Jean-Luc Mélenchon é líder do movimento França Insubmissa e teve 19,6% dos votos nas eleições presidenciais de 2017 em seu país.
Em visita ao ex-presidente Lula, em Curitiba, concedeu entrevista exclusiva ao Brasil de Fato Paraná, falando sobre o bate-boca entre o presidente brasileiro e o francês, liberalismo econômico e perseguição política por meio da justiça.
Brasil de fato / Joka Madruga
"Por que vamos tomar na França leite de vacas brasileiras e vocês vão comer carne francesa? Não tem sentido"
Confira a entrevista
Brasil de Fato Paraná – Como o senhor vê o bate-boca entre o presidente Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron, seu adversário político?
Jean-Luc Mélenchon – Antes de tudo, Bolsonaro falou muito mal da esposa do presidente Macron, e em relação a isso não o perdoamos. Isso não é política, tem a ver com a condição humana e é insuportável. E o que quero dizer a Bolsonaro é uma piada: Ele disse que, para ajudar o meio ambiente, seria necessário ir ao banheiro um dia sim e outro não, então julgo que para melhorar o meio ambiente ele deveria fechar sua boca a metade do tempo. Porém, para nós, o comentário do presidente francês também é um pretexto, porque ele também está assinando uma autorização para destruir parte da floresta Amazônica da França, na Guiana Francesa. Então, nos parece bastante hipócrita em relação ao que disse a Bolsonaro. Além disso, é um problema ver que um presidente da república num dia está a favor do tratado de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul e, no outro, está contra. Somos contra esses acordos de livre-comércio porque eles não têm a ver com cooperação, ao contrário, livre comércio é a lei do mais forte. A cooperação tem de ser positiva para os dois lados, nada a ver com esse tratado da Europa com o Mercosul.
Falando desses acordos de livre comércio, sem as barreiras, os países mais fortes acabam tendo vantagens…
Por que vamos tomar na França leite de vacas brasileiras e vocês vão comer carne francesa? Não tem sentido. E o mundo inteiro, hoje, é uma mercadoria para o setor financeiro. Com isso, chegamos a um fracasso da civilização humana, porque as mudanças climáticas já começaram. Produzir dessa maneira e viver dessa maneira nos conduzem diretamente a um fracasso. Hoje, Lula, os insubmissos, o PT e tantos outros movimentos sem-terra, somos os únicos que temos a bandeira do interesse geral humano.
Isto acontece na França também, o discurso de que a mão invisível do mercado vai regular tudo?
Todos sabemos que isso é uma loucura. Defendo a ideia de um novo humanismo. Um humanismo com um pensamento e uma filosofia unitários, como naquele momento no qual saíram os intelectuais de seu cercado religioso declarando, como no livro estupendo de Pico de la Mirandolla (Giovanni, autor do livro “Discurso sobre a Dignidade do Homem”), em 1487, com princípios em torno dos quais ele construiu sua própria vida. A fé é outra coisa, cada um constrói a sua fé no segredo de seu coração. Mas na vida comum, as trocas entre nós, para tomar decisões, temos somente nossa consciência, que tem de atuar em total liberdade. Então, chamamos o humanismo como uma forma de não se submeter à ordem intelectual deste momento na Europa. Temos de chamar a uma nova insubmissão intelectual, contra a metafísica e o obscurantismo do capitalismo contemporâneo, acreditando que há uma articulação espontânea com o mercado, que se move tendo como Deus o dinheiro.
Parece que há duas coisas em comum entre a França e a América Latina neste momento, que é o crescimento da direita e o impacto da crise econômica na vida das pessoas…
Sim, há uma virada para a direita, mas a América do Sul e um pouco a do Norte, à sua maneira, até os EUA, passaram por uma onda de democratização. E agora estão dizendo que essa onda já acabou. Não, por favor. O êxito de Andrés Manuel López Obrador no México, a vitória na Bolívia, a que se está aproximando na Argentina, a que esperamos no Uruguai. Então, a América do Sul nos dá um sinal bem forte. É o único lugar do mundo onde há isso. E, ao contrário, a Europa está regredindo, e regredindo ao pior. Com a destruição dos estados sociais e também o rebaixamento de uma consciência humanista porque a ultradireita está crescendo em toda a parte e, cinicamente, o Macron e outros ultracentristas a estão ajudando. Ao final, preferem a ultradireita a nós. É um momento muito difícil.
Na Europa, a direita se apoia principalmente num discurso anti-imigração…
Sim, há por toda parte racismo, o cultivam, o ensinam. Por isso sabemos que temos de lutar, porque toda vez que há uma crise econômica, se dá algo venenoso na Europa e ao final a Europa entra em guerra, e essas guerras se tornam mundiais, e os outros depois são chamados a escolher em qual campo vão ficar. A Europa é muito perigosa para o mundo, porque ela é chamada a dar o melhor de si algumas vezes, mas, o pior, muitas vezes.
O que é? Ultradireita. Partidos ou movimentos que se colocam contra os direitos populares e a favor dos lucros e dos mercados.
O que pode falar da perseguição judicial que há contra o senhor na França?
Demoramos a despertar. Em primeiro lugar pegaram os sindicalistas como nunca, depois os coletes amarelos (manifestantes que em 2018 lideraram por três semanas uma onda de protestos na França, N.R) com uma violência incrível e desconhecida. Vinte e duas pessoas perderam olhos com tiroteios da polícia, cinco mãos arrancadas, duas pessoas assassinadas. Depois fizeram julgamentos dia e noite. Condenaram 2 mil pessoas, faziam julgamentos que começavam à noite e iam até 5 horas da manhã. E agora entraram na política. Sou presidente de um bloco de opositores, o mais conhecido na França. E agora me pegam, e isso não existe nas democracias. Perseguir judicialmente um grupo político. Mas estão fazendo. Indiciaram-me primeiro por resistência e rebeldia. O de rebeldia é verdade, sou um rebelde. E se você se opõe, dizem que você se opõe à lei, à polícia, etc. A luta que estamos fazendo agora, coletando assinaturas do mundo todo para todos os casos de law fare (perseguição política por meio da Justiça) está ajudando, pode ser que, ao final, não será interessante para a justiça parecer o braço armado do poder, pode ser que tenha dignidade. Veremos.
Edição: Pedro Carrano
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