela epidemia de coronavírus, mas principalmente pela baderna institucional comandada por Bolsonaro, uma das porta-vozes do mercado, a economista Zeina Latif, alerta hoje em entrevista à Folha para os reflexos da instabilidade política na economia.
No vídeo patético em que se faz de mártir e convoca os seus devotos a irem às ruas no dia 15 contra o Congresso e o STF, o capitão fora de controle também está indo para o tudo ou nada.
Vai ficar pendurado na brocha, assim espero, ao lado dos seus generais de fancaria e dos patos amarelos dos empresários da Fiesp, dos fanáticos religiosos, dos marombados das academias (de ginástica) e dos milicianos em geral.
Primeiro, foi a Folha, que elegeu como inimiga ainda antes da posse, ameaçando asfixiar economicamente o jornal e decretando a sua morte.
Agência Brasil
Fernando Collor, Mourão e Bolsonaro
Depois, veio o Estadão, porta-voz do pensamento mais conservador da elite paulista, que também passou da defesa para o ataque.
Nesta quinta-feira, foi a vez de O Globo, que tanto se bateu pelo impeachment de Dilma e a prisão de Lula, abrindo caminho para a vitória de Bolsonaro.
Sob o título “Bolsonaro atenta contra a Constituição”, o jornal da família Marinho publicou um editorial de página inteira, chamando o capitão de “chefe de facção radical, de bando, ultrapassando todos os limites do convívio democrático”.
A grande diferença, desta vez, é que parcela considerável da população, como mostram as pesquisas, na esteira dos ataques de Bolsonaro, também é contra a imprensa, o parlamento e os tribunais superiores. E Collor não tinha o apoio das PMs, da PF, do MP e das Forças Armadas, como bem lembrou minha colega Cynara Menezes.
Nas 24 horas seguintes à divulgação do vídeo e às críticas da oposição, Bolsonaro ganhou 5.299 novos seguidores, para se somar aos 35 milhões que afirma ter nas redes sociais.
“Não se trata de defender Bolsonaro e seus filhos, falastrões e trapalhões, mas o Congresso e o STF não estão nem aí para o sofrimento do povo”, escreve Jorge dos Santos Neto, de João Pessoa, na Paraíba, no Painel do Leitor da Folha, expressando um pensamento muito difundido nas redes sociais pelos bolsominions.
De um lado, Edgar Corona, dono de uma rede de academias, um dos líderes do movimento empresarial Brasil 200, que apoiou Bolsonaro nas eleições, envia vídeos contra Rodrigo Maia, com um pedido: “Temos de impulsionar esses vídeos. Precisamos de dinheiro para investir em mkt (marketing)”, como informa Mônica Bergamo.
De outro, ficamos sabendo que também atua no esquema de comunicação de Bolsonaro o marqueteiro americano Arick Brice Wierson, que foi assessor do bilionário Michael Bloomberg na campanha para a prefeitura de Nova York.
Wierson até abriu uma consultoria no Brasil, a TZU, que atuou na campanha de Bolsonaro, e continua prestando serviços ao presidente.
Assim, vamos conhecendo um pouco melhor o que está por trás da estratégia do ex-capitão, além dos arroubos autoritários daquele general do “foda-se” enviado ao Congresso, quando propôs ao presidente, na semana passada, convocar a população a ir às ruas.
Para se contrapor a esse esquema superprofissional de altos custos _ quem paga por isso? _ as oposições ainda estão numa defensiva amadora e analógica, apenas respondendo à ofensiva autoritária de Bolsonaro com notas formais de repúdio, reuniões e atos de protesto, como antigamente.
Só ontem a direção do PT marcou três atos de protesto para o próximo mês: no dia 8, em defesa das mulheres; dia 14 para lembrar os dois anos do assassinato da vereadora Marielle Franco, e dia 18 em defesa da democracia e do serviço público. Haverá gente disposta a ir a tantas manifestações, capaz de assustar o desgoverno?
Diante da reação pífia do Congresso, do STF e das lideranças políticas aos ataques de Jair Bolsonaro, com exceção do ministro Celso de Mello, um analista de mídias sociais com quem conversei hoje me disse que os bolsonaristas estão mais otimistas agora com a manifestação pró-governo do dia 15, sob o lema “os generais aguardam as ordens do povo – fora Maia e Alcolumbre”.
Assinam a convocação, “todos os Movimentos patriotas e Conservadores do Brasil”, seja lá o que quer dizer isso e de quem se trata. A estética do cartaz que circula nas redes sociais lembra a dos nazistas convocando a população alemã para a guerra contra o mundo.
Nesse caso, trata-se de uma guerra do governo contra o seu próprio povo, sem encontrar resistência até agora.
Pode ser que as águas de março do Tom Jobim, fechando o verão, mudem esse cenário, e o Brasil civilizado acorde para o perigo que estamos todos correndo com o avanço da marcha golpista.
Como costumava dizer o bravo cardeal D. Paulo Evaristo Arns, nos tempos da ditadura, ao se despedir dos seus amigos:
“Coragem!”
Vida que segue.
Ricardo Kotscho é jornalista
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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