Novamente, a ex-presidenta colocou toda sociedade argentina a falar dela. A natural apatia dos sábados se transformou em um dia de debate político, após o anúncio, por meio de suas redes sociais, de que ela apoiaria Alberto Fernández, seu ex-chefe de gabinete, em uma chapa presidencial que pode por de joelhos Mauricio Macri.
O eleitorado argentino estava dividido em terços. A saber, o mais fiel, o que segue Cristina Fernández de Kirchner; o que responde a Mauricio Macri; e um terceiro que agrupa a peronistas ortodoxos, a esquerda tradicional, independentes e setores instáveis. Com essa decisão, Cristina rompe essa tripolaridade, assume que sua figura divide o voto opositor e o dá um aceno aos eleitores que não compactuam com ela nem com o atual presidente.
Com essa decisão acabam as especulações se Cristina seria candidata. A resposta é sim, porém em um lugar impensado. E contra o anúncio clássico da história, a líder decide ocupar o lugar de copiloto e oferece a outro que comande o avião.
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A fórmula Alberto Fernández-Cristina Kirchner garante o voto kirchnerista e, por vez, amplia o espectro de apoiadores. A presença de Alberto Fernández golpeia as candidaturas do independente Roberto Lavagna e de Sergio Massa, peronista e ex-funcionário de Cristina, que seguramente terminará somando-se a esse campo político. Além disso, desafia a Alternativa Federal, o peronismo não-Kirchnerista, e obriga Cambiemos de Mauricio Macri a buscar uma nova estratégia eleitoral.
Alberto Fernández possui todas as qualidades para afrontar esse caótico momento político: capacidade, pragmatismo, diálogo, relações. Foi chefe de gabinete de ministros (Casa Civil) nos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Se distanciou, renunciou a seus cargos, voltou à planície, não deixou de construir e retornou como conselheiro principal de Cristina faz pouco mais de um ano.
“Não tenho dúvidas, a situação do povo e do país é dramática. Trata-se de governar uma Argentina outra vez em ruínas. Mais que ganhar uma eleição, necessitamos de homens e mulheres que possam governar uma Argentina que se encontra em uma situação pior que em 2001”, disse a ex-presidenta em seu anúncio nas redes sociais.
Sem dúvidas, Cristina também considerou a raiva por trás do ataque judicial-midiático que Lula e o PT sofreram no Brasil.
Por último, e como apontei em meu texto da semana passada para Revista Fórum, Cristina Kirchner segue sendo a jogadora principal e dominante da política argentina. Ninguém pode deixar de falar de suas decisões, seja para elogiar ou contestar. Ninguém fica indiferente. É um terremoto.
*Mariano Vásquez é um jornalista argentino residente em Buenos Aires. Documentarista, possui experiência em temas políticos internacionais e laborais, tendo trabalhado por muitos anos na TV boliviana e em vários meios argentinos.
**Vinicius Sartorato (responsável pela tradução) é jornalista e sociólogo. Mestre em Políticas de Trabalho e Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha).