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O que há por trás da contrarreforma da previdência social na França?

O objetivo do governo francês é diminuir em 20% o nível das aposentadorias públicas para enfrentar o aumento do número de aposentados
Antonio Cuesta
Prensa Latina
Paris

Tradução:

A França realiza sua segunda jornada de greve geral em menos de uma semana, que está sendo acompanhada por uma paralisação indefinida no transporte desde 5 de dezembro, e tem provocado enormes complicações nas comunicações urbanas e interurbanas. 

A protesto não só conta com um grande apoio nas ruas, tanto por parte dos principais sindicatos como de numerosas organizações políticas e sociais, mas também da opinião pública que compartilha majoritariamente as demandas exigidas pelo movimento no projeto de lei de reforma da previdência. 

A estratégia do governo francês tem sido tratar de dividir os trabalhadores mediante compensações pontuais a diferentes setores profissionais, como tem prometido fazer com os médicos e professores, sem entrar a fundo na questão, que é seu projeto de unificar em um só regime todas as aposentadorias, eliminando os atuais 42. 

A proposta forma parte do esquema neoliberal imposto em escala europeia, com o qual se busca reduzir o investimento público em políticas sociais e beneficiar o capital privado, e existem exemplos em países próximos que certificam claramente os prejuízos que supõe para os assalariados.

É o caso da Suécia, onde o poder aquisitivo dos aposentados é 25% mais baixo que o de um trabalhador na ativa, com um nível de pobreza entre os aposentados de 16,8% e que afeta especialmente as mulheres, ou da Alemanha onde a renda média é 15% inferior.

O objetivo do governo francês é diminuir em 20% o nível das aposentadorias públicas para enfrentar o aumento do número de aposentados

Reprodução Twitter
A protesto não só conta com um grande apoio nas ruas, tanto por parte dos principais sindicatos como de numerosas organizações políticas

O objetivo do governo francês é diminuir em 20% o nível das aposentadorias públicas, segundo explica o economista Sterdyniak, diretor de departamento do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE), para tratar de enfrentar o aumento do número de aposentados com relação à população ativa, previsto em 25% daqui a 2050. 

Mas sobretudo para acabar com “a ideia predominante nas altas esferas europeias que na França há demasiados impostos e demasiado gasto público”, perseguindo o modelo anglo-saxão, e para isso há que reduzir o gasto público, rebaixando as aposentadorias como busca esta lei, diminuindo o seguro desemprego como já aprovou o Parlamento ou recortando o orçamento de saúde.

Em todo caso, a contrarreforma anunciada aumentará a brecha na hora da aposentadoria entre os assalariados e os diretivos ou os profissionais liberais e também criará uma fratura intergeracional, pois os trabalhadores mais jovens terão que estender seu tempo de trabalho para chegar ao mínimo de anos de contribuição que estão previstos em 43. 

Até o momento a França conta com um sistema público, universal, obrigatório e baseado nos anos de contribuição e sua progressão no tempo, privilegiando os salários mais baixos na hora de calcular o valor da aposentadoria, enquanto o modelo previsto, por pontos, elimina esse princípio de solidariedade designando subsídios proporcionais à contribuição, com o que serão beneficiadas as rendas mais altas. 

Um padrão de acordo com os fundos privados de aposentadoria na França é praticamente inexistente, que segue a lógica liberal de que “quem mais tem, mais ganha” e com o qual as empresas serão as principais beneficiadas, pois não lhes será pedido que aumentem as contribuições sociais. 

O atual modelo, denunciado pelo governo como injusto e não igualitário, permite, por exemplo, que todas as aposentadorias oscilem entre 72 e 74% dos últimos salários, apesar de existirem diferentes regimes, que pessoas com longas carreiras possam se retirar aos 60 anos, ou que em determinadas profissões por seu risco, ou dureza permitem que possam fazê-lo a partir dos 55 anos. 

Neste sistema qualquer pessoa sabe o montante de sua aposentadoria ao fim de sua carreira; no modelo de pontos embora se conheça a quantidade de contribuições isso não coincide com o que se vai receber, posto que o executivo determinará o valor de cada ponto, não em função do salário mínimo ou da inflação, mas do equilíbrio orçamentário do Estado, pelo que este poderá recortar as aposentadorias de maneira generalizada. 

Não é portanto um problema econômico, como todos os sindicatos têm denunciado repetidamente, mas sim ideológico, que passa por alto questões tão óbvias como que aumentando o números de contribuintes, (trabalhadores) ou seus aportes poderiam ser cobertas de maneira mais justa as remunerações dos aposentados, sem afetar o equilíbrio financeiro do sistema público. 

O principal sindicato do país, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), elaborou e apresentou ao executivo uma série de medidas nessa linha, relativas a equiparar legalmente os salários de homens e mulheres, estabelecer que todas as formas de trabalho estão sujeitas a contribuições, inclusive de empresários e diretivos, ou fixar medidas vinculantes às empresas e às plataforma digitais. 

A economia que poderia ser gerada por essas medidas foi quantificada pelo sindicato em “120 bilhões de euros na próxima década”, o que permitiria enfrentar o crescente números de aposentados sem ter que reduzir a quantia das aposentadorias. No entanto, nenhuma dessas razões parece ser do interesse do governo.

*Antonio Cuesta, correspondente de Prensa Latina na França

**Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

***Tradução: Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Antonio Cuesta

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