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Com reforma previdenciária, bancos vão estourar de ganhar dinheiro, diz economista

“Escolheram a Previdência para tirar o foco de juros, cheque especial, cartão de crédito, o que é uma anomalia”, aponta ex-secretário de finanças
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Desde janeiro, Jair Bolsonaro e sua tropa arrebentam o país: privatizam e vendem o que podem e o que não podem, ao arrepio dos interesses nacionais. Em outubro, o Senado aprovou o corte de R$ 800 bilhões na Previdência Social. E a nação não reage. “Como pode um país crescer se você retira o poder aquisitivo da população?”, pergunta Amir Antônio Khair, engenheiro, mestre em Finanças Públicas pela FGV, consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária e ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão Luiza Erundina (1989/92). 

Em sua avaliação, as três últimas reformas aprovadas até agora desde o golpe contra Dilma Rousseff só cortam direitos, reduzindo recursos da base da pirâmide social. A primeira foi a Reforma Fiscal do governo Temer, em dezembro de 2016, que congelou os gastos por 20 anos. A segunda, foi a Trabalhista, em julho de 2017, que precarizou o mercado de trabalho. A última foi a reforma da Previdência, que vai tirar os R$ 800 bilhões da mão de quem mais precisa.

“Escolheram a Previdência para tirar o foco de juros, cheque especial, cartão de crédito, o que é uma anomalia”, aponta ex-secretário de finanças

Reprodução
“O reformador estará enganando a sociedade”

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Para entender a aprovação da Reforma da Previdência Social no Congresso Nacional é preciso mergulhar no jogo político. Quando você quer discutir uma questão fiscal com grande impacto nas contas públicas, na sociedade — e a Previdência mexe com todo mundo — você tem a obrigação de seguir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ensina Amir, referindo-se à transparência e participação, presentes no artigo primeiro da lei sancionada em maio de 2000.

Em novembro de 2000, Amir lançou o livro “Lei de responsabilidade fiscal: as transgressões à lei de responsabilidade fiscal e correspondentes punições fiscais e penais”. Para ele, transparência e participação são a alma da LRF, vitais quando se tem uma medida social que impacta a sociedade e o setor público.

“Você tem a obrigação de apresentar as projeções, estimando o impacto futuro de receitas e despesas correspondentes”, diz. É preciso também explicitar a metodologia adotada no cálculo das projeções, as premissas adotadas e, mais importante do que tudo, a “memória de cálculo”, as chamadas planilhas. Quando o governante de plantão quer passar alguma coisa, esta seria sua obrigação perante a sociedade. Ou seja, justificar detalhadamente aquilo que tem impacto fiscal.

“Nesta discussão toda da Previdência não houve qualquer transparência”, dispara o economista. É necessário provar tudo, caso contrário, “o reformador estará enganando a sociedade”. Exatamente como procedeu o governo. 

Arrocho X crescimento

Mas afinal, qual seria o tamanho do déficit da Previdência? A questão é vital porque se o rombo é enorme, observa ele, a restrição à sociedade será proporcional. Mas se for menor, não será necessário punir tanto a população, como o governo está punindo. Haveria ainda possíveis erros técnicos fundamentais, em finanças públicas, por exemplo, onde não se mede apenas o efeito primário de uma medida. Seria preciso avaliar resultados secundário e terciários em muitos casos.

Como exemplo, ele cita o dinheiro que vai para aposentados e pensionistas do regime geral da Previdência, despesa que representa 8,9% do PIB. Cerca de 80% do valor vai para quem recebe até três salários mínimos. O que uma pessoa que recebe este valor faz? “Ela não vai pôr debaixo do colchão ou mandar para o exterior. Vai usar, consumir, porque poucos conseguem poupar, o grosso é consumo”.

Esse fator é chave. O ato de consumir gera crescimento econômico, arrecadação e impostos, como PIS, Confins e ICMS, insiste o economista. Este seria o efeito secundário, poderosíssimo na economia e mudaria a equação da Previdência Social. Pior, avalia, é que o tema não teria sido sequer discutido, já que, de forma “extremamente sacana”, a equipe do Ministério da Fazenda isolou a Previdência Social da Seguridade.

A proposta alternativa de Amir para o crescimento econômico — ao contrário da equipe econômica bolsonariana — é justamente fortalecer o poder aquisitivo da população. Daí nasceria faturamento, lucro das empresas e arrecadação pública. “Estou cansado de escrever e falar sobre isso em minha página” diz o economista, ao recomendar explicitamente: “Pau nos bancos, os grandes vilões da economia”. De acordo com ele, o sistema bancário aposta na reforma da Previdência, pois tem interesse na Previdência Complementar: vão estourar de ganhar dinheiro. “Eles são inteligentes. Escolheram a Previdência como alvo principal para tirar o foco de juros, cheque especial, cartão de crédito, o que é uma anomalia”. 

Como exemplo, o especialista em administração pública observa que o patrocinador do Jornal Nacional e do Domingão do Faustão — principais programas da TV Globo — é a Crefisa: “Talvez a maior empresa de agiotagem do mundo”. Ao entrar no site da empresa, o cliente se depara com um simulador de empréstimo, de R$ 500,00 a R$ 3.500 para pagamento em três meses, seis e um ano. É só entrar e escolher o prazo. “O simulador mostra as parcelas a pagar, mas não os juros. Não há nada abaixo de 1000% ao ano”.

Mentiras

Na visão do economista, não tem o menor sentido falar em déficit da Previdência, mas poderia se falar em déficit da Seguridade. De acordo com ele, a lei não fixa que um valor “X” é para a Previdência. A única coisa que a legislação estabelece é que a contribuição dos trabalhadores no holerite e a cota patronal vão para o INSS. Não para a Saúde nem Assistência Social. “Mas e o resto?”, pergunta. 

Ele se refere ao artigo 195 da Constituição que, junto com o 194 trata da Previdência, Seguridade e Assistência Social juntos. “O 195 dá as fontes de financiamento dos três setores: INSS, trabalhador, empresa, PIS, COFINS, Contribuição sobre Lucro Líquido, Imposto sobre Importação, Loterias e o que faltar o governo coloca”.

Nesta conta constam os impostos citados: “Todos estão lá, um conjunto só, no artigo 195”, insurge-se o ex-secretário de Finanças de Luiza Erundina.

Pelo que constatou em suas análises, o INSS que chega de empresas e trabalhadores é praticamente estável: cerca de 6% do PIB. As demais receitas citadas do artigo 195 representariam outros 6%, aproximadamente. Então, a seguridade tem 12% do PIB como fonte de recursos. 

O valor é dividido da seguinte forma: 6% vão para a Previdência e igual percentual para Saúde e Assistência Social. O estudo comprovou que Saúde e Assistência Social não gastam 6% — a média fica entre 3 e 4% — então a diferença vai para financiar a Previdência Social. O atual governo “muda a equação. Quando não usam o dinheiro da Seguridade, Paulo Guedes e os técnicos da Fazenda têm a pretensão de isolar a Previdência Social em apenas 6%”, denuncia ele.

Assim, a estratégia do governo, diz Amir, “é falar especificamente do déficit”. O INSS de trabalhadores e empresas dá déficit? Historicamente, sim. Mas, quando se fala de seguridade, o papo é outro, alerta o especialista. Há momentos com déficit, outros não. E aí a discussão é jogada para o futuro. Para frente. Tem projeções de receitas e de despesas pouco, ou nada, explicitadas. “É aí que o governo nada de braçada. Eles dizem que as contas vão estourar. Apresentam números horripilantes. É claro que o trabalhador fica inseguro”. Na hipótese de se ver sem aposentadoria, o contribuinte acabaria preferindo “engolir” a reforma a não receber nada. Mal sabe ele que corre o risco de receber uma miséria em forma de aposentadoria ou mesmo de morrer antes.

Há ainda o fator da gestão: “a inadimplência é da ordem de 30%. É dinheiro sonegado que não chega a entrar nos cofres da Previdência”. Em outubro de 2015, quando o governo Temer entrou com o programa “Ponte para o Futuro”, eles aboliram a palavra gestão, recorda Amir. 

A gestão capenga das despesas abriria espaço para muita gente receber o que não deveria e com valores em geral bem superiores à média. De vez em quando um escândalo sobre isso vem à tona, mas mesmo esses casos passariam a ser mais raros. Sem gestão tais informações não chegam à sociedade e não entram no debate político.

Pobres X Miseráveis

“Qual é a tática desses filhos da mãe?”, pergunta o ex-secretário de Finanças paulistano: “É jogar o pobre contra o miserável”. Segundo Amir, quando Bolsonaro e Paulo Guedes fizeram a proposta de cortar o abono salarial de quem ganha entre um e dois salários mínimos, o 14º salário, eles tiram dinheiro de quem menos tem, a turma de baixo.

Quem já está aposentado não é afetado. Teoricamente, pois o governo vai acabar com as correções automáticas, pondera Khair, ao lembrar que o governo bolsonariano pode não corrigir os benefícios a cada ano. Afinal, nem o salário mínimo eles queriam corrigir. Quando o trabalhador vai se aposentar, pode ganhar ‘x’ ou ‘y’. Com a reforma, ele vai ganhar menos, supondo que chegue lá e tenha o benefício. 

“Eles aumentaram o tempo de contribuição, idade mínima e reduziram o valor da aposentadoria”. Assim, em vez de receber 85% da média dos melhores  salários — segue ele — a pessoa vai receber 60%. Caso não tenha tempo de contribuição acima de 25 anos, o valor cai para 45%.

Através do ministro Paulo Guedes e sua equipe, a família Marinho vendeu a imagem positiva do hoje presidente com políticas há muito esperadas pelo capital internacional. Daria pra imaginar a aprovação da reforma da Previdência Social sem o bombardeio diuturno da mídia, regida pelos veículos globais? Era só especialista a favor, dia após dia.  

Amir não deixa por menos: “nós temos uma mídia absolutamente corrupta e totalmente vendida ao poder econômico. Esta mídia não ofereceu um espaço sequer para debate, só chamava a turma a favor da reforma”.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Amaro Augusto Dornelles

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